Sexta-feira, 7 de março de 2008 - 08h58
Gustavo Faleiros - (O Eco)
Nos tempos em que as derrubadas na floresta estavam caindo (a queda foi de 60% entre 2005 e o primeiro semestre de 2007) eram raras as ocasiões em que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, não dedicava seus discursos e entrevistas a enaltecer o Plano de Combate e Prevenção do Desmatamento na Amazônia. Lembrava que a ação coordenada de 13 ministérios estava por trás da redução das taxas de degradação. Agora, quando as derrubadas voltaram a crescer, a organização não-governmental (ONG) Greenpeace lança um levantamento detalhado que mostra que a eficácia do plano é, no mínimo, questionável. Chamado de “O leão acordou”, o relatório revela que de todas as ações previstas na criação do Plano em 2004, apenas 31% foram cumpridas.
O nome do estudo é uma referência à frase do governador do Mato Grosso e rei da soja, Blairo Maggi, que comparou o desmatamento a um “leão adormecido”, graças às baixas cotações das commodities agrícolas. A análise do Greenpeace indica que a implementação falha do Plano deixou as portas abertas para que, quando os estímulos econômicos voltassem (o que ocorre agora), as taxas de destruição da floresta invertessem facilmente a tendência de queda. “O plano tem seus méritos, ele é bom, mas precisa ser implementado. Se isso tivesse ocorrido, a redução do desmatamento teria sido maior e já estaria consolidada”, argumenta o coordenador de Florestas na Campanha Amazônia do Greenpeace, Marcelo Marquesini.
Para avaliar o percentual de implementação, o Greenpeace analisou as 162 ações previstas no lançamento do Plano em 2004. Elas estavam divididas em três eixos de execução: ordenamento territorial e fundiário, monitoramento e controle e fomento a atividades sustentáveis. As ações em que se observou o cumprimento de mais de 50% das metas, foram consideradas implementadas. No entanto, apenas 31% se encontram nesta categoria. Entre elas, a criação de unidades de conservação, regularização fundiária do entorno da BR 163, aprimoramento do sistema de monitoramento pelo INPE, treinamento em manejo florestal para pequenas comunidades, entre outras.
Não há dúvida que foram ações importantes, diz Marquesini, mas a estrutura da ilegalidade na Amazônia não foi desmontada.”A impunidade continua alta”, alerta. Isso porque, na visão do Greenpeace, a grilagem e comércio ilegal de terras, o verdadeiro motor do desmatamento, não foi coibido. Houve avanços na identificação dos transgressores, inclusive com uma abertura maior do Incra da sua base de dados, mostrando quem é quem nos seus cadastros. Com isso aumentaram significativamente as multas. Elas não são pagas, contudo. “A ausência de varas ambientais em muitas regiões da Amazônia faz com que a justiça não julgue corretamente os crimes. Os juízes estão trocando penas por cestas básicas”, afirma o ambientalista.
Transversalidade capenga
Outro ponto que fica claro ao se ler o relatório do Greenpeace é de que a coordenação entre os 13 ministérios no Plano de Combate ao Desmatamento não pode ser chamada de trabalho de equipe. A ONG conseguiu, através da análise das ações e de diversas entrevistas com burocratas, classificar quais são os ministérios que introduziram as ações de redução das derrubadas no seu dia-dia e quais são aqueles que jogaram contra. Na avaliação, os ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, Defesa e Ciência e Tecnologia foram os que mais trabalharam pelo Plano.
Por outro lado, a Casa Civil e os ministérios de Minas e Energia, Agricultura e Relações Exteriores foram apontados como aqueles que atrapalharam o combate ao desmatamento. “Se a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), mostrasse o mesmo empenho que tem na implementação do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), as ações de combate e prevenção ao desmatamento teria surtido efeito muito maior (...)”, pontua o texto do relatório, ao comentar a atuação da coordenadora do Plano.
O papel do INCRA e do ministério que o coordena, o de Desenvolvimento Agrário, talvez seja o mais contraditório de todos.Embora tenham colaborado em ações de ordenamento territorial, este órgãos, por razões ideológicas, acabaram fomentando um modelo de reforma agrária extremamente destrutivo na Amazônia. Segundo Marquesini, o Greenpeace entrevistou diretores do INCRA que claramente se opõe à política de concessões florestais promovidas pelo Ministério do Meio Ambiente e de seu Serviço Florestal Brasileiro. Melhor seriam, disseram estes servidores, que as florestas fossem destinadas à reforma agrária. Mas casos, como os 97 assentamentos em Santarém, Pará, mostraram que colocar famílias nas matas sem assistência técnica apenas favoreceu o surgimento de contratos espúrios entre assentados e madeireiros. “Eles abriram as portas do pandemônio na Amazônia”, alfineta Marquesini ao analisar a atuação do INCRA.
Marco legal
O relatório “O leão acordou” revela que medidas que haviam sido prometidas em 2004, como a revisão das normas bancárias para o crédito rural, só estão sendo tomadas agora, neste momento de desespero em que o desmatamento voltou a subir. Portanto, pondera Marquesini, a influência do mercado sempre foi determinante na dinâmica das derrubadas, algo que o Ministério do Meio Ambiente demorou bastante a reconhecer. Em outras palavras, o que se julgava ser mérito do governo nas reduções de taxas de desmatamento, não passava de uma conjuntura favorável.
Em sobrevôos recentes em diversas regiões da Amazônia, o Greenpeace constatou que a moratória da soja – em que compradores se comprometeram a não receber grãos plantados em zonas recém desmatadas – está sendo cumprida. No entanto, já há novas áreas abertas, como no leste do Mato Grosso, que muito provavelmente receberão soja. Ainda assim, os maiores problemas continuam sendo a pecuária e a madeira, cujos mercados são muito pulverizados para serem controlados.
A conclusão imediata do Greenpeace é que o Governo Federal precisa fortalecer o marco legal para o manejo dos recursos florestais na Amazônia. Isso significa estabelecer de uma vez por todas quais são os limites de uso das propriedades privadas. Hoje, a regulamentação é feita pela Medida Provisória 2166-67/2001, que alterou o Código Florestal de 1965 e elevou a reserva legal de 50% para 80%. O ideal seria transformar esta medida em Projeto de Lei e apresentá-lo ao Congresso. “Eu conheço muito produtor que está há anos esperando essa MP cair, isso induz eles a desmatarem mais do que 20%”, lamenta Marquesini.
Leia o relatório completo "Desmatamento na Amazônia: O leão acordou
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