Segunda-feira, 17 de março de 2008 - 18h33
Devido ao grande volume de chuva registrado nas nascentes do rio Guaporé, entre Mato Grosso e a Bolívia, a água sobe com muita força em Rondônia levando os búfalos a migrarem para outros locais.
Daniel Panobianco – Os efeitos da chuvarada que atinge grande parte da Bolívia e Mato Grosso já são notórios em Rondônia. O nível do rio Guaporé subiu muito nos últimos dias e agora atinge praticamente todo o Vale do Guaporé, localizado entre os municípios de São Francisco do Guaporé e Alta Floresta d' Oeste, no oeste rondoniense.
A cheia está causando um grande desequilíbrio dentro da Reserva Biológica do Guaporé onde vivem hoje, mais de 10 mil búfalos, considerados selvagens.
Uma manada de cerca de 4 mil búfalos está espalhando medo na região. Divididos em grupos de 30 a 100 cabeças, os animais nunca tiveram contato com o homem e agora estão se reproduzindo em massa, destruindo uma reserva ambiental de 600 mil hectares protegida por lei.
Há dois anos, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolve um projeto no Vale do Guaporé para tentar resolver o problema. Uma equipe de pesquisadores fez um levantamento da quantidade de animais que estão soltos na floresta, mas não conseguiu capturar nenhum deles para estudo, como previa o projeto.
"Os animais são tão selvagens que atacam até os helicópteros que tentam pousar na floresta", diz Francisco Leônidas, biólogo da Embrapa em Rondônia.
Como os búfalos chegaram a Rondônia
Os búfalos selvagens de Rondônia são nativos da Ásia e foram introduzidos inicialmente na Ilha de Marajó, no Pará, que detém 80% da população desses animais. No Pará e no resto do País, no entanto, os búfalos são domesticados, bastante úteis e convivem pacificamente com o homem.
Em Rondônia, eles são tão selvagens que atacam até a onça, o predador mais temido da selva. "Como são considerados animais invasores na floresta, eles não têm predadores naturais", explica o biólogo Salvatore Rossy, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Assim como no Pará, os búfalos do Vale do Guaporé foram levados para lá pelas mãos do homem. Na década de 50, o governo de Rondônia teve a idéia de transportar 30 cabeças da Ilha do Marajó para a fazenda Pau D' Óleo. A idéia era que o rebanho produzisse leite, carne e ajudasse a desenvolver comunidades carentes da região. O projeto não deu certo e os 30 búfalos foram soltos na floresta, em 1953. Todos, até então, eram dóceis.
O bando solitário seguiu para o Vale do Guaporé, uma região pantanosa. No alagado, eles encontraram as condições ideais para reprodução. Hoje, 55 anos depois da soltura, os búfalos transformaram-se num problema ecológico. Aquela geração dócil não existe mais.
A nova geração é selvagem, embrutecida e violenta. E mais: eles nunca viram um homem pela frente. Quando o vê, a manada se junta em grupo de 30 e ataca. "Têm animais com chifres de dois metros de cumprimento", ressalta Leônidas, que já liderou uma equipe que tentou laçar búfalos selvagens em Rondônia.
Atualmente, Rondônia tem a única manada de búfalos selvagens do Brasil. Como andam em bando e como não são típicos da região, eles estão causando um desastre ecológico sem precedentes na reserva ecológica. Por onde caminham, os animas pisam pelo pântano e acabam drenando o solo, destruindo diversos ecossistemas. Em algumas regiões, eles estão drenando cabeceiras de rios e alterando o curso d' água, além de destruírem igarapés.
"Esses animais têm que ser capturados o mais rápido possível, caso contrário estaremos diante de um problema ecológico tão grave que é impossível até fazer prognósticos", prevê Leônidas.
Para se ter uma noção da selvageria desses búfalos, uma manada de 20 deles estava sendo observada por aviões por uma equipe de pesquisadores. A manada entrou numa fazenda abandonada e se deparou com a sucata de um trator abandonado. Ao ver a máquina, um dos animais se assustou e correu para chifrar o veículo.
"Eles nunca haviam visto um trator. Na imaginação deles, aquilo era uma ameaça. Ao correr contra a máquina, o animal bateu com a cabeça na lâmina e morreu na hora", relata Leônidas.
Robustos, os búfalos do Guaporé não morrem com tiros de espingardas. Segundo especialistas, eles só podem ser abatidos com tiros de fuzil, já que a maioria deles, aparentemente, pesa mais de uma tonelada. "Nossa maior preocupação é que eles cheguem até as seis aldeias indígenas do Vale", ressalta o agente da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Rondônia, Marco Antônio Messias.
Uma equipe de pesquisadores franceses já tentou laçar um dos búfalos selvagens do Vale do Guaporé para pesquisa. A manada tinha penas 28 animais e parte deles eram filhotes. "O problema é que, enquanto um deles é laçado, a manada, a princípio, foge. Mas pelo menos cinco deles voltam na mesma pisada para enfrentar o laçador e salvar o companheiro", conta Leônidas. Como eles impõem medo, a saída é soltar o animal.
Uma outra pesquisa feita com os búfalos selvagens do Vale do Guaporé aponta que os animais estão migrando lentamente para outras regiões da Amazônia, inclusive para o lado boliviano da selva. "O maior problema desses animais é a superpopulação aliada à selvageria. As fêmeas ficam muito mais ferozes por conta da cria. Elas têm que deixar as onças bem longe dos filhotes. Já os machos ficam ainda mais bravos porque disputam as fêmeas em lutas. Os machos derrotados saem do bando e ficam ainda mais revoltados", descreve Leônidas num relatório sobre a pesquisa feita com os búfalos no Vale do Guaporé.
O estudo da Embrapa de Rondônia concluiu que a solução do problema é a captura dos animais para domesticá-los ou o abatimento. Mas a equipe não dá conta de apanhar nem os búfalos mais novos. No caso do abatimento, uma das possibilidades seria alimentação. Mas como são animais 100% selvagens, a carne torna-se imprópria para consumo, já que nunca foram vacinados para prevenção de febre aftosa, tuberculose e brucelose. Além do mais, algumas organizações não-governamentais são contra o sacrifício dos búfalos selvagens. "Enquanto isso, eles estão correndo feitos loucos na mata", avisa o biólogo Salvatore Rossy.
Na Ilha do Marajó, a presença dos búfalos é fundamental. São eles que sustentam a economia da ilha, do fornecimento de leite à atração turística. No arquipélago, são mais de 600 mil cabeças. Todas domesticadas. "Aqui, todo búfalo tem dono", diz o biólogo José Lourenço, da Embrapa.
Quando domesticado, o búfalo torna-se um animal produtivo. Seu leite e sua carne têm menos gordura do que a carne de boi e o queijo feito a partir do leite dele é nutritivo e saboroso. "Eles são tão mansos que têm o hábito de pôr a cabeça na janela para olhar dentro da casa dos pescadores", relata Lourenço.
Segundo o pesquisador, que é uma das maiores autoridades em bubalinos do País, o extermínio dos búfalos do Vale do Guaporé é a solução não é a solução mais inteligente. "Sugiro que sejam seqüestrados alguns animais e repassados para os produtores de pequena renda. Um búfalo para um trabalhador rural pobre é uma fonte de renda."
"Quem fala que amansar um animal desse é a solução precisa ver um deles de perto. A verdade é que os búfalos do Guaporé ficaram violentos com o tempo. De longe, em vez de fugirem, eles vêm nos encontrar para saber o que é", diz o fazendeiro Roberto Conde de Lino, de Rondônia. Ele chegou a ter búfalos, mas abateu todos com receio da fúria do animal.
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Como o volume das águas do rio Guaporé aumentou muito, os animais estão migrando das margens para os pontos mais altos avançando próximo de fazendas e comunidades ribeirinhas. Devido ao peso de até uma tonelada, o solo da região já está saturado, não havendo mais pastagem para tantos búfalos, o que também pode explicar seu refugio para lugares mais distantes.
O medo da população que vive ao entorno da Reserva Biológica do Guaporé é se os búfalos chegarem muito próximos das casas e avançarem sobre as pessoas, uma vez que vários casos de ataques em pessoas e outros animais, como cavalos, já foram relatados.
A esperança é de que o nível das águas baixe tão logo e os búfalos possam voltar ao local de convívio.
Dados: Prefeitura Municipal de São Francisco do Guaporé/Costa Marques – INCRA – MAPA – Embrapa – UFAM
Fonte: AMAZONIAOVIVO.COM
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