Quinta-feira, 8 de julho de 2021 - 11h51
A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural do Ministério Público Federal (4CCR) considerou inconstitucional a Lei
Complementar nº 1.089/2021, editada pelo Estado de Rondônia em maio deste ano.
A norma reduz os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque
Estadual de Guajará-Mirim; prevê a possibilidade de regularização ambiental da
propriedade ou posse de imóveis rurais localizados nas áreas desafetadas; e
cria cinco novas unidades de conservação, como medida de compensação.
O Colegiado da 4CCR analisou o tema durante a 10ª Sessão
Ordinária de Coordenação, realizada em 30 de junho. Na ocasião, o órgão
superior acolheu representação elaborada por três membros do MPF e decidiu
encaminhar o caso ao procurador-geral da República, “para que examine, no
exercício de sua competência e de sua independência funcional, eventual
cabimento de arguição de inconstitucionalidade/
No total, a lei estadual determina a perda de cerca de 218,4 mil
hectares de áreas protegidas, supostamente compensados com cerca de 120 mil
hectares em novas unidades de conservação, ainda não implementadas. Na
avaliação da Câmara Ambiental do MPF, a norma “padece de vícios de
incompatibilidade com preceitos fundamentais albergados pela Constituição da
República Federativa do Brasil”.
A 4CCR aponta que tanto a Resex Jaci-Paraná como o Parque
Estadual de Guajará-Mirim foram criados em áreas de propriedade da União
Federal, destinadas ao Estado de Rondônia para a implementação vinculada de
unidades de conservação. Na prática, isso quer dizer que compete à Rondônia
apenas implementar as áreas ambientalmente protegidas, em atendimento à
definição finalística dada pela União. O ente federado não tem atribuição para
desafetar as áreas, “dando ao patrimônio alheio destinação distinta daquela
definida pela efetiva proprietária”.
Segundo o órgão superior do MPF, ao editar a Lei Complementar nº
1.089/2021, o Estado de Rondônia agiu em desvio de finalidade, extrapolando as
competências que lhe são constitucionalmente atribuídas. O ente dispôs de
patrimônio alheio (da União) e violou a obrigação de observar a função social e
ambiental atribuída à propriedade federal.
Competência federal – A 4CCR cita ainda que, conforme a
Constituição Federal, a alteração ou a extinção de unidades de conservação só
pode ocorrer por meio de lei. No caso da Resex Jaci-Paraná e do Parque Estadual
de Guajará-Mirim, o órgão do MPF sustenta que essa lei teria que ser federal, e
não estadual. Isso porque, embora a criação das unidades tenha se dado por meio
de decretos estaduais, “a definição das áreas como espaços especialmente
protegidos não resultou apenas de atos administrativos praticados pelo Estado
de Rondônia, mas também de atos administrativos praticados pela União”.
Em relação a esse ponto, a Câmara Ambiental lembra que a
destinação das áreas à conservação ambiental e uso sustentável dos recursos
naturais no Estado de Rondônia ocorreu, também, em razão de compromissos
internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro. Em 1993, o país celebrou
contrato de empréstimo com o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) para o financiamento do Plano Agropecuário e Florestal
do Estado de Rondônia (Planafloro). “O Estado Brasileiro – e não o Estado de
Rondônia – recebeu US$167 milhões do BIRD para o financiamento dessa
iniciativa”, esclarece a representação.
Áreas protegidas – A 4CCR ressalta a importância da Resex
Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim para a proteção do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, já que as unidades foram criadas com
o objetivo de estancar perdas de recursos de flora e fauna, bem como de minorar
conflitos sociais que se operavam em prejuízo de comunidades tradicionais.
Segundo o órgão do MPF, ao reduzir os limites das áreas protegidas, o Estado de
Rondônia violou o dever de preservar os atributos ecológicos que justificaram a
criação das unidades de conservação.
Na representação, os autores alertam que não houve estudos
aprofundados a respeito do impacto dessa medida, o que viola os princípios da
prevenção e da precaução, bem como o dever estatal de assegurar o acesso
público à informação de natureza ambiental. Para o colegiado, “a redução dos
limites da Resex Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará- Mirim foi um tiro
no escuro: partiu-se do pressuposto, não comprovado tecnicamente, de que a mera
criação de novas unidades de conservação compensaria os impactos a serem
produzidos ao meio ambiente”.
Por outro lado, o documento aponta que a desafetação de mais de
80% da Resex Jaci-Paraná e de 20% do Parque Estadual de Guajará-Mirim
comprometerá a integridade de territórios de povos e comunidades tradicionais,
“em violação à proteção conferida constitucionalmente a esses povos e às terras
indispensáveis à sua reprodução identitária”. Registra também que não houve
consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais
envolvidos, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho.
Após deliberação do colegiado da Câmara Ambiental do MPF, a
representação foi encaminhada para análise do procurador-geral da República,
Augusto Aras, a quem cabe propor ações de inconstitucionalidade no Supremo
Tribunal Federal.
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