Domingo, 9 de abril de 2023 - 10h41
“Os grandes só nos
parecem grandes porque estamos de joelhos.
Levantemo-nos”
(Pierre Joseph
Proudhon)
A
Comissão Pastoral da Terra, Regional Rondônia, fiel
aos seus objetivos e à sua missão, bem como atenta aos seus compromissos,
presença e testemunho junto aos Povos do campo, das Florestas e das Águas,
Comunidades e Povos Tradicionais, vem a público, expressar junto as Organizações
e Movimentos Sociais do Campo, da Cidade, das Águas e da Floresta por esta
Carta, seu posicionamento e sua indignação ante os acontecimentos
relacionados à política fundiária e ambiental, da parte do governo federal, em
âmbito local.
Buscamos
participar ativamente, desde a época do governo de transição, em relação
às propostas, programas e indicações de nomes que ocupassem principalmente as
pastas ambiental e fundiária no Estado. O sentimento que nos envolveu,
expressou-se ao mesmo tempo sob forma de repúdio e indignação,
principalmente em relação aos últimos seis anos de governos, mas também de anseio
por mudanças emergenciais e necessárias. Aturdidos pela ação direta de tais
governos, sobretudo do Governo Bolsonaro, de forma genocida e cruel, testemunhamos
a revogação de direitos constituídos. De igual forma, legitimaram a
invasão de Territórios Indígenas e áreas protegidas, estimularam a
mineração ilegal, o desmatamento, paralisaram a política de
reconhecimento e demarcação dos Territórios dos Povos e Comunidades
tradicionais, sem falar no aprofundamento do desmonte e disfunção do
Incra e das Políticas de Reforma Agrária e Regularização fundiária.
A
violência sob todos os seus aspectos, verticalizou em nosso Estado.
Constatamos, atônitos, a violência física dos despejos contra trabalhadoras e
trabalhadores rurais sem-terra, a transformação da Patrulha Rural em Milícias de
proteção à grilagem e grileiros, a invasão de Territórios Indígenas de Norte a
Sul do Estado, a invasão e desmatamento de áreas protegidas, a ação
governamental de reduzir e extinguir Unidades de Conservação, flexibilização de
licenciamento ambiental, intensificação e descontrole no uso de agrotóxicos,
entre outros. Não que isso tenha passado alheio ao Estado, ao contrário.
Tanto em âmbito federal, como estadual, a ação do Estado foi ativa e, em grande
parte, conivente. Ilustra bem este fato, a Política da Garantia da Lei e da
Ordem (GLO) em Rondônia e sua blindagem protetiva à grilagem e ilícitos
ambientais. Sob todos os aspectos, portanto, amplificou-se esta violência,
revelando claramente a opção estratégica para criminalizar os movimentos
sociais, assim implementar medidas legislativas e administrativas de anular
direitos coletivos constituídos.
Costumamos
dizer que, em Rondônia, a atuação estatal, sobretudo no campo
ambiental e fundiário, como em um laboratório, transformava o teste em padrão,
a ser implementado por toda a Amazônia Legal. Comprova isso, o avanço da frente
de expansão do agronegócio, o desmatamento, a grilagem e a violência,
inerentes, em direção ao Acre e ao Sul do Amazonas.
É,
portanto, este mesmo sentimento de indignação que nos mobiliza em
resistir e manifestar. Convocados que
fomos a oferecer propostas para o novo governo, não nos furtamos em
apresentar medidas urgentes a serem adotadas, bem como indicamos, em
consonância com os setores populares do Estado, nomes à cargos e pastas
estratégicas, principalmente em Órgãos ambientais e fundiários. No entanto, vimos
sucumbir nossas expectativas, tanto pela não aceitação dos nomes sugeridos
quanto pela demora na indicação de novos nomes. Em troca da chamada
governabilidade fomos informados que, principalmente a Bancada ruralista
reclamava tais Órgãos, e por isso, nossas demandas não poderiam ser atendidas.
Já
se passaram mais de cem (100) dias, e os mencionados Órgãos sequer atuam, ou à
espera de nomeação, ou mesmo, por orientação para que garanta a continuidade
das mesmas práticas. Entendemos claramente, diante dessa situação, que
transigir com tais arranjos políticos significa dar continuidade a tudo que
denunciamos. A condescendência com a governabilidade também pode transformar
rapidamente a omissão em cumplicidade. Esta prática se revela incompatível
com os anseios e expectativas dos povos e comunidades tradicionais,
trabalhadoras e trabalhadores rurais, todas e todos que lutam por dignidade e
direitos em nosso Estado. Não há como se render a uma proposta que aposta no
extermínio destes povos. Não acreditamos que um adversário possa se transformar
em aliado, e contra isso também, levantamo-nos.
A
paralisação nesses mais de três meses, por parte do governo
federal, seja no sentido de suspender a continuidade da programação política
perversa, herança do governo anterior, seja na recusa oficial em acatar e
legitimar as indicações feitas por movimentos e setores populares do campo e da
cidade para as funções indicadas, apenas expressam a pouca disposição
para a mudança. E ante isso, não podemos nos quedar inertes ou insensíveis.
Constrange-nos e ainda mais potencializa a nossa indignação a conciliação com
os setores políticos do agronegócio ou da bancada ruralista para seguirem à
frente de órgãos públicos em pastas tão necessárias de mudanças: questão
agrária e fundiária, questão ambiental, indígena e quilombola.
Se
já há muito fomos considerados como entraves ao desenvolvimento, é deste
lugar, enquanto luta e resistência que a nossa fala se ergue. Não pedimos nem
licença e nem desculpas por resistir. Esse direito se torna obrigatório
e nasce do compromisso e da presença junto aos trabalhadores e trabalhadoras do
campo, dos Povos e Comunidades das Florestas e das Águas. Por aqui e por ali,
as más notícias começam a ser ouvidas, como o aumento do desmatamento no
primeiro trimestre, a celebração de convênios e programas alinhados à expansão
do agronegócio na Amazônia, a indiferença ante as pautas territoriais, entre
outras.
A
constância destas tristes ocorrências, que insistem em persistir, nos
relembra que ainda é tempo de resistir e de lutar. Por isso expressamos
a nossa indignação, somada à continuidade de todas as lutas necessárias. Por
aprendizado de triste lembrança, compreendemos que os direitos, com muita luta
conquistados, não podem ser sacrificados no altar dos arranjos desta tal
governabilidade. Repetimos que estes mesmos direitos dizem respeito ao Estado e
não aos governos. Insistimos, pois, na resistência e não na composição,
bem sabemos de onde partimos e, sabemos melhor ainda identificar quem assalta,
agride, envenena e mata nossas matas, territórios, povos e comunidades.
E
por tudo o que não aceitamos, damos voz e texto à nossa indignação nessa Carta
Pública, como quem precisa lembrar para não se enganar. Como nosso Poeta Maior
Thiago de Mello professamos que “ainda faz escuro”, é preciso
cantar, indignar e resistir. Assim, queremos demarcar bem o território desta indignação,
fruto do compromisso com as causas pelas quais sofremos, lutamos e resistimos.
Manteremos, portanto, firmes e em luta contra tudo aquilo que já vimos
enfrentando e que insiste em persistir no atual governo, de modo específico em
Rondônia. E com o Papa Francisco, seguimos professando e insistindo: “Nenhuma
família sem casa, nenhum camponês sem-terra e nenhum trabalhador sem direitos”.
Contra a Paixão e Morte dos Injustiçados, seguimos rumo à Páscoa dos Libertos. Porto Velho, 08 de abril de 2023
Assinam esta carta:
Comissão Pastoral da Terra Rondônia CPT-RO
Coletivo Popular Direito à
Cidade
Comitê de Defesa da Vida
Amazônica na Bacia do Rio Madeira – COMVIDA
Coletivo Mura
Núcleo RO do Fórum Mudanças
Climáticas e Justiça Socioambiental
Fórum da Amazônia Ocidental -
Núcleo Rondônia
Movimento dos Atingidos por
Barragens – MAB
Movimento Nacional de Luta
pela Moradia - MNLM RO
Grupo de Pesquisa
Territorialidades e Imaginários na Amazônia - TERRIMA UNIR
Grupo de Estudos, Pesquisa e
Extensão sobre Estado e Territórios na Fronteira Amazônica - GEPE-Front
Grupo de Pesquisa em Gestão do
Território e Geografia Agrária da Amazônia - GTGA/UNIR
Instituto Padre Ezequiel
Ramin-IPER
Rede Terra Sem Males
Movimento dos Pequenos Agricultores
– MPA
Instituto Territórios e
Justiça – INTERJUS
Organização dos Povos
Indígenas de Rondônia e Noroeste de Mato Grosso – OPIROMA
Organização dos Seringueiros
de Rondônia - OSR
Central de Movimentos
Populares - CMP
Federação dos Trabalhadores Rurais
Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Rondônia - FETAGRO
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