Quinta-feira, 8 de dezembro de 2016 - 09h01
Na feirinha de sábado de Alto Paraíso de Goiás, principal município da região da Chapada dos Veadeiros, no nordeste do estado, a ampliação do parque nacional que protege o ecossistema é assunto corrente entre moradores e turistas.
Em meio a barracas que vendem produtos típicos do Cerrado, como iguarias à base de castanha de baru, jenipapo e buriti, cosméticos naturais, vegetais orgânicos e outros produtos da agricultura familiar, o aumento da área de conservação federal é visto com simpatia pela maioria, mas também é motivo de preocupação, principalmente entre os que produzem em áreas no entorno do território atualmente protegido.
O governo federal quer aumentar a extensão do parque de 65 mil hectares para 222 mil hectares, em área praticamente contígua. No processo de negociação, algumas propriedades rurais consolidadas e produtivas foram retiradas do desenho original da ampliação e serão mantidas.
Em outros casos, os donos das terras se comprometeram a criar Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Mas algumas áreas terão de ser desapropriadas para dar lugar ao novo desenho do parque, e, como o processo e os valores das indenizações ainda não estão definidos, a expectativa gera insegurança em alguns moradores, como a agricultora familiar Conceição Moura Santos, do povoado do Moinho, vizinho ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
“Vendo aqui coisas que produzo em casa, verdura, açafrão, frutas, docinho de leite, tudo eu que faço. Estou sabendo da ampliação do parque. Tem uma parte que é muito boa, que é a proteção da natureza, agora tem outras partes que eu não entendo muito e que a gente fica com medo de estar em um lugar, na terra da gente, onde a gente mora e talvez ter que sair. Tem uma parte muito boa, mas por essa outra parte eu fico insegura, preocupada”, pondera a agricultora, que nasceu na região.
Dona Conceição não participou das audiências públicas sobre a ampliação dos limites do parque realizadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2015 e diz que nunca teve acesso a informações mais precisas sobre o projeto. “Lá no Moinho ninguém nunca foi, o que a gente fica sabendo é pelo rádio, pelo que as pessoas comentam, por isso a gente fica meio insegura”, acrescenta.
De acordo com o chefe do parque, o analista ambiental do ICMBio Fernando Tatagiba, o povoado do Moinho não está incluído na proposta federal de ampliação da unidade de conservação, apenas as montanhas que cercam a região.
O produtor de orgânicos Rodrigo Machado vive e planta ainda mais perto do parque nacional, aos pés do Morro da Baleia, um dos principais cartões-postais da unidade de conservação, batizado assim por imitar o formato do mamífero marinho gigante. Na feira, diante de sua barraca com a vistosa produção de folhagens, frutas e outros vegetais, Machado também mostrou preocupação com a situação dos pequenos produtores caso a expansão da área protegida seja concretizada.
“Acho interessante a proposta desde que tomem cuidado com a sustentabilidade daqueles que vivem ali, de quem está de fato ali, que tira dali o seu sustento. É interessante para a humanidade, mas tem a questão particular dos que estão ali há muito tempo e que terão que sair”, destaca.
Machado cobra principalmente a diferenciação entre os que têm terras na região, mas vivem em cidades, e os que de fato produzem. “Planto folhas em geral, rúcula, salsa, coentro, cebolinha, brócolis, tomate, vagem, morango na época de morango, um pouco de banana. Cultivo tudo isso em meio hectare. Tem gente que veio e destruiu o Cerrado para fazer uma mansão, uma quadra de futebol, uma piscina. O lugar que eu planto às vezes é menor que a quadra de futebol do meu vizinho”, compara.
No atual desenho, o limite do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros passa no topo do Morro da Baleia. A proposta de ampliação do ICMBio leva esse limite até a base, mas sem incluir as chácaras produtivas e até uma pequena fazenda localizada na região, segundo o chefe do parque.
“Ao incluir todo o Morro da Baleia, a ideia é inclusive garantir a preservação da paisagem, para evitar que comecem a construir casas de veraneio na encosta”, explica Fernando Tatagiba.
Paisagem
A mudança da paisagem natural da Chapada dos Veadeiros por causa do avanço da fronteira agrícola é lembrada pela líder espiritual Darshan de Freitas, que há quase 30 anos trocou Olinda (PE) por Alto Paraíso de Goiás. “A mudança foi muito rápida de um tempo para cá, principalmente por causa da monocultura. Antes, quando você vinha de Brasília para cá, só até Formosa tinha monocultura, agora ela chegou até aqui na beira da estrada. Imagina dentro da Chapada em si.”
Darshan espera que o aumento do parque consiga frear a degradação do Cerrado na região, considerada um centro de energia para várias vertentes místicas e religiosas. “A ampliação do parque é uma situação vital, planetária, não é local, não é brasileira, é planetária, é vital. No planeta são muito raras essas partes íntegras, inteiras. Sem o parque, se não tiver uma organização da ocupação, vai ser um grande caos.”
O novo desenho do Parque dos Veadeiros também é assunto da política local. Recém-eleito para um mandato coletivo de vereador, iniciativa inédita no Brasil, Ivan Diniz diz que o grupo de cinco legisladores que se revezarão no posto defenderá a ampliação em área contígua, sem fragmentação.
“Recentemente tivemos uma posição por parte da Faeg [Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás] e da pressão da produção rural, de monocultura principalmente, querendo de alguma forma desconstruir tudo aquilo que foi construído, de transformar o que seria uma área só em um mosaico de área protegidas. Então, pretendemos defender a ampliação do parque dentro dos moldes que já foram acordados, que tinham sido acordados anteriormente”, adianta.
Diniz pondera que, na eventual indenização dos atuais ocupantes das áreas a serem anexadas ao território de proteção federal, devem ser consideradas as diferenças entre grandes e pequenos produtores. Segundo ele, muitas vezes a situação dos agricultores familiares é usada como estratégia para defesa de interesses do agronegócio e da monocultura.
“Os interesses econômicos e a pressão desses grandes produtores é muito grande sobre os pequenos. Eles acabam, de certa forma, sendo iludidos, acreditando que estão do mesmo lado, quando, na verdade, quem mais está perto dos pequenos produtores são os ambientalistas, são os que estão querendo preservar o Cerrado. Porque essa biodiversidade toda está se perdendo e cada vez vai ficando menor. E é bem difícil a gente conseguir integrar essa polarização”, acrescenta.
O vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), Marcelo Lessa, nega o favorecimento aos grandes proprietários de terra. “A federação não distingue o pequeno, o médio e o grande. A federação é dos produtores rurais, não trabalha em defesa somente do grande, isso é um mito. É lógico que o grande vai se manifestar, vai buscar uma influência ou outra, mas não existe isso de subterfúgio para travar a ampliação do parque, a federação não distingue o tamanho das propriedades, mas sim que tem um produtor ali.”
De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiás (Secima), cerca de 515 propriedades estão na área de expansão. Dessas, estima-se que 230 famílias precisam ter as terras tituladas para ter direito à indenização na desapropriação.
*A reportagem viajou a convite do WWF Brasil
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