Segunda-feira, 28 de janeiro de 2008 - 08h36
Alex Rodrigues - Agência Brasil - (foto Wilson Dias/ABr)
Tefé (AM) - Além da satisfação dos que se hospedaram em uma das dez suítes flutuantes construídas no interior da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, a cerca de três horas de barco de Tefé (AM), o livro de recados sobre o balcão da Pousada Uacari registra o sucesso da iniciativa de implantar o ecoturismo como alternativa econômica para os moradores da unidade de conservação.
Gerenciada por integrantes da própria comunidade, a pousada incentiva as pessoas a conservar os recursos naturais da área. Os lucros, segundo a diretora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Ana Rita Alves, são divididos entre o sistema comunitário de vigilância e as comunidades locais. Recebemos pedidos de centenas de turistas, mas isso iria impactar o ambiente. Só podemos receber 20 hóspedes por vez, diz Ana Rita.
A população de Mamirauá é de cerca de 11 mil moradores e usuários (moradores de comunidades próximas), distribuídos em 218 localidades, expressão empregada para abranger desde as comunidades até sítios com apenas duas casas. As localidades são organizadas em 19 setores que agrupam uma série de comunidades. Doze deles contam com representantes eleitos pela própria comunidade para servir de elo com o instituto.
Nós os visitamos a fim de mantê-los informados sobre os trabalhos que estão sendo executados. Eles, por sua vez, conversam com a comunidade e, a cada dois meses, realizamos uma reunião com as lideranças para tomar as decisões, explica Ana Rita. Anualmente, os moradores elegem em assembléia geral as prioridades para o ano seguinte. Apesar de procurarmos orientar essa votação, muitas vezes pontos que achamos importantes não são aprovados.
Como o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá também atua na Reserva de Amanã, contígua a Mamirauá, Ana Rita calcula que o trabalho do instituto beneficia até 150 mil pessoas dos municípios próximos. Nossos programas de saúde, científicos e de educação ambiental tem influência em municípios que fiquem num raio de 20 quilômetros da reserva.
Além dos programas de ecoturismo e dos planos de manejo para pesca e exploração madeireira, o Instituto Mamirauá busca incentivar a agricultura e o artesanato, atividade que estava quase esquecida.
Ana Rita já comemora alguns bons resultados. O desmatamento na reserva vem diminuindo, já que os moradores estão usando as áreas de capoeira para o replantio. A mortalidade infantil caiu de 87 óbitos por mil nascimentos, em 1994, para 23 a cada mil. A renda domiciliar cresceu, acompanhando a valorização dos produtos locais, como a madeira que de R$ 17,50 o metro cúbico, chegou aos atuais R$ 62 quando certificada. Com o aumento da renda, os moradores puderam adquirir telas contra mosquitos paras suas casas, o que ajudou a reduzir a inciência dos casos de malária.
Ana Rita diz que a organização comunitária é o trabalho mais árduo. E lembra dos percalços. Quando o projeto Mamirauá começou, as pessoas o rejeitavam. Imagina, estávamos fechando uma área até então aberta para todos coletarem seus recursos. Isso causou muitos conflitos de interesses. Gente que não pôde mais explorar a madeira, pescar de forma predatória. Começaram a divulgar que só tinha estrangeiro em Mamirauá. Que transportávamos de helicópteros peixe-boi para a Bélgica, lembra a diretora.
Segundo Ana Rita, aos poucos, a percepção das pessoas foi mudando. Percebendo que os recursos naturais estavam se esgotando, que quase já não havia mais peixes, as comunidades que não estavam no projeto passaram a nos procurar e pedir para atuarmos em suas localidades.
Para se prevenir contra eventuais acusações quanto à atuação, a organização aposta na comunicação. Nossa principal preocupação é divulgar nossas atividades. E todo pesquisador estrangeiro que apresenta uma proposta de pesquisa tem de, antes, ser autorizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [Cnpq]. Todos os pesquisadores estrangeiros que atuam na Mamirauá são autorizados a trabalhar, explica a diretora administrativa Selma Freitas.
Ainda há queixas, lógico. Principalmente entre quem está fora da reserva, como reconhecem os administradores. Mas também entre quem ajuda a preservar a área.
Precisamos de apoio para fiscalizar a área, pede o assistente Afonso Silva Carvalho. Em 1990, quando estávamos fazendo o zoneamento da reserva, havia madeireiros, pescadores, comerciantes. Estavam destruindo a reserva. Hoje, está um pouco melhor. Não foi 100%, mas a qualidade de vida de cada um melhorou, digamos, 60%. Ainda vem muito pescador com redes, mas pelo menos os grandes barcos de pesca deixaram de entrar na área diz Carvalho, admitindo que há entre os próprios habitantes da reserva quem não respeite os planos de manejo.
Já o guarda-parques Arismar Cavalcante Martins se sente inseguro para impedir os abusos. Há apenas dois guardas devidamente registrados para cuidar do 1.124 milhão hectares da reserva. Ganham apenas R$ 400 e contam com a ajuda de 16 agentes ambientais que recebem R$ 20 por dia de trabalho.
Arismar diz que o trabalho é perigoso. No dia-a-dia, a gente enfrenta os invasores que vêm para levar o pirarucu. Eles são violentos e muitas vezes reagem contra a fiscalização. Não temos recursos para cuidar da nossa área. E não temos direito de usar armas, mesmo nosso trabalho sendo muito perigoso.
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