Segunda-feira, 31 de março de 2008 - 14h31
Por Mario Osava*
A decisão do governo brasileiro de recuperar uma estrada de quase 900 quilômetros em meio à selva amazônica reabriu uma acalorada discussão ambiental.
Rio de Janeiro, 31 de março (Terramérica) - A BR-319, uma estrada construída há 35 anos no coração da Amazônia e hoje intransitável devido ao abandono, desata uma batalha entre ambientalistas e autoridades brasileiras, decididas a reconstruí-la. Por um lado, defende-se a integração econômica entre o centro amazônico e o centro-sul do Brasil, com muitos benefícios para a população local. Por outro, alerta-se sobre mais desmatamento e novas ondas migratórias para a cidade de Manaus, já sufocada por problemas urbanos e aumento de conflitos agrários.
A polêmica ampliou-se com a proposta de substituir a estrada por uma ferrovia, que já conta com um estudo preliminar de viabilidade econômica e desmatamento muito menor, segundo Virgilio Viana, que defendeu a alternativa quando foi secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas, cargo que deixou no dia 3 deste mês, para dirigir a Fundação Amazônia Sustentável. A estrada de 885 quilômetros une Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, que limita com o norte da Bolívia, e Manaus, capital do Amazonas, Estado de maior extensão de florestas preservadas no Brasil.
Sua recuperação e pavimentação deverão terminar em 2011, garante o Ministério dos Transportes, cujo titular, Alfredo Nascimento, foi prefeito de Manaus entre 1997 e 2004. O custo é estimado em R$ 700 milhões. A ferrovia custaria quase três vezes mais, mas evitaria emissões de gases causadores do efeito estufa – responsáveis pelo aquecimento global – ao reduzir grande parte do desmatamento, e isso permitiria obter grandes créditos no mercado internacional de emissões de carbono, disse Viana ao Terramérica.
O desmatamento provocado pela rodovia chegaria a 168 mil quilômetros quadrados até 2050, uma extensão comparável à do Uruguai, segundo estudo de um grupo de pesquisadores encabeçado por Britaldo Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais. Além disso, uma estrada de ferro gastaria muito menos combustível e, portanto, reduziria ainda mais os gases que provocam o efeito estufa, acrescentou Mariano Cenamo, secretário-executivo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável de Manaus. O trem é deixado de lado no Brasil há décadas, mas deveria servir de eixo para as exportações amazônicas e a integração sul-americana, acrescentou.
Porém, a alterntiva da ferrovia “não se concretizará”, afirmou o governador de Rondônia, Ivo Cassol, em entrevista por telefone ao Terramérica. É um bom meio de transporte, mas não para este caso, onde se busca melhorar as condições de vida da população local e permitir que a produção dos pequenos agricultores chegue ao grande mercado de Manaus, acrescentou. Os que mais se opõem à recuperação da BR-319 são os empresários do transporte fluvial, que não querem competidores em uma Amazônia atravessada por grandes rios. Porém, os rios são um meio para “grandes cargas”, com as de soja exportada. “Não serve para a banana e outros produtos hortifrutigranjeiros”, porque demora até nove dias para chegar a Manaus, disse o governador.
Rondônia, um Estado que vive da agricultura e pecuária, tem de ampliar seus acessos a mercados e industrializar sua matéria-prima. “As dez mil peças de couro que produz diariamente poderiam gerar 70 mil empregos na indústria do calçado”, acrescentou Cassol. A população de Rondônia cresceu consideravelmente desde a década de 70, absorvendo muitos recém-chegados do sul em projetos de desenvolvimento agrícola promovidos pelo governo brasileiro. O resultado ambiental foi dramático: hoje é um dos Estados mais desmatados da Amazônia. Conta com 1,5 milhão de habitantes e sua capital concentrava 370 mil habitantes o ano passado.
Manaus, com seus 1,7 milhão de habitantes atraídos por sua Zona Franca industrial, representa um grande mercado especialmente para produtos hortifrutigranjeiros, escassamente produzidos nos arredores. Por outro lado, sua indústria se interessa em abrir uma nova opção de transporte para seus produtos rumo ao centro-oeste do país. Cassol disse que não se deve fazer drama quanto aos danos ambientais gerados pela rodovia. Com ela “será mais fácil preservar” a selva, ao permitir melhor acesso a ela e baratear o custo do controle, afirmou.
“Eu transportava banana de Rondônia para Manaus com meu caminhão desde 1977, saía às seis da manhã e chegava por volta das sete da noite" |
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