Segunda-feira, 8 de outubro de 2007 - 07h26
Estudo realizado por pesquisadores do Inpa mostra que usinas hidrelétricas emitem gases de efeito estufa em quantidades que chegam a 10 vezes mais que emissões de termelétricas a carvão mineral
Murilo Alves Pereira
Agência FAPESP –As hidrelétricas, por serem fontes de energia renovável, têm sido vistas no Brasil como uma alternativa para combater as emissões de gases do efeito estufa (GEE). Mas uma pesquisa que mediu e estipulou as emissões de quatro usinas hidrelétricas da Amazônia transformou-as em vilãs do aquecimento global. De acordo com os números, todas as quatro emitem mais GEE que termelétricas de mesma potência.
“A hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã, está emitindo cerca de 10 vezes mais que uma termelétrica movida a carvão mineral, considerado hoje o combustível mais poluente”, informou à Agência FAPESP o biólogo Alexandre Kemenes, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Segundo ele, para comparar termelétricas e hidrelétricas foi preciso relacionar a quantidade de gás emitido, medida em toneladas de equivalentes de carbono (tC), sobre a potência gerada por hora (MWh). O equivalente de carbono é a unidade que considera tanto o dióxido de carbono (CO2) quanto o metano (CH4). Como o potencial térmico do CH4 é 25 vezes maior que o do CO2, é preciso multiplicar o valor medido de CH4 por 25 para expressá-lo em carbono.
Em Balbina, além dos elevados índices de emissão, há um baixo aproveitamento energético. Em outro cálculo, que considera a potência gerada pela área do lago, Balbina também fica a dever. Embora tenha alagado 2.600 quilômetros quadrados de floresta, a hidrelétrica tem uma produção energética pífia, de meros 250 MW.
De acordo com Kemenes, vários são os fatores que levam as hidrelétricas tropicais a emitir GEE em grande quantidade. Os lagos muito grandes e profundos construídos sobre uma área florestal e sob a influência do clima amazônico são propensos a problemas desse tipo.
“Devido à estabilidade climática da Amazônia, são formados estratos térmicos nas diferentes profundidades do lago”, explicou o biólogo. “Em temperaturas distintas, cada estrato possui diferentes concentrações de gases, entre eles o oxigênio.”
No fundo do lago, todo o oxigênio é consumido pelas atividades biológicas, mas não é reposto, formando um estrato anóxio (sem oxigênio). Além disso há grande quantidade de matéria orgânica deixada pelo não-desmatamento da antiga floresta existente na área do lago. A soma desses fatores favorece a ação metabólica de bactérias anaeróbicas, que produzirão altas taxas de CH4 e CO2, os dois principais GEE.
“Além disso, a profundidade provoca outro fenômeno físico – a pressão hidrostática – que mantém os gases aprisionados no fundo do lago”, declarou o cientista. No caso de Balbina, os 30 metros de profundidade geram uma pressão de quatro atmosferas (atm) – 1 atm a cada 10 metros mais 1 atm da própria atmosfera.
A coleta de dados ocorreu entre 2002 e 2006 na usina de Balbina e faz parte da tese de doutorado de Kemenes. Em julho de 2007, o trabalho foi publicado na Geophisical Research Letter, uma das revistas de maior impacto na área de geofísica. Para as outras usinas – Tucuruí, Samuel e Curuá-Uana – a tese se valeu de dados já coletados por outros pesquisadores.
Três caminhos
Depois de gerados no fundo do lago, o CO2 e o CH4 chegam à atmosfera por três vias: pelo próprio lago, pelas turbinas da barragem e à jusante dela. Cerca de 85% das emissões ocorrem por ebulição ou difusão, na área do lago.
Quando os gases ficam supersaturados no substrato, eles se desprendem em forma de bolhas e chegam à atmosfera. Ao mesmo tempo, os gases existentes na superfície do lago são difundidos lentamente. Câmaras estáticas (baldes flutuantes invertidos) e funis invertidos foram espalhados ao longo do lago para capturar as bolhas de ebulição e a difusão dos gases.
“Essa metodologia é consagrada e já utilizada em várias partes do mundo, como na usina de Petit-Saut, na Guiana Francesa”, explicou Kemenes. Os dados referentes às emissões pelo lago foram medidos nas quatro hidrelétricas.
Em relação aos valores mensurados na turbina e à jusante, há informações somente para a hidrelétrica de Balbina. “Foram propostas, para 2007, coletas de campo em Tucuruí, Samuel e Curuá-Una abaixo das barragens, mas houve problemas de autorização e não foi possível fazer a coleta”, informou.
Para essas três usinas, os valores foram estimados em relação ao levantamento de Balbina. “Devemos substituir esses dados estimados tão logo consigamos coletar nessas usinas.”
Depois de passar pelas turbinas, grande parte dos gases é emitida devido à queda da pressão hidrostática. Para chegar aos valores de Balbina, a equipe de Kemenes mediu a quantidade de metano no fundo da represa, a uma profundidade de 30 metros, no fluxo de água antes das turbinas.
O gás restante se desprende lentamente na atmosfera por difusão, à jusante do rio. Estima-se que a emissão continue gradualmente por 100 km, rio abaixo.
Controvérsia
Dos valores emitidos pelos três compartimentos da hidrelétrica, aqueles relacionados às turbinas são os que causam maior controvérsia. Para o geógrafo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marco Aurélio dos Santos, há um equívoco em relação à profundidade por onde ocorre a vazão da água pela turbina.
“Os autores consideraram que a vazão ocorre a 30 metros de profundidade, mas a tomada de água pelas turbinas ocorre entre 14 e 30 metros. O valor deveria ser a média da concentração de metano nessas profundidades”, afirmou Marco Aurélio.
Como a concentração de CH4 aumenta com a profundidade, essa diferença resultaria numa quantia emitida muito menor que a proposta pela equipe de Kemenes. Mas, segundo o biólogo do Inpa, não há estudos conclusivos sobre a área onde ocorre a tomada de água pelas turbinas.
“Antes de realizar nossas estimativas de emissões pelas turbinas, consultamos os engenheiros da Manaus Energia. Eles nos informaram que o fluxo d’água é laminar e rente ao fundo do lago. Optamos então por utilizar os dados referentes a esse estrato. Outros trabalhos realizados em várias partes do mundo, como os de Petit-Saut, utilizam a mesma metodologia”, disse.
Fonte:Agência FAPESP (Foto: Alexandre Kemenes)
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