A maioria dos especialistas sustenta que a intervenção militar é uma possibilidade remota. Esse é o caso do coronel da reserva Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, fundador e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. Ele descarta o conflito e a conspiração com o objetivo de internacionalizar a Amazônia, mas alerta que isso não justifica nenhuma “negligência da defesa militar nesse possível teatro de operações”. E a defesa, a seu ver, não se reduz à dimensão das armas: “Ela abrange, também, a defesa do meio ambiente e das comunidades indígenas, assim como a interceptação do tráfico de drogas e do contrabando de minérios e madeiras.” Nessa linha, o general Carlos de Meira Mattos, falecido em janeiro de 2007, fez pouco da teoria da soberania compartilhada, mas recomendou ao Estado brasileiro demonstrar forte e inabalável decisão de não aceitar a violação de seus direitos. Além da ofensiva diplomática, o Brasil, recomendava Meira Mattos, deve revelar notória capacidade de administrar a Amazônia, “desenvolvendo eficiente política autosustentável que preserve a natureza, proteja suas águas e otimize o seu povoamento”.
por OCTÁVIO COSTA
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AÇÃO ORQUESTRADA É ingenuidade crer que as publicações no Exterior não apontem para o risco de internacionalização da Amazônia |
As tarefas do Estado brasileiro, portanto, estão mais do que assinaladas. E são urgentes. O melhor meio de enfrentar ameaças à soberania nacional é se fazer presente na região. Isso significa, em primeiro lugar, adotar uma política menos complacente em relação às inúmeras ONGs que atuam na Amazônia. Misturam- se ali raras organizações internacionais de mérito reconhecido em defesa da ecologia e dos direitos humanos com inúmeras entidades inidôneas e de finalidade incerta e não sabida. Na verdade, estão atrás das riquezas e da biodiversidade. Há que impedir essa invasão camuflada de objetivos ecológicos e humanitários. Basta lembrar que 96% das reservas mundiais de nióbio encontram-se na Amazônia e a região também é alvo da chamada biopirataria por parte de laboratórios que buscam patentes inéditas para seus medicamentos. O governo tem procurado se informar sobre os desvios de rota das ONGs e promete adotar regulamentos mais rígidos nas permissões de acesso à floresta. As autorizações passarão pelo crivo dos órgãos da Defesa. Segundo o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., o objetivo é separar o joio do trigo. “Não serão criados obstáculos para as ONGs respeitadas”, diz ele.
Em sua explosiva reportagem, o The New York Times comete o exagero de comparar as novas exigências que serão feitas às ONGs aos tempos da Guerra Fria, quando determinadas áreas da ex-União Soviética eram vedadas a estrangeiros. Diz o jornal que, assim, o Brasil pode terminar como ela. A comparação é tão estapafúrdia quanto a proposta de internacionalizar a Amazônia por se tratar de “um patrimônio da Humanidade”. Só encontra paralelo nas versões que correm em círculos intelectuais europeus e americanos de que o Brasil estaria patrocinando um “pavoroso extermínio de seus índios”. Sob essa alegação, muitas ONGs de fachada defendem com unhas e dentes a política indigenista em vigor, que premiou algumas tribos com territórios maiores do que o de países europeus. A essas ONGs interessa que o Estado brasileiro não tenha domínio político sobre as extensas áreas ocupadas pelos indígenas, sobretudo porque são territórios de riqueza desconhecida – e é mais fácil aos estrangeiros que nos cobiçam tecer nebulosos negócios com os índios. É também por isso que é urgente modificar a atual política de demarcação de terras, uma vez que, se ela continuar como está, índios e ONGs ocuparão cada vez mais o território nacional. Assim, lamentavelmente, muito antes de enfrentar invasores externos, o Brasil terá de invadir uma porção do próprio Brasil para reaver a integridade de seu chão.
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TROPA VERMELHA Armados e pintados para a guerra, será que eles não estão a serviço das ONGs? |
Muita terra para pouco índio
Era para ser mais um debate sobre os impactos ambientais da construção da hidrelétrica Belo Monte, no rio Xingu. De repente, o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende foi cercado e agredido a golpes de facão por vários índios caiapós, que participavam do evento em Altamira, no Pará. Rezende foi ferido no braço e teve a camisa rasgada. Os caiapós ficaram irritados com suas críticas ao ambientalista e professor da Unicamp Osvaldo Sevá. Daí a agressão que chocou o País na noite da terça-feira 20. A cena, infelizmente, vem confirmar que a questão indígena saiu do controle das autoridades há muito tempo. Basta ver o que acontece com a política de demarcação de terras. O Estado brasileiro não tem a mínima idéia do que se passa no interior das reservas indígenas. Jamais foi feito um inventário e o patrimônio é desconhecido e intocável. Mais grave ainda: as reservas, em seu total, representam 12,5% de todo o território nacional e estão nas mãos de 534 mil índios distribuídos em 220 povos. Somente em Roraima as 32 áreas em poder de várias etnias somam 103 mil quilômetros quadrados, ou seja, 46% do território estadual.
A extensão das terras dos índios em Roraima é superior à área de um país como Portugal, de 92 mil quilômetros quadrados. Um símbolo maior da distorção na política de demarcação é a reserva Raposa Serra do Sol, que se estende por 17 mil quilômetros quadrados e abriga apenas 18 mil índios, a maioria da etnia macuxi. Sua homologação, em abril de 2005, deu origem a uma batalha judicial que foi parar no Supremo Tribunal Federal. O conflito envolve produtores rurais, moradores da região e até mesmo parte da população indígena, que prefere o desmembramento da imensa reserva em partes menores. Em lugar da homologação contínua, os próprios índios defendem a chamada demarcação na forma de ilhas, muito mais equilibrada e realista.
Não há o que discutir: em Roraima, há muita terra para poucos índios. Por mais que o Estado se disponha a fazer um acerto de contas com o passado, nada justifica as dimensões gigantescas de reservas como a Raposa Serra do Sol. Não faz sentido as nações indígenas se transformarem num Estado dentro de outro. Em várias estradas na Amazônia, os índios chegam a cobrar pedágio e determinar os horários em que os caminhões podem trafegar. Com isso, desmoralizam o governo local e põem em xeque a segurança do País. Em recente palestra no Clube Militar, no Rio de Janeiro, o comandante militar da Amazônia, general-de-exército Augusto Heleno Pereira, mesmo sob o risco de ser punido por indisciplina, denunciou os disparates que acontecem na região. “A política indigenista está dissociada da história brasileira e tem de ser revista urgentemente”, afirmou o general Heleno. O general-de-brigada Antônio Mourão, comandante da 2ª Brigada de Infantaria da Selva, apóia integralmente seu colega de farda. “A demarcação contínua coloca a soberania em risco. Daqui a pouco, os índios vão declarar a independência de seus territórios”, adverte Mourão.
Uma coisa que irrita os militares é a tendência de se tratar a questão indígena a partir de uma visão romântica, que trata como iguais índios desiguais, em estágios diferentes de civilização. A maior parte dos índios que vivem em Raposa Serra do Sul, por exemplo, é aculturada e não mora mais em malocas
perdidas na floresta. Como em muitos casos os militares constituem a única presença de Estado na selva, eles afirmam, com alguma razão, que conhecem os índios melhor do que grande parte dos ambientalistas. Além disso, parece inaceitável a idéia de permitir aos índios autonomia total sobre as parcelas do território brasileiro em que vivem. “No bairro da Liberdade, vai ter japonês e não-japonês? Só entra quem é japonês? Como um brasileiro não pode entrar numa terra porque é uma terra indígena?”, indagou o general Heleno. Os generais estão certos. Mas manda a prudência que eles guardem distância dos facões dos índios caiapós.
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AUTONOMIA DEMAIS Índia caiapó atacou com golpes de facão o engenheiro Paulo Rezende, durante discussão sobre a hidrelétrica Belo Monte |
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Fonte: Revista IstoÉ - Editora Três