Sexta-feira, 11 de setembro de 2015 - 06h07
Há sete anos, indígenas da etnia Paumari do Rio Tapauá, no sul da Amazônia, mudaram totalmente os hábitos de pesca para participar de uma experiência de manejo do pirarucu. Na época, por falta de informação, eles pescavam de forma indiscriminada e ganhavam pouco ou nada pelo produto. E o pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo, estava ameaçado de extinção. Atualmente, os paumaris garantem renda para as aldeias com a pesca planejada, ao mesmo tempo em que preservam a espécie, agora na lista das vulneráveis.
Na primeira contagem desses peixes nos mais de 60 lagos da reserva dos paumaris, em 2008, foram encontrados 252 pirarucus. Na contagem anual feita em 2014, os indígenas registraram mais de 2,5 mil peixes. O esforço para alcançar esse resultado foi grande. Os paumaris ficaram sem pescar nenhum pirarucu por cinco anos, tempo necessário para recuperar o estoque da espécie.
Apoiador da ideia desde o início, o indígena Jurandi Souza de Oliveira Paumari garante que valeu a pena. “Este ano o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] liberou a pesca de 220 peixes, quase a população total que contamos em 2008. Mas como somos poucos, devemos tirar cerca de 130 peixes”, disse orgulhoso.
Jurandi conta que antes do manejo os paumaris pescavam errado. “A gente pescava todos os peixes pirarucu que conseguíamos, não importava o tamanho. Vendíamos ou trocávamos por outros produtos com comerciantes, mas o valor do nosso produto era muito baixo. Sobrava pouco ou nada para nós, em alguns casos dava até despesa.”
O pescador relata que houve muita resistência nas aldeias quando a organização não governamental (ONG) Operação Amazônia Nativa (Opan) apresentou ao povo Paumari a solução de manejo sustentável criada pelo Instituto Mamirauá, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. “A gente ficou desconfiado. Eles falaram do sucesso da experiência em outros locais, que se a gente começasse a preservar os lagos o peixe teria um crescimento populacional maior e a gente poderia pescar mais. A gente ficou meio desacreditado”, conta Jurandi. Segundo ele, o convencimento dos cerca de 200 moradores da região veio aos poucos, com a percepção da degradação da reserva. “Concluímos que, se toda a comunidade trabalhasse junta, poderíamos crescer mais. Da forma como era, mais cedo ou mais tarde ficaríamos sem condições de vida na área.”
Os indígenas foram formados para fazer contagens anuais nos lagos da região e orientados a pescar apenas peixes maiores que 1,5 metro. Também aprenderam as regras de higiene e como executar de forma profissional as atividades de limpeza, pesca e carregamento. “Os benefícios econômicos vieram com a comercialização do pescado, a partir de parcerias com cooperativas para garantir compradores”, explica o biólogo Diogo Borges, da Opan.
A maior dificuldade dos pescadores paumaris hoje é a falta de energia elétrica e gelo, que impede o armazenamento e o possível beneficiamento do pescado. “Precisamos muito de recursos para comprar barcos adequados e para produzir gelo”, diz Jurandi. Atualmente os pescadores dependem de uma cooperativa parceira de um município da região para recolher os peixes, em até três horas. “Eles se organizam e vem um barco do município de Lábrea para buscar esse pescado com o gelo”, conta Diogo Carneiro, da Opan.
Na primeira pesca, em 2013, o resultado surpreendeu. “Todo mundo pode ver o futuro, aí os que estavam de fora concluíram que valia a pena e a gente abraçou todo mundo”, diz Jurandi. Ele conta que, em vez de dividir o dinheiro da venda dos peixes só entre quem participou da pesca, decidiram compartilhar o lucro com todos os maiores de 12 anos da reserva.
Na segunda pesca, em 2014, os indígenas passaram a usar um sistema de pontos para calcular o valor que cada um receberia com base no esforço. A pesca de 2015 será no final do mês, uma semana após a contagem dos pirarucus na reserva, prevista para o dia 20 de setembro.
Manejo
A pesca do pirarucu foi proibida no estado do Amazonas em 1996. O manejo sustentável da espécie começou a ser implementado há 12 anos pelo Instituto Mamirauá na região do Médio Solimões. De acordo com o instituto, desde que o manejo começou, o faturamento com a pesca passou de R$ 10,8 mil, em 1999, para R$ 2,6 milhões, em 2014. A renda dos pescadores aumentou 29% no período. A produção de pirarucu passou de 3,2 mil quilos (kg) para 484,9 mil kg, ao mesmo tempo em que tem sido registrado, desde 1999, aumento populacional de pirarucus de 25% ao ano.
Os bons resultados inspiram que a ideia seja difundida em outras regiões. Representantes do povo Paumari estiveram em Brasília ontem (10) para apresentar a experiência ao Ministério da Pesca e Aquicultura, que manifestou interesse em replicar a ideia em outras comunidades indígenas. O assessor Kelvin Lopes, da Secretaria de Planejamento e Ordenamento da Pesca disse que o Ministério da Pesca e a Fundação Nacional do Índio (Funai) devem firmar um acordo em breve. “Acredito que em no máximo 40 dias deve sair o acordo de ação mútua entre o Ministério e a Funai", conta. Ele explica que o plano é considerar as vocações de cada etnia para promover a gestão sustentável dos recursos pesqueiros das reservas. “Alguns tem vocação para a pesca esportiva outros, para a pesca ornamental ou para o manejo pesqueiro de diferentes espécies”, diz Kelvin Lopes.
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