Terça-feira, 16 de abril de 2024 - 10h12
Pesquisa realizada no Brasil mostrou que
bioextratores obtidos a partir de folhas de pau-de-balsa (Ochroma pyramidale),
árvore nativa da Amazônia, podem ser uma alternativa viável e sustentável para
a extração de ouro em substituição ao mercúrio. Agora, uma nova etapa vai
estudar quais formulações de bioextratores podem ser competitivas com o
mercúrio tanto no processo de extração quanto na redução do impacto na saúde de
trabalhadores e no meio ambiente. As folhas de pau-de-balsa já são usadas de
forma artesanal na região de Chocó, na Colômbia, com essa finalidade.
Esse estudo será coordenado pela Embrapa
Florestas (PR), em parceria com Embrapa Agrossilvipastoril (MT),
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Cooperativa dos
Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe), Universidade
Estadual de Maringá (UEM) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Nosso intuito é melhorar esse processo e produzir
um bioextrator atóxico, competitivo com o mercúrio”, explica a pesquisadora da
Embrapa Marina Morales,
responsável pela condução dos estudos. “A ideia é sair da prática artesanal
para escala em pequena mineração, com análises de toxicidade e citotoxicidade e
práticas que facilitem o uso”, informa. Os resultados devem ser apresentados
até o início de 2025.
Em uma etapa posterior, a pesquisa também vai
trabalhar com o sistema de produção do pau-de-balsa, já que essa espécie
florestal é uma alternativa para a recuperação de áreas degradadas nos próprios
garimpos. Com isso, plantios poderiam ser feitos no mesmo local de produção do
bioextrator, viabilizando uma biofábrica local. “Assim, além de fornecer
matéria-prima – folhas –, as árvores do pau-de-balsa podem contribuir para a
revegetação da área antropizada, dando condições para o estabelecimento de
outras espécies florestais e possibilidade de exploração da madeira do
pau-de-balsa no final do ciclo de crescimento”, declara o pesquisador da
Embrapa Maurel Behling.
Segundo Gilson Camboim, presidente da Coogavepe, “a
pesquisa traz boas expectativas para a atividade garimpeira, como a
substituição do mercúrio por um produto sustentável e o barateamento do
processo de extração, já que o elemento químico tem alto custo”. Para a
ex-presidente da Coogavepe, Solange Luizão Barbuio Barbosa, que iniciou as
discussões para participação no projeto, “o resultado pode ser pensado não só
como uma simples produção de um bioextrator, pois ele abre outras vertentes
para a utilização dessa planta, como o reflorestamento de áreas degradadas e a
utilização da madeira, que podem beneficiar o proprietário de uma área
lavrada”.
O estudo
A primeira fase da pesquisa, realizada em 2020,
focou na caracterização química das folhas de pau-de-balsa. O estudo preliminar
foi financiado pela designer de joias Raquel de Queiroz, inspirado na
experiência de Chocó, na Colômbia, e objetivou entender as propriedades da
folha. “Quando fiquei sabendo dessa possibilidade já em prática na Colômbia,
imaginei que a ciência poderia nos ajudar a utilizar o pau-de-balsa de forma
mais efetiva”, relata a designer. “Para nós, que atuamos nesse mercado, a
melhoria de processos é importante e necessária. Isso contribui para melhorias
na saúde e qualidade ambiental das pessoas e locais envolvidos no processo,
além de garantir que nosso produto é produzido de acordo com práticas modernas
e mais sustentáveis”, avalia.
Em 2023, se inicia uma nova etapa do estudo, que
será realizado em parceria com um garimpo da região de Peixoto de Azevedo (MT).
“Selecionamos um garimpo da Coogavepe, parceira do projeto para coleta de
amostras e para a comparação da extração tradicional com mercúrio com o
bioextrator”, explica Morales. No local, serão recolhidas amostras dos
concentrados de minério aluvionar, ou seja, material com ouro concentrado que
iria para o processo de separação com mercúrio.
O engenheiro de minas Matheus Lopes, da Coogavepe,
explica como ocorre o processo de extração de ouro de aluvião. “De forma
simplificada, no processo de extração de ouro de aluvião, ou seja, em solo
superficial, e não subterrâneo, após a remoção do solo por desmonte mecânico,
jatos de água desagregam o minério – cascalho – e bombas-draga o transportam
para caixas concentradoras com carpetes e grelhas, gerando o que chamamos de
"concentrado". Este vai para a central de amalgamação para inserção
do mercúrio, etapa em que o ouro é finalmente extraído e separado dos demais
minerais”, diz. No projeto, esse “concentrado” irá para os laboratórios para os
testes dos bioextratores com pau-de-balsa. A primeira fase do projeto encontrou
quatro possíveis formulações que serão testadas e comparadas.
Essas formulações de bioextratores serão avaliadas quanto à eficiência em recuperar ouro em minério aluvionar. O bioextrator que apresentar melhor desempenho passará por ajustes com o objetivo de melhorar ainda mais a extração, e também será estudado o processo mecânico a ser utilizado na extração. A eficiência da extração será comparada ao processo tradicional por amalgamação com mercúrio. Além disso, serão realizadas análises de toxicidade e citotoxicidade (este último, com um indicador animal e um vegetal). “Além da nossa equipe de pesquisa e laboratório, o projeto também vai receber estudantes de graduação e pós-graduação para abrangermos diferentes linhas de pesquisa, possibilitando resultados mais completos”, explica a pesquisadora.
O mercúrio
Conhecidamente utilizado para separar o ouro
da lama e demais resíduos do minério aluvionar, o mercúrio (Hg) é usado por
garimpeiros artesanais e pela indústria mineral de pequena escala,
diferentemente das mineradoras de grande porte que utilizam, comumente, o
cianeto, que também pode gerar danos à saúde humana e ao meio ambiente. A
amalgamação é um processo de junção das partículas de ouro ao mercúrio,
formando uma liga metálica que, depois, é de fácil separação por aquecimento. O
processo de separação, em garimpos legalizados, ocorre em centrais de
amalgamação, de modo a reduzir a emissão de mercúrio para o meio ambiente. Já
em extrações ilegais, esse processo ocorre a céu aberto, carregando o mercúrio
por quilômetros.
Doença de Minamata
O mercúrio, ao ser inalado ou consumido, tem
ação cumulativa no corpo humano e traz sérios riscos à saúde e ao ambiente. No
ser humano, o acúmulo pode levar à síndrome neurodegenerativa, por
envenenamento, chamada de doença de Minamata. Durante muitos anos, na década de
1950, no Japão, uma fábrica jogava seus dejetos na baía de Minamata, o que
causou a contaminação de peixes, frutos do mar, gatos e seres humanos. Entre os
sintomas, estão a dificuldade de coordenação das mãos e dos pés, distúrbios da
fala e dificuldades de equilíbrio. A doença causou a morte de 2 mil pessoas e
deixou outras milhares com sequelas. Diante disso, foi criada, em 2013, a
Convenção de Minamata, da qual o Brasil se tornou signatário em 2017. Composta
por 140 países, a Convenção de Minamata tem sua origem no Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e visa reduzir as emissões e eliminar o uso de
mercúrio, a fim de proteger a saúde humana e o meio ambiente.
O pau-de-balsa
Segundo o livro Espécies Arbóreas Brasileiras, de
autoria do pesquisador emérito da Embrapa Florestas Paulo Ernani de Carvalho, o
pau-de-balsa (Ochroma pyramidale) é uma espécie arbórea que não
perde todas as folhas durante o ano. As árvores maiores atingem dimensões
próximas a 30 metros de altura. Dentro do Brasil, recebe diversos nomes
vulgares, como, no Acre, algodoeiro, algodoeiro bravo, algodão-bravo, paco-paco
e pau-de-balsa; no Amazonas, pau-de-balsa e pau-de-jangada; e no Pará, balsa,
pata-de-lebre, pau-de-balsa, pau-de-jangada e topa.
A madeira do pau-de-balsa é leve e resistente,
normalmente utilizada para fazer artesanatos, brinquedos, aeromodelos, placas
de interiores em construções, chapas revestidas com materiais sintéticos,
material térmico em câmaras frias, na produção de compensados e na construção
de hélices para geradores de energia eólicos.
A árvore de pau-de-balsa tem crescimento rápido e
contribui para melhorar o desenvolvimento de florestas secundárias, podendo ser
utilizada em restaurações florestais, como espécie pioneira, e em plantios
comerciais de árvores com ciclos de colheita relativamente curtos comparados
com outras espécies cultivadas. No caso da adoção das folhas de pau-de-balsa
para a extração do ouro, a ideia é que ela esteja associada à utilização da
espécie para a recuperação das áreas alteradas com a exploração dos minérios
dos depósitos de aluvião (lavra a céu aberto).
No início da década passada, a Embrapa Agrossilvipastoril desenvolveu pesquisas sobre a silvicultura do pau-de-balsa. Experimentos realizados em Guarantã do Norte (MT), em parceria com a Prefeitura local, Cooperativa de Produtores de Pau de Balsa de Mato Grosso (Copromab) e Compensados São Francisco serviram para obtenção de recomendações de adubação e espaçamento para o plantio comercial da espécie.
Para que
serve o ouro?
Além da fabricação de joias e como ativo financeiro, o ouro é usado em
diversos produtos. É, por exemplo,
componente de placas de computadores,
telefones celulares, televisores e câmeras. Seu uso se dá também em tratamentos
de saúde, terapias para o câncer, reumatismo, malária, tratamentos homeopáticos
e dentários. Todos esses usos se devem às suas propriedades favoráveis à
condutividade elétrica, resistência à corrosão e a boa combinação de
propriedades físicas e químicas.
Garimpo
versus extração ilegal
A atividade garimpeira é uma forma legal de extração das riquezas
minerais (Lei 7.805/1989), desde que autorizada por uma Permissão de Lavra
Garimpeira (PLG), expedida pela Agência Nacional de Mineração (ANM). As maiores
mineradoras são denominadas de “grande mineração” ou “mineradoras de grande
porte”. Já a atividade garimpeira consiste nas atividades de mineração
artesanal e de pequena escala (Mape), e enquadra as cooperativas de garimpeiros
e os garimpeiros individuais.
Esses empreendimentos em regime de PLG foram responsáveis, em 2021,
segundo a ANM, pela extração de 32,4 toneladas de ouro, o que representou 34,3%
da produção total de ouro no Brasil e cerca de R$ 218 milhões em arrecadação
para o País, referentes ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e à
Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
Para obter a PLG, os empreendimentos devem seguir alguns critérios
exigidos pela ANM, como ter a licença ambiental expedida pelo órgão ambiental
competente, não exceder a área em 50 hectares para requerente individual, e mil
hectares, quando outorgada para a cooperativa de garimpeiros, podendo chegar a
10 mil hectares na Amazônia Legal; e não ser praticada em terras indígenas ou
áreas protegidas. Já a extração mineral ilegal não atende a nenhuma dessas
exigências, causando diversos impactos.
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