Justiça estuda punição a poluidores e pode proibir queimadas em Mato Grosso. Cuiabanos 'comeram fumaça' este ano; crianças foram as maiores vítimas de doenças pulmonares, na capital e no interior.
JOSANA SALES (*) De Cuiabá (MT)
CUIABÁ, Mato Grosso – O aumento de 72% dos focos de queimadas em Mato Grosso este ano, detectado pelos nove satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(Inpe) que monitoram queimadas no Brasil assustou pesquisadores do clima e de poluição do ar, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Este ano, as correntes de ar trouxeram para a capital do Estado, Cuiabá, nuvens espessas de fumaça, oriundas no nordeste, noroeste e norte de Mato Grosso.
Crianças com idade até cinco anos são as principais vítimas nas cidades de Alta Floresta e Tangará da Serra. Desde 2000, do total de internações de menores de cinco anos de idade em hospitais públicos e conveniados ao SUS nos dois municípios, em média, 50% são de crianças com quadro clínico de pneumonia.
A população cuiabana respirou gases tóxicos nocivos a saúde durante os meses de agosto, setembro e início de outubro. O ar ficou contaminado de monóxido de carbono(CO), ozônio, óxidos metalicos e material particulado (fuligem). Na primeira chuva que caiu na capital, o PH medido foi de 4,2, demonstrando alto índice de acidez na água, contaminando a fauna, flora e os recursos hídricos.
Inquérito avalia proibição
Na semana passada, o Ministério Público Estadual convocou vários pesquisadores para avaliar as queimadas, bem como as conseqüências para o meio ambiente e a saúde da população mato-grossense. Por meio da portaria 006/07, o MP instaurou, há um mês, inquérito civil para apurar os motivos do alto índice de queimadas no Estado.
O promotor de Meio Ambiente Gerson Barbosa diz que tem elementos para responsabilizar o Estado pela omissão e inoperância no combate as queimadas no Estado. O mesmo ocorreu no MP Federal, que aguarda investigação da Polícia Federal de Mato Grosso quanto aos danos ao meio ambiente. Um dos casos mais graves em investigação é o incêndio florestal no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, em agosto onde foram queimados 16,5 mil hectares dentro e fora da unidade de conservação. O Prevfogo informou esta semana que em 15 dias deverá finalizar o laudo pericial que apura as causas do incêndio.
Climatologista sugere proibição
A climatologista e professora do Departamento de Geografia da UFMT, Gilma Tomasini Maitelli fez este ano vários alertas em relação ao excesso de fumaça no ar da capital e recomendou que as queimadas sejam definitivamente proibidas durante todo o ano em Mato Grosso. Segundo ela, a Baixada Cuiabana e o Pantanal são mais prejudicadas com a fumaça das queimadas por estarem numa posição geográfica que permite a concentração e deposição da fumaça produzida em quase todo o Estado. "Estamos numa grande planície, entre 80 a 160 metros do nível do mar , entre duas grandes chapadas; dos Guimarães e Parecis, no caso de Cuiabá. Uma planície circundada com terrenos entre 600 a 800 metros. Ocorre que com as correntes de ar, as nuvens de fumaça que passam pela capital oriundas de outras regiões vão se concentrando e ficam estacionadas nesta área ", explica.
Gilda diz também que a fuligem, em contato com o vapor de água, acaba condensando em gotinhas muito pequenas de água insuficientes para formar chuvas. " É contraditório porque ao mesmo tempo que usam a queimada para baratear custos na agricultura acabam impedindo a formação de chuvas, ampliando a estiagem que já é característico nesses meses do ano em Mato Grosso. ", diz. Ela alerta também para a acidez das primeiras chuvas que acabam sendo um problema para a produção de alimentos, hortifrutigranjeiros e a agricultura de modo geral "Tudo fica contaminado no solo e na água; é hora de repensar até que ponto a saúde humana, o meio ambiente e a economia rural estão sendo prejudicados com as queimadas".
Universidades estudam prejuízos à Amazônia
CUIABÁ – Os mato-grossenses parecem não ter a menor idéia do que estão respirando durante os meses de queimada e dos graves riscos a que são submetidos ao serem obrigados a conviver com a fumaça, falta de umidade e chuvas ácidas. Há vários anos, a Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz), em parceria com a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) e a Fundação Ecológica Cristalino (FEC) avalia o efeito das queimadas à saúde Humana na região do Arco do Desmatamento, com o objetivo de avaliar, em sete estados da Amazônia, o impacto ambiental decorrente da queima de biomassa e o perfil epidemiológico de ocorrências de doenças respiratórias das populações expostas às queimadas. O meio ambiente e a população recebem gases extremamente tóxicos e nocivos a saúde humana, como o monóxido de carbono , metano, enxofre, ozônio, entre outros", comenta o professor de Engenharia Sanitária da UFMT, Paulo Modesto. Doutor em Meio Ambiente e Biologia Aplicada, Paulo diz que o material particulado que é liberado pelas queimadas pode atingir até seis milhões de quilômetros quadrados, viajar através das correntes de ar por boa parte da América do Sul. Nesse material particulado, estão contidas a fuligem e os óxidos metálicos.
Gases nocivos à saúde humana
Numa avaliação esporádica feita pela Sema para avaliar a qualidade do ar entre os dias 18 e 23 de setembro, foram constatados índices de 262,4 microgramas por metro cúbico a 418 microgramas por metro cúbico de particulas totais em suspensão no ar, quando o recomendado pela Resolução Conama 03/1990 determina padrões até 240 microgramas por metro cúbico para um padrão primário e 150 microgramas por metro cúbico para padrão secundário. O mais agravante é que esse nível de poluição não deve ocorrer mais que uma vez por por ano em 24 horas.
Ao mesmo tempo, a queima de vegetação produz temperaturas acima de mil graus centígrados e essa temperatura proporciona que minerais presentes no solo sejam evaporados, dentre eles metais pesados como como mercúrio , chumbo , cádmio. Ao chegar na atmosfera esses metais entram em contato com o oxigênio e se transformam em óxidos metálicos que também ficam em suspensão no ar, e a exemplo da fuligem, são introduzidos no organismo humano, pela respiração.
Cuiabanos "comem fumaça"
Paulo Modesto alerta que o mais preocupante a saúde humana são os gases com alto poder de toxidade produzidos nas queimadas como o monoxido de carbono(CO), ,óxido de nitrogênio, metano e o ozônio. Ele destaca o CO como um dos mais nocivos do ponto de vista da toxidez pois " tem uma afinidade 200 vezes maior que o oxigenio pela emoglobina do sangue. "Daí que as concentrações elevadas e por muito tempo de exposição comprometem a saúde", comenta. O Conama recomenda que os níveis de CO no ar não devem ultrapassar a 9ppm(partes por milhão) em até oito horas.
Dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos(CPTEC) do Inpe demonstraram, que em agosto Mato Grosso emitiu 8,1 milhões de toneladas de CO e em setembro 9,8 milhões de toneladas. O problema maior é a concentração do gás no ar. Só para se ter uma idéia, no dia 25 de setembro Mato Grosso teve a concentração de 3 ppm de CO no ar durante 24 horas. "O nitrogênio em excesso no ar e em contato com as altas temperaturas das queimadas permite a oxidação e formam o óxido de nitrogenio. Em contato com a luz solar o óxido de nitrôgenio produz o ozônio de baixa altitude e ao ser respirado pelos humanos causam inflamações pumonares.
Modesto alerta: "Todos os anos os mato-grossenses , principalmente os cuiabanos comem fumaça; esta situação pode permanecer nas próximas décadas". E adverte: "Mato Grosso poderá ficar inabitável nos períodos de queimadas". Ele conta que há dois anos a reitoria da UFMT foi convidada pelo Estado a apresentar o Programa de Monitoramento da Qualidade do Ar em Cuiabá de forma permanente, com três estações fixas e uma móvel, medindo-se também em Chapada dos Guimarães e Sinop. " Não adianta fazer medições esporádicas e sem metodologia apropriada para fazer uma avaliação dos principais componentes emitidos pelas queimadas", explica.
O pneumologista Clovis Botelho ratifica as preocupações do professor Paulo Modesto com relação ao excesso de CO no sangue da população "Com certeza, a exposição da população à fumaça das queimadas durante meses e por anos consecutivos vem reduzindo a expectativa de vida dos mato-grossenses".
(*) A jornalista escreve em Ciência e Meio Ambiente, às terças-feiras, em A Gazeta , de Cuiabá.