Um artigo do historiador Timothy Garton Ash publicado nesta quinta-feira no jornal britânico The Guardian vislumbra no Brasil "um futuro possível onde exista apenas uma raça".
Garton Ash, colunista do jornal, narra sua visita à favela da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, onde diz ter visto "cada matiz e variedade de rostos, algumas vezes na mesma casa".
"O Brasil é um país onde as pessoas celebram, como atributo nacional, a riqueza da miscigenação, dando um significado positivo ao que, nas suas origens, era tratado como uma deturpação norte-americana", escreve o colunista.
"Entretanto, a realidade até hoje é que a maioria dos não-brancos está em pior situação econômica, social e educacional em relação aos brancos. E parte desta desigualdade é resultado da discriminação racial."
"Eu fui ao Brasil perguntar sobre pobreza, exclusão social e desigualdade. Em poucos minutos, meus interlocutores estavam falando de raça."
Identidade
O artigo cita iniciativas afirmativas que estão sendo discutidas no Brasil, como o estabelecimento de cotas para negros em universidades públicas.
Mas um estudo científico estima que cerca de 85% da população brasileira que se autoproclama branca têm mais de 10% de genes africanos, diz o artigo. Como encontrar objetividade em um país em que a população "inventou" 134 termos diferentes para se autodescrever no censo?, questiona o articulista.
"Se realmente deve haver cotas universitárias – algo que a Justiça dos EUA declarou discriminatório – que se baseiem pelo menos no método tradicional de identificação brasileiro."
De acordo com ele, 50% dos brasileiros se consideram brancos, 40% se dizem pardos, 6% se vêem negros e 1% se classificam como "amarelos" – ou seja, asiáticos.
"No passado, as pessoas tenderam a se definir do lado mais claro do espectro, especialmente à medida que se tornavam mais prósperas. Se as cotas resultarem em mais pessoas preferindo considerar-se negras, que seja. Depois de tantos séculos de escravidão, faria sentido colocar um pouco de peso do outro lado."
"E se isto significar que um dia uma garota que todos enxergam como branca requisitar sua entrada na universidade como negra, boa sorte para ela."
Ash afirma que, "como não-brasileiro, não estou em posição de julgar estes argumentos. Consigo perceber o raciocínio contra as cotas estabelecidas com base na cor da pele; mas também posso ver a dura realidade herdada da discriminação que precisa ser resolvida".
"Espero que o Brasil caminhe para transformar em realidade seu velho mito da 'democracia racial', ao invés de retornar às classificações raciais anacrônicas, que reduzem identidades complexas a atributos específicos."
"Pelo que descobri no Brasil, essa é também uma antecipação do nosso futuro, em um mundo onde as pessoas estarão cada vez mais miscigenadas."
Fonte: BBCBRASIL
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)