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Calote da Argentina tem origem em políticas dos anos 90


 
Wellton Máximo
Agência Brasil*

O default (calote) técnico na dívida externa da Argentina reflete a herança de políticas desastrosas do fim dos anos 90. Segundo economistas ouvidos pela Agência Brasil, o impasse no pagamento aos credores pouco tem a ver com a gestão atual da economia do país vizinho.

“A rigor, a situação da Argentina nem pode ser chamada de calote porque o país tem dinheiro para pagar a dívida reestruturada [renegociada], mas uma pequena parte dos credores não quer receber com desconto”, diz o professor de macroeconomia do Ibemec Alexandre Espírito Santo.

Segundo Alexandre, a crise cambial que estourou no início do ano na Argentina, elevando a inflação e reduzindo o consumo, não está relacionada ao calote. “É importante separar as coisas. Os problemas da dívida argentina vêm de um processo que se arrasta há anos. Mas o default técnico pode sim, intensificar a recessão por lá”, explica.

Economista-chefe do banco Sulamérica Investimentos, Newton Rosa concorda que as origens do impasse na dívida argentina não estão na política econômica atual, embora os fundamentos econômicos do país vizinho agravem a situação. “A crise da dívida vem de mais de dez anos, mas o calote piorou o que já estava ruim, num país sem crédito externo e com poucas reservas internacionais”, comenta.

Na década de 90, a Argentina manteve o regime de câmbio fixo, pelo qual um peso equivalia a um dólar com garantia na Constituição do país. Para financiar a moeda sobrevalorizada, a economia argentina tornou-se cada vez mais dependente do capital especulativo. Após a crise da Rússia, em 1998, e do Brasil, em 1999, a Argentina ainda resistiu por dois anos à fuga de divisas. No entanto, em dezembro de 2001, o governo do ex-presidente Fernando de la Rúa, liberou o câmbio.

A desvalorização abrupta do peso tornou impagável a dívida pública (externa e interna) do país, que era em boa parte corrigida pelo dólar. Sem reservas internacionais para honrar os compromissos, a Argentina viu-se obrigada a deixar de pagar os juros e a dívida principal dos papéis que havia emitido. Com a moratória, o país foi excluído do sistema financeiro internacional e ficou sem acesso a crédito externo.

Em 2005 e 2010, a Argentina renegociou a dívida e apresentou diversos planos de reestruturação. Dos credores internacionais, 93% aceitaram a proposta do governo argentino para quitar os débitos de forma parcelada com desconto de 60% a 65% no valor da dívida. No entanto, 7% não aceitaram o plano e decidiram contestar o acordo na Justiça norte-americana, que tem jurisdição sobre os títulos emitidos na Bolsa de Nova York.

Em novembro de 2012, o juiz de primeira instância Thomas Griesa, do Tribunal Federal de Nova York, aceitou a alegação de um grupo que representa 1% do total de credores e obrigou o pagamento do valor integral dos papéis, mais os juros. Esse grupo é formado pelos fundos abutres, que compram títulos podres e depois cobram o valor dos papéis na Justiça.

Segundo o governo argentino, a decisão abre precedente para que os demais 6% que não aceitaram o acordo de reestruturação também cobrem o valor integral da dívida. Alguns entraram com processo em outros tribunais dos Estados Unidos. Se esses grupos fossem cobrar hoje, a Argentina teria de desembolsar cerca de US$ 15,4 bilhões, mais juros, o que ficaria em torno de US$ 17 bilhões. O montante equivale a mais da metade das reservas internacionais do país, em torno de US$ 30 bilhões.

Em agosto do ano passado, a Corte de Apelações do Segundo Circuito de Nova York manteve a sentença de Griesa e ordenou o país a pagar a totalidade do US$ 1,3 bilhão devido aos fundos abutres. A batalha judicial arrastou-se até junho deste ano, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou os recursos do governo argentino e manteve as sentenças de primeira e segunda instâncias.

Desde então, a Argentina entrou numa corrida contra o tempo para evitar o calote. No fim de junho, o país depositou mais de US$ 1 bilhão em um banco de Nova York para pagar a parcela devida aos 93% de credores que aceitaram a renegociação. O juiz Griesa, no entanto, sustou o pagamento, alegando que o Banco de Nova York ajudaria a Argentina a violar a sentença judicial se permitisse ao país pagar os credores da dívida reestruturada, antes dos fundos abutres, ganhadores do processo.

Em 30 de julho, venceu o prazo para que o governo argentino pagasse uma nova parcela da dívida renegociada. Sem ter como pagar aos credores que aceitaram a reestruturação, o país entrou em default técnico.

* Colaborou Monica Yanakiew, de Buenos Aires

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