O contrabando de produtos na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela - 2.219 quilômetros (km) - agrava o problema da escassez de alimentos em estados fronteiriços como Amazonas, Apure, Táchira e Zuila. Com a disparidade entre as moedas, peso colombiano e o bolívar, parte dos produtos essenciais que estão escassos na Venezuela são contrabandeados para as cidades fronteiriças colombianas.
A Agência Brasil constatou essa realidade no estado de Táchira, que faz fronteira com o departamento colombiano Norte de Santander. A cidade venezuelana de San Antonio é separada por uma ponte em Cúcuta, na Colômbia. Na região o contrabando de gasolina venezuelana e de produtos da cesta básica desafia a polícia e o Exército dos dois países e desequilibra a economia.
O contrabando é praticado por gangues colombo-venezuelanas, em maior escala, com saque de mercadorias e carregamentos de produtos e, também, por cidadãos "comuns" dos dois países.
A venezuelana Yuri Mendoza, 22 anos, vive em um povoado próximo à capital de Táchira, San Cristóbal. Ela contou que viaja de segunda-feira a sexta-feira cerca de 50 km até Cúcuta para revender produtos como sabão em pó, leite em pó e creme dental.
“Eu e minha mãe compramos no Mercal - rede subsidiada estatal - fazemos fila e compramos nosso estoque. A gente vive atrás de mercado e quando estão vendendo em um lugar, corremos para comprar. A gente paga bem barato e aí levo para Cúcuta e revendo lá para uns armazéns [ilegais]. Mas como o peso está muito mais valorizado e tudo lá e mais caro, eu consigo lucrar”, explica.
Para driblar a fiscalização, Yuri disse que usa um artifício. Ela viaja sempre com o filho, de 4 anos. “Estou sempre com ele e aí quando perguntam o que levo, eu falo que são coisas dele”, conta. E completa: “esse é o meu trabalho”.
O contrabando tem muitas facetas. Motociclistas e motoristas passam com os tanques das motos e carros cheios do lado venezuelano para o lado colombiano. Encher um tanque de 60 litros na Venezuela custa cerca de 5,8 bolívares, menos de US$ 1 no câmbio oficial (no paralelo o dólar é vendido em média a 60 bolívares).
A Agência Brasil conversou com um mototaxista que trabalha na fronteira. Ele não quis se identificar, mas contou que “com uma viagem diária de gasolina de segunda-feira a sexta-feira, ele consegue faturar uma renda extra de 2 mil bolívares”.
O contrabando tem, também, nuances “criativas” contou o ministro venezuelano do Interior, Miguel Rodríguez. Ele disse que uma vez que a comida na Venezuela é muito mais barata e como há a diferença monetária, existe contrabando até de marmitas e de hambúrgueres.
“Motociclistas compram cerca de 30 hambúrgueres no lado venezuelano por cerca de 60 bolívares cada um e revendem do lado colombiano”, revelou o ministro, em San Cristóbal. O contrabando fronteiriço agrava a escassez porque, em busca da vantagem econômica da diferença cambial, produtos que deveriam ser consumidos na Venezuela são transportados para Cúcuta.
“Se já temos um problema de escassez gerado pela alta demanda por produtos básicos, perto da fronteira, isso é mais grave. Por isso, a situação nestes estados é mais crítica que nos estados centrais e em Caracas”, opina Rodríguez.
Também há problemas de segurança. A gerente de uma rede privada de supermercados, que não quis se identificar, reportou problemas de estoque devido aos saques em caminhões de mercadorias que atravessam a fronteira.
“Tivemos de fechar no fim de semana porque não tínhamos estoque de açúcar nem de farinha. Nosso carregamento foi interceptado na rodovia, por uma quadrilha”, disse durante uma reunião de empresários e comerciantes com o governo no último fim de semana.
Um comandante militar da região conversou com a Agência Brasil e disse ter consciência de que é difícil, também, controlar a corrupção. “Sabemos que há militares corruptos, que permitem passar mercadorias e que as pessoas também se acostumam a tentar lucrar com a diferença de preços e do câmbio”, comentou.