Quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015 - 07h04
Cresce a expectativa, na Argentina, com a Marcha do Silêncio desta quarta-feira (18), convocada por um grupo de promotores, em homenagem ao colega Alberto Nisman. Ele morreu há exatamente um mês, em circunstâncias duvidosas, ainda não apuradas.
Quatro dias antes, Nisman tinha acusado a presidenta Cristina Kirchner e seu chanceler, Hector Timerman, de terem conspirado com o Irã para, supostamente, acobertar os responsáveis pelo atentado de 1994 contra o Centro Comunitário Judaico Amia – o pior na história do país.
A marcha – à qual se somaram políticos e sindicalistas de oposição – foi duramente criticada pelo governo, que acusa os organizadores de quererem tirar proveito político, faltando oito meses para as eleições presidenciais de outubro.
A ex-mulher de Nisman, a juíza Sandra Arroyo Salgado, confirmou nessa terça-feira (17) que irá à marcha com as duas filhas “para homenagear o trabalho dele como promotor e não por outros motivos políticos ou sociais”. No comunicado, ela se diferencia de “outros setores sociais, políticos e midiáticos” que participarão do ato com outras reivindicações. O secretário de Segurança da Argentina disse que pediu aos responsáveis pelo policiamento das ruas, por onde passarão os manifestantes, que não levem armas “porque pode haver provocações”. Acrescentou que “80% do que se diz (sobre o caso Nisman) são mentiras” e insistiu que tudo faz parte de um golpe para debilitar o governo.
A morte de Nisman continua cercada por rumores envolvendo, desde os serviços secretos da Argentina e do Irã, até a CIA, dos Estados Unidos, e a Mossad, de Israel. No último dia 13, o promotor Gerardo Pollicita anunciou que retomaria o trabalho de Nisman, interrompido por sua morte, e acolheu a denúncia feita por ele. Pollicita indiciou a presidenta e o chanceler, além de um deputado e um militante aliados do governo, e pediu à justiça provas adicionais para investigar se as acusações têm fundamento.
Nisman era o promotor encarregado de investigar o atentado à Amia, ocorrido no dia 18 de julho de 1994, que matou 85 pessoas e feriu mais de 300. Tanto esse ataque terrorista quanto o anterior (em 1992, contra a embaixada israelense em Buenos Aires, que matou 29 pessoas) nunca foram esclarecidos.
As primeiras investigações apontavam para a chamada “pista síria”. Os atentados seriam uma vingança do regime sírio contra o então presidente Carlos Menem (1989-1999), cuja candidatura teria financiado, em troca de tecnologia nuclear, que nunca recebeu. Menem – que é de origem síria – também enviou tropas ao Golfo, para apoiar os Estados Unidos na guerra contra o Iraque, apos a invasão iraquiana do Kuwait.
Os resultados das primeiras investigações tiveram que ser arquivadas, quando se descobriu que o juiz responsável tinha comprado um testemunho falso. O próprio Menem está sendo processado por encobrir o crime. O caso Amia voltou a ganhar destaque no governo de Nestor Kirchner (2003-2007), que encarregou o promotor Alberto Nisman de retomar as investigações.
Nisman apostou na “pista iraniana”: ele acusou o Irã de planejar o atentado, que teria sido executado pelo grupo xiita libanês, e pediu a captura de ex-altos funcionários do regime iraniano para interrogá-los. Em 2007, a Interpol emitiu alertas vermelhos para cinco dos oito acusados, entre eles dois ex-ministros.
O Irã sempre negou qualquer participação e tanto Nestor Kirchner, quanto sua viúva e sucessora, Cristina Kirchner, acusaram os iranianos de não colaborar com a Justiça argentina para apurar um ato terrorista. Em 2013, a situação mudou: Cristina Kirchner e o regime iraniano tinha finalmente decidido colaborar e os dois países acertaram criar uma comissão da verdade. O acordo foi criticado por organizações judaicas, a oposição e o próprio Nisman.
No dia 14 de janeiro, Nisman acusou Cristina e Timerman de terem negociado o acordo com o Irã para – secretamente – acobertar os suspeitos, cuja captura ele tinha pedido, e enterrarem a investigação. Os motivos seriam econômicos: a Argentina queria se reaproximar do Irã para trocar grãos e armas por petróleo.
O governo desmentiu as acusações (que Nisman colocou por escrito em um documento de 300 páginas, baseado em escutas telefônicas), alegando que o petróleo iraniano não podia ser refinado na Argentina. Timerman também apresentou uma carta, da Interpol, confirmando que ele jamais pedira a suspensão dos alertas vermelhos – como dissera Nisman.
O promotor tinha sido convocado pela oposição para detalhar os motivos que o levaram a acusar a presidenta e o chanceler. Ele ia prestar depoimento ao Congresso no dia 19 de janeiro, mas na madrugada daquele dia foi encontrado morto com uma bala na cabeça. O tiro tinha sido disparado, no dia anterior, por um revólver calibre 22, emprestado por um colega de trabalho de Nisman.
Um mês depois, a Justiça ainda não pode afirmar se Nisman suicidou-se, se foi “induzido” a se matar, ou se foi assassinado. O governo e a oposição trocaram acusações – ate a própria Cristina Kirchner colocou em dúvida a tese do suicídio, mas disse que a morte dele é parte de um complô para desestabilizar seu governo – e não um assassinato para calar o homem que a acusava.
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