Domingo, 22 de março de 2009 - 18h18
Por Margaret Chan*
Genebra Os países de todos os níveis de desenvolvimento econômico estão preocupados pelo impacto da crise financeira na saúde. Se o desemprego continuar aumentando, se falharem as redes de proteção social, se houver erosão das poupanças e dos fundos de pensão e se caírem os gastos públicos, é inevitável que a saúde das pessoas seja prejudicada. O impacto é direto quando o estresse causa aumento das doenças mentais e do uso do tabaco, do álcool e de outras substâncias prejudiciais. E tudo piora quando os serviços sanitários não podem manter os cuidados necessários que os enfermos necessitam. Esta previsão se baseia no que ocorreu em recessões passadas, a maioria delas menos profundas e mais curtas do que a que enfrentamos agora.
Em recessões passadas, a ajuda ao desenvolvimento foi cortada precisamente quando mais se necessitava. Isto não pode ocorrer de novo. Não podemos sacrificar os avanços obtidos em relação à saúde das crianças e mulheres, na luta contra a aids, a tuberculose e a malária, e na construção de bons sistemas sanitários. Não se pode tolerar que a crise financeira prejudique nossa busca pela concretização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Em tempos de crise econômica, as pessoas tendem a se privar de serviços médicos e recorrer aos financiados publicamente. Isto ocorre quando os sistemas de saúde pública de muitos países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, já estão em situação econômica comprometida e sem financiamento.
Em muitas nações de baixa renda, mais de 60% do gasto em serviços médicos são privados, majoritariamente na forma de pagamento em dinheiro. A crise econômica aumenta o risco de as pessoas descuidarem da saúde e da prevenção. Uma queda no cuidado preventivo é particularmente preocupante quando o envelhecimento demográfico e o aumento das doenças crônicas constituem tendências globais. Também sabemos que as mulheres e as crianças estão entre os primeiros a serem afetados pelos efeitos das recessões. Além disso, recentes tendências no comércio internacional deixaram muitos países com pouca auto-suficiência na produção de alimentos de primeira necessidade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou recentemente uma consulta de alto nível, que reuniu delegados dos países que a integram, especialistas de todo o mundo, representantes de agências doadoras e da sociedade civil, e cinco áreas de atuação surgiram das discussões:
Primeiro, os líderes do setor da saúde devem denunciar os problemas de modo inequívoco e com base em provas consistentes. As instituições regionais podem ser uma poderosa força para fazer as nações trocar informação em um ambiente que se altera rapidamente. A necessidade de salvaguardar os processos obtidos na saúde e de garantir que os doadores mantenham suas promessas deve se converter em um tema central em todas as reuniões internacionais.
O planejamento de contingência deve se basear em informação de alta qualidade. O impacto da crise vai variar de país para país. Os sistemas de alerta exigem a colaboração entre organizações com especialidades complementares, por exemplo, como economistas que trabalhem junto a especialistas sanitários e com a OMC, monitorando as contribuições financeiras dos aportes financeiros dos governos e dos doadores e que se observe cuidadosamente se há sinais de deterioração da atenção sanitária. Naqueles países com condições para isso, a manutenção dos gastos públicos para combater a recessão pode reviver as economias. A ajuda dará um impulso à economia de muitos países de baixa renda. O desafio é garantir que os gastos ajudem genuinamente os pobres e tenham efeitos positivos na saúde da população. É indispensável que não haja queda na atenção primaria da saúde em tempo de crise financeira. O cuidado primário destaca a importância da igualdade, da solidariedade e dos cuidados prioritários à maternidade e à infância. Está voltado para a cobertura universal e a ação concertada diante dos riscos. Além disso, reconhece que a boa saúde depende do acesso a água potável, saneamento, educação, alimentos nutritivos e outros fatores, e não apenas dos serviços sanitários.
Por fim, a crise financeira requer que a comunidade sanitária internacional se faça algumas perguntas fundamentais sobre como levamos adiante a atividade. Não podemos nos permitir a duplicação em diferentes organismos. Devemos insistir na utilização de modos coordenados de trabalho que assegurem a máxima sinergia entre os programas de sanidade. A crise deve ser vista como um incentivo para a reforma do sistema da ONU de ajuda ao desenvolvimento, e não como um freio.
Esta crise apresenta um enorme desafio à saúde global. Mas, também oferece oportunidades que não podemos deixar passar para assentar as bases de um sistema sanitário mais eqüitativo e eficaz em um futuro próximo ao longo de todo o mundo. IPS/Envolverde
* Margaret Chan é diretora-geral da Organização Mundial da Saúde.
Fonte: IPS/Envolverde
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