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Fim do mistério


Agência FAPESP – Com energia que pode superar em 100 milhões de vezes a do mais poderoso acelerador de partículas disponível atualmente, os raios cósmicos de altíssima energia são um dos maiores mistérios da ciência. Desde que foram descobertos, no início do século 20, cientistas têm tentado entender de onde eles vêm, como são produzidos e como se propagam no espaço.
Um estudo realizado no Observatório Pierre Auger, na Argentina, envolvendo 370 cientistas de 17 países, acaba de trazer a primeira conclusão sobre os raios cósmicos de altíssima energia (ou de energia extrema), partículas raras e as mais energéticas do Universo: eles teriam origem nos buracos negros supermassivos situados no centro de galáxias vizinhas.
A pesquisa foi publicada na edição desta sexta-feira (9/11) da revista Science. O Observatório Pierre Auger, que começou a operar em 2004, é a maior instalação voltada para a detecção e o estudo de raios cósmicos de altíssima energia, com 3 mil quilômetros quadrados. A FAPESP é uma das financiadoras do projeto, que conta com a participação de representantes de diversas universidades e centros de pesquisa brasileiros.
De acordo com Carlos Ourivio Escobar, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do estudo, a descoberta inaugura a era da astronomia de raios cósmicos.
“A descoberta é de extrema importância, porque abre todo um novo campo na física e uma nova janela para observar o Universo. Conforme acumularmos mais dados, poderemos ter conhecimento suficiente dos raios cósmicos a ponto de transformá-los em uma nova ferramenta para a observação de objetos astronômicos”, disse Escobar à Agência FAPESP.
Ele explica que os cientistas conseguiram estabelecer uma correlação dos raios cósmicos de energia extrema com os núcleos ativos de galáxias. “Chamamos de galáxias ativas aquelas cujos núcleos emitem uma quantidade imensa de energia – algo da ordem de centenas ou milhares de vezes toda a energia produzida na Via Láctea”, disse.
Segundo Escobar, já havia sido identificado que as galáxias ativas têm em seus núcleos buracos negros de massa extraordinariamente alta – centenas de milhões de vezes maior do que a do Sol –, que tragam matéria incessantemente.
“A nossa galáxia também tem um buraco negro no centro, mas sua massa não passa de algumas centenas de milhares de vezes a do Sol, por isso ela não é tão ativa – isto é, o buraco negro não traga muita matéria”, explicou.
A energia desse tipo de raios cósmicos, de acordo com Escobar, ultrapassa a escala de 40 vezes 10 elevado a 18 elétron-volts. Mas trata-se de fenômeno bastante raro: chegam à Terra em uma taxa de uma partícula por quilômetro quadrado a cada século.
“Em um observatório de um quilômetro quadrado, precisaríamos esperar cem anos para colher uma partícula. Ou seria preciso ter um observatório imenso. No Pierre Auger, que tem 3 mil quilômetros quadrados, conseguimos observar 30 partículas em um ano”, disse.
Origem na vizinhança
De acordo com Escobar, os dados coletados sobre os raios cósmicos de energia extrema mostraram que eles deveriam se originar em regiões vizinhas. “Se a radiação cósmica viesse de fontes muito afastadas da Terra, ela se propagaria por milhões de anos-luz no meio intergaláctico e sofreria deflexão em campos magnéticos”, afirmou.
Se ocorresse essa deflexão, a direção dos raios no céu seria isotrópica, isto é, distribuída de forma homogênea no espaço. “No entanto, observamos um desvio na distribuição isotrópica, ou seja, os raios vinham de algumas direções específicas – que se relacionam com as galáxias ativas”, explicou.
Segundo Escobar, a descoberta resolve uma controvérsia que vem desde a década de 1950: uma corrente sustentava a hipótese de que os raios cósmicos tivessem origem na própria Via Láctea. Outra vertente defendia a origem extra-galáctica.
“Estamos esclarecendo esse dilema. Achamos uma relação desses raios com objetos astronômicos situados em galáxias que estão a cerca de 300 milhões de anos-luz da nossa. Isso, do ponto de vista cosmológico, significa que elas estão na nossa vizinhança”, destacou.
Os pesquisadores brasileiros têm participação ativa no Pierre Auger desde que o observatório começou a ser projetado, em 1995. Na época, Escobar foi o primeiro presidente do conselho colaborativo.
“Nessa pesquisa, tivemos participação na parte de instrumentação – como fornecedores principais dos tanques, anéis e lentes de telescópios – e na parte de análise e desenvolvimento de software, além da área administrativa”, disse.
O projeto tem sido importante também para a formação de recursos humanos. “Supervisionei sete bolsistas da FAPESP e formamos vários doutores ao longo desses anos, principalmente a partir de 1999”, disse o professor da Unicamp.
O nome do observatório é uma homenagem ao físico francês Pierre Vitor Auger (1899-1993), que foi o primeiro a observar, em 1938, chuveiros atmosféricos extensos gerados pela interação de raios cósmicos de altíssima energia com a atmosfera terrestre.
O artigo Correlation of the highest-energy cosmic rays with nearby extragalactic objects, da Colaboração Pierre Auger, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org

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