Sábado, 19 de setembro de 2015 - 06h44
Lideranças guarani-kaiowá do Mato Grosso do Sul criticaram ontem (18) a proposta de indenizar donos de terras que foram demarcadas como terras indígenas pelo valor integral das propriedades. “Nós vamos pegar uma terra devastada: rio poluído, sem floresta. Nós vamos ter que começar do zero. Por outro lado, os fazendeiros estão pedindo indenizações absurdas, acima do preço das terras e das benfeitorias”, reclamou o líder indígena Natanael Vilharva Caceres, que veio à capital paulista pra participar de uma manifestação contra o ajuste fiscal.
Pela Constituição, quando um território é reconhecido como pertencente a povos tradicionais, os títulos de posse são considerados nulos. Os proprietários têm direito à indenização somente pelas benfeitorias. Na semana passada, o Senado aprovou uma projeto de emenda constitucional que permite o pagamento pela terra nua para terras demarcadas a partir de 2013. A proposta foi defendida pela ministra da Agricultura, Kátia Abreu. “Com a possibilidade de indenizar pela terra, teremos uma pacificação e evitaremos a violência”, disse em referência aos conflitos no campo. O projeto ainda precisa ser aprovado pela Câmara.
Caceres ponderou que talvez a medida reduza as resistências às demarcações. Porém, o líder acredita que é necessário buscar termos que garantam justiça aos povos indígenas. “Com isso, em parte, até se resolva [a questão das demarcações]. Mas e as indenizações pelas mortes das nossas lideranças? Pela morte das nossas crianças? Pelo usufruto que os latifundiários tiveram por décadas nas nossas terras? O governo não está olhando para o esse lado”, disse.
A disputa por terras indígenas tem sido um dos principais fatores para a violência no campo. Segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 138 índios foram assassinados em 2014, sendo que 41 dos casos foram registrados no Mato Grosso do Sul.
Muitos dos índios mortos são líderes ativos na luta pela demarcação, destacou a também guarani-kaiowá Vadelice Veron. Ela mesma disse que se sente visada devido a sua atuação política. “Todo dia eu não sei se eu volto. A gente nunca sabe se volta para a família”. O pai de Valdelice, o cacique Marcos Veron, foi assassinado em 2003, no município de Juti (MS).
A impunidade contribui, segundo Caceres, para que os crimes continuem acontecendo. “É preciso identificar os assassinos e também os mandantes”, afirmou. No caso de Marcos Veron, o juri chegou a ser transferido para São Paulo a pedido do Ministério Público Federal. Porém, o acusado do assassinato foi absolvido em 2011.
Além das mortes, Valdelice relaciona o alto índice de suicídios. De acordo com o Cimi, de 2000 a 2014, ocorreram, no Mato Grosso de Sul, 707 casos de suicídio de indígenas. Em 2014, dos 135 registros de índios que tiraram a própria vida, 48 foram naquele estado. “A violência que, principalmente mulheres e crianças passam, não é divulgada. A dor e a vergonha leva a gente a preferir se suicidar do que contar. Isso aparece como estatística no suicídio”, disse Valdelice.
A líder citou o caso do irmão, Valmir Veron, que se enforcou após, segundo ela, passar por uma sessão de tortura e humilhações promovida por pistoleiros. “Eles amarraram as mãos dele, fizeram ele se ajoelhar e mijaram na cara dele. Espancaram e torturaram”.
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