Domingo, 3 de julho de 2016 - 09h24
A vencedora do prêmio Nobel de Literatura de 2015, Svetlana Aleksiévitch, da ex-República Soviética Belarus (Bielorrússia), disse ontem (2) viver com uma sensação de desilusão em relação à política de sua região. Com uma obra fortemente dedicada a narrar o declínio da União Soviética, através de relatos de pessoas anônimas e proeminentes, ela conta que o homem pós-soviético vive com constante medo e tensão, por conta da maldade, da violência e do terrorismo.
"Os democratas perderam depois da Perestroika [abertura política da União Soviética]. Voltou a KGB [ex-serviço secreto sociético], voltou toda a simbologia da Grande Rússia e do domínio da Rússia", disse a autora, por meio da intérprete que conduziu sua entrevista coletiva à imprensa, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Svetlana disse não ver saída para isso, a não ser contribuir com seu trabalho e não se desesperar. "Meu maior medo é cansar da luta cotidiana", salientou.
Ao comentar questões como a crise dos refugiados na Europa e o terrorismo, ela disse que "o mundo anda em círculos" e o "homem comum" recorre ao passado quando tem medo; "tem vontade de retroceder a uma época anterior, em que não ocorria isso. Tem medo do futuro e procura uma segurança nas condições do passado".
A autora também falou sobre o machismo em seu país e disse que, ao buscar temas trágicos para escrever, já ouviu que eles são "literatura masculina". Segundo ela, quando a autoria é de mulheres, "a primeira consideração é que deveriam escrever poesias sobre flores, amor ou cozinha".
Apesar disso, ela acredita que as mulheres de seu país escrevem melhor sobre a guerra que os homens, porque a criação dos meninos tende a naturalizar esse tema como uma obrigação transmitida de geração a geração. "Os meninos são educados na cultura de guerra como se fosse normal e inevitável, ao passo que, para as mulheres, a guerra era sempre dor e sofrimento", segundo ela, que ficou maravilhada quando viu mulheres de outros países trabalhando como jornalistas na guerra do Afeganistão.
Em seu novo trabalho, sobre o amor, ela conta que as entrevistas têm sido um desafio, porque os homens não se abrem para falar sobre o tema com uma mulher. "Entrevisto homens e mulheres sobre o tema, e a posição feminina é mais profunda. Elas não têm dificuldade de se expressar. As mulheres sempre são muito mais consistentes para falar sobre o amor do que os homens", acrescentou.
Após ter escrito sobre guerras e o acidente nuclear na Usina de Chernobyl, na Ucrânia, ela rejeitou que seja a "escritora das catástrofes", e disse que se interessa pela alma humana em situações de dificuldade. Nessas circunstâncias, considera que as pessoas religiosas costumam ser as mais resistentes que encontrou, mas acredita que, com menor engajamento das pessoas à religião, a literatura e a cultura poderiam assumir esse papel de fortalecer o ser humano.
Ainda assim, a autora crê que preservar a própria humanidade é um processo individual e independente de religiões ou ideologias. Svetlana disse que mesmo com uma grande ascensão das religiões nos antigos países comunistas, não foram evitadas guerras como os conflitos na Ucrânia, e que países como o Brasil, "em que as pessoas vão à missa toda semana", têm violência em seu cotidiano. "Não existe uma diretriz que ensine alguém, o país ou um individuo a ser voltado apenas para fazer o bem", ressaltou.
Sobre a geração de energia nuclear, ela defendeu que as próximas gerações terão que travar uma luta contra essa fonte de energia elétrica, e lembra que, quando seu livro foi lançado no Japão, a reação foi de que aquele acidente só seria possível na União Soviética, por causa da desorganização. Anos depois, o acidente na usina japonesa de Fukushima mostrou o contrário. "A humanidade não aprende com seus próprios erros", enfatizou.
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