Sábado, 25 de março de 2017 - 08h54
Cidade do Vaticano (RV) - O Papa Francisco recebeu na tarde de ontem, sexta-feira (24/03), no Vaticano, os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia por ocasião do 60° aniversário dos Tratados de Roma.
Os Tratados de Roma, assinados em 25 de março de 1957, na capital italiana, fazem referência à constituição da Comunidade Econômica Europeia (rebatizada nos Anos 90 como União Europeia), e à Euratom, a Comunidade Europeia da Energia Atômica (hoje autônoma). A assinatura dos Tratados representou um marco na história geopolítica do mundo, por culminar de um processo pós-Segunda Guerra Mundial que deixou a Europa econômica e politicamente destruída.
“Voltar a Roma após sessenta anos, não pode ser apenas uma viagem de recordações. É preciso identificar-se com os desafios de então para enfrentar aqueles de hoje e de amanhã. Não se pode compreender o tempo em que vivemos sem o passado, entendido não como um conjunto de acontecimentos distantes, mas como a linfa vital que se destaca no presente”, disse Francisco em seu discurso.
Futuro melhor
Depois dos anos obscuros e cruentos da Segunda Guerra Mundial, os líderes da época acreditaram na possibilidade de um futuro melhor.
Os Pais fundadores nos recordam que a Europa não é um conjunto de regras a serem observadas, nem um prontuário de protocolos e procedimentos a serem seguidos. Ela é uma vida, um modo de conceber o homem, a partir da sua dignidade transcendente e inalienável, e não apenas um conjunto de direitos a serem defendidos ou de pretensões a serem reivindicadas.
Roma, com a sua vocação de universalidade, é o símbolo desta experiência e, por isso, foi escolhida como lugar da assinatura dos Tratados, porque aqui “foram lançadas as bases políticas, jurídicas e sociais da nossa civilização”.
Solidariedade
“O primeiro elemento da vitalidade europeia é a solidariedade. Este espírito é muito necessário, hoje, diante dos impulsos centrífugos, como também da tentação de reduzir os ideais básicos da União às necessidades produtivas, econômicas e financeiras.
Em um mundo, que conhecia bem o drama dos muros e as divisões, era bem evidente a importância de trabalhar por uma Europeia unida e aberta e o desejo comum de remover aquela barreira inatural que, do Mar Báltico ao Adriático, dividia o continente. Quanto esforço para abater aquele muro! Não obstante, hoje, perdeu-se a memória daquele esforço. Perdeu-se até a consciência do drama das famílias separadas, da pobreza e da miséria que aquela divisão provocou. Onde as gerações tinham a ambição de ver abatidos os sinais de inimizade forçada, agora se discute como excluir os “perigos” do nosso tempo, a partir da longa fila de mulheres, homens e crianças, em fuga da guerra e da pobreza, que pedem somente a possibilidade de um futuro para si e para seus entes queridos.
Para os Pais fundadores era clara a consciência de se fazer parte de uma obra comum, que não ia apenas além dos confins dos Estados, mas também daqueles do tempo, a ponto de unir as gerações entre si, todas igualmente partícipes da construção da Casa comum.
Crise entre as instituições
Nos últimos sessenta anos, o mundo mudou muito.
Uma crise econômica, que se destacou no último decênio; uma crise familiar e de modelos sociais consolidados; uma difundida “crise entre as instituições” e a crise dos migrantes: tantas crises que ocultam o medo e o extravio profundo do homem contemporâneo, que exige uma nova hermenêutica para o futuro.
Este, portanto, é um tempo de discernimento, que nos convida a avaliar o essencial e a construir sobre ele: logo, é um tempo de desafios e de oportunidades.
“O que os Pais fundadores nos deixaram? As respostas podem ser encontradas nos pilares sobre os quais eles quiseram edificar a Comunidade Econômica Europeia: Centralidade do homem, solidariedade concreta, abertura ao mundo, busca da paz e do desenvolvimento, abertura ao futuro. Quem governa tem a tarefa de discernir os caminhos da esperança”, frisou o Papa.
Espírito de família
A Europa reencontra esperança quando o homem é o centro e o coração das suas instituições.
Afirmar a centralidade do homem significa também reencontrar o espírito de família, em que cada um contribui livremente segundo as próprias capacidades e dotes, à casa comum. É oportuno ter presente que a Europa é uma família de povos e - como em toda boa família - existem susceptibilidades diferentes, mas todos podem crescer na medida em que se está unido. A União Europeia nasce como unidade das diferenças e unidade nas diferenças. As peculiaridades não devem por isto assustar, nem se pode pensar que a unidade seja preservada da uniformidade. Ela é antes a harmonia de uma comunidade.
A Europa reencontra esperança na solidariedade, que é também o mais eficaz antídoto aos populismos modernos.
A solidariedade não é somente um bom propósito: é caracterizada por fatos e gestos concretos, que aproximam ao próximo, em qualquer condição este se encontre. Ao contrário, os populismos nascem precisamente do egoísmo, que fecha em um círculo restrito e sufocante e que não permite de superar o limite dos próprios pensamentos e "olhar além". É preciso recomeçar a pensar de modo europeu, para esconjurar o perigo oposto de uma cinzenta uniformidade, ou mesmo o triunfo dos particularismos.
A Europa reencontra esperança quando não se fecha no medo de falsas seguranças.
Não se pode limitar em administrar a grave crise migratória destes anos como se fosse somente um problema numérico, econômico ou de segurança. A questão migratória coloca uma pergunta mais profunda, que é antes de tudo cultural. Qual cultura propõe a Europa hoje? O medo que frequentemente se adverte encontra, de fato, na perda dos ideais, a sua causa mais radical. Sem uma verdadeira perspectiva ideal se acaba por ser dominados pelo temor que o outro nos prive dos hábitos consolidados, nos prive dos confortos adquiridos, coloque em discussão um estilo de vida feito muito frequentemente somente de bem-estar material. Pelo contrário, a riqueza da Europa sempre foi a sua abertura espiritual e a capacidade de colocar-se perguntas fundamentais sobre o sentido da existência.
A Europa reencontra esperança quando investe no desenvolvimento e na paz. O desenvolvimento não é dado por um conjunto de técnica produtivas.
"O desenvolvimento é o novo nome da paz", afirmava Paulo VI, pois não existe verdadeira paz quando existem pessoas marginalizadas ou obrigadas a viver na miséria. Não existe paz onde falta trabalho ou a perspectiva de um salário digno. Não existe paz nas periferias das nossas cidades, nas quais se dissemina droga e violência.
Abertura ao futuro
A Europa reencontra esperança quando se abre ao futuro. Quando se abre aos jovens, oferecendo a eles perspectivas sérias de educação, reais possibilidades de inserção no mundo do trabalho. Quando investe na família, que é a primeira e fundamental célula da sociedade. Quando respeita a consciência e os ideais de seus cidadãos. Quando garante a possibilidade de fazer filhos, sem o medo de não poder mantê-los. Quando defende a vida em toda a sua sacralidade”.
No geral aumento da perspectiva de vida, sessenta anos são hoje considerados o tempo da plena maturidade. Uma idade crucial na qual mais uma vez se é chamados a colocar-se em discussão. Também a União Europeia é chamada hoje a colocar-se em discussão, a cuidar das inevitáveis doenças que vem com os anos e a encontrar percursos novos para prosseguir o próprio caminho. À diferença, porém, de um ser humano de sessenta anos, a União Europeia não tem diante de si uma inevitável velhice, mas a possibilidade de uma nova juventude.
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