Sábado, 10 de novembro de 2007 - 06h37
O lançamento da obra “Enganos da Nossa História” do pesquisador Antônio Cândido gerou algumas controvérsias muito salutares e outras nem tanto, o que me motivou examinar o contexto desse debate que agitou o meio literário rondoniense nas últimas semanas. Minha reflexão remete a um clássico de Milos Forman, o filme Amadeus (1984), dada a fogueira de vaidades que incandesceu.
Ao receber o padre que tomaria sua última confissão no sanatório, após algumas tentativas de suicídio, Antônio Salieri mostrou ao cura algumas de suas mais impressionantes (na visão dele) obras musicais, sendo que ao final de cada mostra Salieri perguntava ao padre: Conhece esta? Ao que o padre sempre respondia: Nunca ouvi ou não conheço. Salieri redargüia: esta é uma das minhas fantásticas óperas. Cansado de mostrar suas obras geniais (no imaginário dele) e não ser reconhecido, Salieri executou uma última composição e ao dedilhar os primeiros acordes no piano, o padre acompanhou cantarolando entusiasticamente a música. No fim da curta apresentação o padre perguntou ofegante a Salieri. Essa também é sua? Ao que Salieri respondeu das entranhas de sua amargura: Não, esta é de Mozart.
Antônio Salieri foi o músico oficial do Reino da Áustria e um artista razoável, mas jamais chegou aos pés da genialidade de Wolfgang Amadeus Mozart, daí a inveja doentia e a despeita mortal.
Como Salieri achava que a música de Mozart era obra divina, fez um pacto com o demônio, segundo o qual oferecia sua castidade em troca de genialidade musical. Pelo que se sabe morreu virgem e pelo jeito o diabo não cumpriu sua parte no acordo.
Este é um dos casos mais emblemáticos da cegueira da inveja e da inconseqüência da despeita.
A inveja e a despeita são duas faces de uma mesma moeda: a presunção, efeito da junção devastadora da arrogância com a prepotência, elementos de personalidade geralmente presentes em pessoas com baixíssima auto-estima.
O invejoso quando se mete em uma despeita é capaz de tudo para tentar desqualificar o sujeito de sua inveja, chafurdando na gabarolice a ponto de até mesmo jactar, por exemplo, que é mais genial que Camões, mais sábio que Machado de Assis ou Guimarães Rosa, quando a contenda envolve o conhecimento humano.
A propósito, vale lembrar que nem todo letrado é sábio e nem todo intelectual é gênio. A sapiência e a genialidade não são méritos acadêmicos, mas atributos congênitos do indivíduo.
Um dos maiores nomes da poesia brasileira de todos os tempos é um sujeito analfabeto, sertanejo, que viveu toda a sua vida nos fundões do sertão e não deve ter lido em toda sua vida um livro sequer e, no entanto é uma figura genial: Patativa do Assaré, que mal se entendia com o idioma pátrio oficial.
Do mesmo modo, o maior jornalista brasileiro do século passado, um dos textos mais sofisticados da imprensa nativa nunca pisou em faculdade, a não ser para dar aula no programa de pós-graduação da Escola de Comunicação e Arte da USP: Cláudio Abramo, o homem que modernizou a imprensa brasileira escrita na segunda metade do século passado, quando comandou “O Estado de São Paulo” e posteriormente a “Folha de São Paulo”.
O fundador da sociologia política brasileira foi um sujeito que nunca estudou sociologia e, no entanto foi um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX: Raimundo Faoro, advogado brilhante e valente no enfrentamento da ditadura militar, com o seu clássico “Os Donos do Poder”, onde examina as intrincadas origens do patronato político brasileiro.
Citei os casos acima para demonstrar que em se tratando de produção de conhecimento, o que importa não são os títulos ostentados pelos sujeitos de tais produções, mas os paradigmas epistemológicos de suas obras.
Deste modo, qualquer discussão meramente semântica, alambicada, sem qualquer significado histórico é sacal, porque a semântica por si só de nada vale, assim como a retórica em si é apenas retórica. O que importa em qualquer ambiente de debate inteligente é o conteúdo do que se discute e não a plumagem pavonada do debatedor.
O rol de pessoas escarnecidas em vida em face de sua obra ou de seu conhecimento é vasto ao longo da história. Galileu Galilei, dentre tantos, deve ser o exemplo mais clamoroso e retumbante de injustiça epistemológica, cujas pesquisas e complexas descobertas científicas motivaram severas perseguições em vida e somente foram acolhidas pelo establishment anos e anos após sua morte e se tornou figura central da astronomia moderna.
Infelizmente perseguições em face de pensamentos ou posições acadêmicas até hoje existem, sobretudo quando se ousa examinar supostas verdades históricas e se descobre que tudo que é sólido se desmancha no ar e que o sólido conhecimento de uns não passa de mera ilusão de ótica.
Há, no entanto, quem vive na patética ilusão de que está sempre farfalhando com sua sáfara semântica pretensamente universal, a cuspir suntuosa e suposta erudição. Na verdade, tal sujeito não passa de nefelibata, com arroubos de literato alambicado que despreza os processos simples e fáceis da vida e da produção do conhecimento em face da embriaguez de sua eterna pabulagem gabaloresca.
Fonte: ERNANDE SEGISMUNDO é advogado portovelhense. Segismundo@enter-net.com.br
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