Quarta-feira, 30 de outubro de 2024 - 11h00
Maria, uma feirante, olha
assustada com o barulho de um tiro. Seu marido, José, acabara de ser morto, na
frente dos filhos, durante um assalto, no momento em que chegava, em sua moto, para
almoçar com ela. O assaltante foi preso em flagrante. Meses depois, Maria
descobriu que o Estado paga um auxílio mensal para a família do criminoso,
enquanto ela, abandonada pelo mesmo Estado, tenta sozinha, reconstruir sua vida
e criar os filhos. Entre decisões judiciais contraditórias e uma falta de apoio
às vítimas, Maria reflete sobre um sistema prisional que parece proteger quem
está do lado errado das notas, deixando os cidadãos comuns, como ela, à mercê
das incongruências. Esse preambulo foi para tentar descrever o programa Pena
Justa, uma proposta apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça- CNJ, por
determinação do Supremo Tribunal Federal- STF, como um plano nacional para
enfrentar a situação de calamidade nas prisões brasileiras, com base no
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 (ADPF 347),
em outubro de 2023. Uma verdadeira contradição, diante dos graves casos de
violação constitucional praticados pela própria Corte Suprema e já muito bem apresentados
por diversos juristas e parlamentares e que culminou, recentemente, com o
pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, no Senado
Federal.
Defensor da Constituição, o
STF, ironicamente, tem se destacado por afrontar a própria Carta Magna, ao mesmo tempo em que
exige ações urgentes do Executivo para enfrentar a crise penitenciária
brasileira, apontada, pela mesma corte, como "estado de coisas
inconstitucional", que expõe a precariedade estrutural das
prisões: superlotação, higiene inexistente, alimentação inadequada, ausência de
cuidados médicos e relatos constantes de torturas. O STF, ao mesmo tempo em que
pede a humanização do sistema penal, grande parte do colegiado mantém centenas
de pessoas presas em circunstâncias arbitrárias, sem a individualização de
penas e desrespeitando os direitos fundamentais assegurados na própria
Constituição. Não é um absurdo?
A suprema corte confirmou a
inconstitucionalidade das condições carcerárias, mas parece ignorar seus
próprios princípios, ao punir de forma desproporcional, indivíduos presos
preventivamente, e tratados como culpados, sem individualização de
responsabilidade e sem direito a um processo justo. Para se ter uma ideia do
descompasso, a Procuradoria Geral da República- PGR, num ato recente de
elucubração e, apoiada por assessores despreparados, achou uma solução para
resolver o problema dos encarcerados do 8 de janeiro; confissão: Com essa medida, os procuradores colocam como
uma alternativa para aqueles que quiserem a liberdade. Precisam confessar o
crime, mesmo não tendo cometido nenhum, segundo seus advogados e que, até
então, não foram apontados pelos órgãos de segurança. Muitas dessas pessoas se
sujeitaram a esse tipo de proposta. Outras, no entanto, não se submetem. A
imposição de confissões para obter a liberdade fere os princípios
constitucionais e os direitos fundamentais de todo cidadão, reforçando a
percepção de uma justiça seletiva.
Parece que estou vendo a atuação do tribunal da inquisição, como fez a
igreja católica. Enquanto o STF aponta para soluções de ressocialização, o
tratamento rígido e desigual de casos como o de 8 de janeiro, parece esquecer
que os problemas de encarceramento e direitos humanos no Brasil, vão além das
condições materiais. Eles envolvem também a aplicação justa e equilibrada da
lei.
Entre os casos emblemáticos, volto
a tratar da situação de uma mãe de família, presa por escrever "Perdeu
Mané" na estátua da Justiça com batom e, também, de um morador de rua,
atestado com problemas mentais, preso durante os protestos de 8 de janeiro, do
ano passado, quando pedia comida. Esse homem ficou meses com tornozeleira eletrônica,
mesmo tendo sido colocado em liberdade – casos que dificilmente justificaria o
rigor das prisões, conforme os preceitos constitucionais. A mulher, apesar dos
apelos, continua presa por “colocar em risco à democracia”
A contradição não para por aí.
Em vez de dialogar com o Congresso, que já manifestou ser contrário a medidas
como a "saidinha temporária", o STF age isoladamente,
tentando fazer uma limpa nos presídios, revendo penas de criminosos condenados,
alegando superlotação e culpando o Estado por esse problema. A Corte está
assumindo papéis que pertencem a outros poderes, como se pudesse ser o
Judiciário, o Legislativo e o Executivo ao mesmo tempo, colocando em risco a
separação de poderes, um dos pilares da democracia, como tenho visto a tônica
dos discursos no Congresso Nacional.
Enquanto o STF desempenha esse
papel multifuncional, o Congresso, que deveria participar ativamente do debate,
é marginalizado. As soluções unilaterais da Corte enfraquecem o diálogo e
aumentam a desconfiança popular no sistema de Justiça. Sem um verdadeiro debate.
Planos como o "Pena Justa" correm o risco de se tornarem apenas
promessas vazias, sem eficácia prática para enfrentar os problemas estruturais
das cadeias públicas. O caminho é bem outro.
A realidade é que o sistema
prisional brasileiro funciona como uma fábrica de reincidência criminal. Ao não
promover condições mínimas de dignidade, ele perpetua um ciclo de violência,
exclusão e marginalização. As prisões superlotadas e insalubres não apenas
violam os direitos humanos, como também impedem qualquer chance real de
ressocialização dos apenados. Esse
cenário é resultado de uma série de fatores históricos, sociais e políticos que
se agravam com o crescimento da população carcerária e a falta de políticas
públicas adequadas.
O cárcere brasileiro é um dos
mais sobrecarregados do mundo, com mais de 820 mil presos em um espaço
projetado para cerca de 440 mil, segundo dados do Departamento Penitenciário
Nacional (Depen). Outro problema grave é a presença e o controle de facções
criminosas dentro dos presídios. Estudos realizado por Camila Nunes Dias–
Socióloga e professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), especialista em
segurança pública e em estudos sobre facções criminosas, como o (Primeiro
Comando da Capital PCC), aborda a atuação dessas organizações no sistema
prisional brasileiro e seus impactos sociais. Ela argumenta que facções assumem
o controle de boa parte das prisões, especialmente no Sudeste e no Norte do
Brasil, devido à falência do Estado em manter a ordem e garantir os direitos
básicos dos presos. Dentro das prisões, essas facções atuam como autoridades
paralelamente, impondo suas regras, protegendo seus membros e garantindo uma
espécie de "organização" que o próprio sistema carcerário não é capaz
de manter.
Fui procurar uma fonte que é
muito utilizada pelo próprio governo quando quer basear suas ações, e deu para ver,
que o trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) também aponta
a falta de programas eficazes de reintegração social. O que se tem feito é
coisa sem aproveitamento. Sem entrar em detalhes, as condições de saúde dos
presídios brasileiros também são alarmantes segundo um relatório da Human
Rights Watch, ONG internacional de defesa dos direitos humanos, que documenta e
denuncia os casos em prisões e defende melhorias no sistema prisional
brasileiro, um reflexo alarmante da ineficiência estatal e da falta de uma
política pública coerente. Superlotação, infraestrutura desconexa e gestão de
falhas processuais, resultaram em centenas de pessoas mantidas presas mesmo
aquelas que já cumpriram suas penas. Em contrapartida, os criminosos
reincidentes, entram e saem da cadeia com rapidez, sem um controle eficaz, o
que causa indignação e sensação de insegurança na sociedade.
Há exemplos internacionais que
mostram como o sistema pode ser diferente. Em países como a Noruega, as prisões
são externas para a reabilitação e a reintegração social. Na prisão de Halden,
por exemplo, os presos vivem em espaços humanizados, têm acesso a programas de
educação e trabalho e são preparados para a vida fora do cárcere. A gestão
prioriza a dignidade e a redução da reincidência, com foco na ressocialização.
Outro modelo é o dos Estados
Unidos, onde existem prisões privadas. Essas prisões funcionam como empresas, e
a gestão privada leva à eficiência econômica, embora seja um tema controverso,
já que essas instituições precisam equilibrar o lucro com a necessidade de
cumprir os direitos dos detentos. Porém, o sistema consegue dar vazão ao alto
número de presos, desafogando as penitenciárias públicas.
No Brasil, implementar modelos
mais humanizados e eficientes, sejam públicos ou privados, exige uma
reavaliação do papel do Estado. Ele deve garantir que as penas sejam cumpridas
com respeito aos direitos humanos e focadas na reintegração, sem descobrir a
segurança e sem permitir que criminosos recorrentes voltem à sociedade sem
controle. Estamos muito longe disso e não vejo, pelo menos a curto prazo, uma
solução. Nosso país enfrenta uma contradição alarmante em sua percepção de
dignidade humana, princípio fundamental.
Vamos a um caso emblemático do
que acabei de dizer: de um lado, trabalhadores que constroem estradas, por exemplo,
expostos ao sol e à chuva em condições desgastantes, são vistos pelo Estado
apenas como mão de obra comum, sem o amparo de qualidades ideais e direitos
trabalhistas efetivos. Por outro lado, esse mesmo trabalho, se for designado para
presidiários condenados, mesmo para atividades semelhantes, é frequentemente
considerado uma violação de direitos humanos. Aí vem os defensores de plantão
dizer que o país não adota trabalho forçado. Essa divergência evidencia um
problema: o Estado subestima as condições degradantes enfrentadas pelos
trabalhadores livres, que cumprem jornadas em condições muitas vezes
semelhantes ou até piores que apenados, enquanto Estado protege o presidiário
condenado de esforços considerados “desumanos”. O trabalhador precisa passar
por toda essa luta para alimentar sua família, enquanto o condenado tem direito
a médico, alimentação e lazer. A situação levanta um debate fundamental sobre a
dignidade e a proteção dos trabalhadores livres no Brasil, além da necessidade
de políticas mais equilibradas e consistentes para o trabalho prisional, que
também pode ser uma ferramenta de ressocialização. Mais quem quer rever isso?
Outra contradição marcante no
sistema brasileiro é o pagamento do auxílio-reclusão, previsto no artigo 80 da
Lei 8.213/1991, que assegura uma assistência financeira às famílias dos presos
que recebem subsídio ao INSS, enquanto as famílias das vítimas desses criminosos
não recebem qualquer suporte direto do Estado. É o caso de Maria, do começo
desse texto. Esse benefício, que deveria funcionar como um amparo social, é
duramente criticado pela sociedade, que vê na medida, uma inversão de
prioridades, onde o foco parece recair sobre apoio à violência, deixando
desamparadas as famílias afetadas pelos criminosos. É um paradoxo que escandaliza
um desequilíbrio no uso dos recursos públicos, que acaba favorecendo, ainda que
indiretamente, o infrator em detrimento de quem sofreu com o crime. E tem mais!
O valor recebido pela família do detento, é maior do que o valor do salário
mínimo vigente, pago ao operário batalhador para sustentar sua família, mesmo
este tendo sido vítima de criminosos. Como pode? É revoltante!
Essa postura levanta a questão
central: como o STF pode ser o guarda dos direitos constitucionais e, ao mesmo
tempo, violar esses mesmos princípios ao exigir confissões sem provas
adequadas? Manter pessoas
comprovadamente inocentes na prisão? Soltar deliberadamente condenados em três
instancias, alegando que as provas não são suficientes? A confiança pública nas
instituições judiciais depende da coerência entre o discurso e a prática, e o
STF precisa compensar sua abordagem para realmente garantir uma justiça
imparcial e respeito aos direitos de todos, sem exceção. Dois pesos! Duas
medidas.
Veja o caso do José Dirceu, do
PT. Apontado pelo próprio Supremo como o arquiteto do mensalão. Condenado em
três instancias. Preso por corrupção na Lava Jato, com provas substanciais,
ganhou, nesta segunda-feira, 28, um presente da corte. Todos os processos foram
arquivados, “por falta de provas” e suspeição do juiz Sérgio Moro, segundo o
ministro Gilmar Mendes. Antes, em outros
processos em que estava condenado, foi colocado em liberdade por indulto
concedido por Dilma Rousseff. Agora,
Dirceu poderá, livremente, levantar a cabeça e dizer para toda a sociedade que
é vítima do Estado, enquanto embolsa milhões e ainda pode
processar esse mesmo Estado pela perseguição que sofreu. Dorme
com uma dessas!
Pelo andar da carruagem, assim
como quer a Procuradoria Geral, basta os membros das facções criminosas
“CONFESSAREM” que são criminosos que a liberdade tá garantida. Não é? Ou a
coisa só funciona para uns? Rui Barbosa está se virando no túmulo.
Maria tem que trabalhar...
Onde está a Pena Justa?
Rubens Nascimento é Jornalista, Bel.Direito, especialista em Conciliação Jurídica, M.M. Maçom e Ativista do Desenvolvimento.
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.
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