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A farsa de Sinhá Moça


Não tenho o hábito de assistir novelas. Contudo, em noite recente fiquei pasmado ao acompanhar um capítulo de um romance “de época” – Sinhá Moça - apresentado pela maior emissora de televisão do País. De um lado, todos os abolicionistas eram republicanos. Do outro, todos os escravagistas eram monarquistas. Pude depois constatar, ao fazer questão de assistir nos dias seguintes outras partes da série, que essa farsa histórica não era evento isolado, mas quase uma filosofia embutida em todo o seu texto. Fiquei a pensar no quanto nossa mídia em geral, mais particularmente e extensamente a televisiva, longe de contribuir para o esclarecimento da população, tem-se mostrado eficientíssima na arte do desaculturamento e fixação de preconceitos.

Forçoso é que se estude como foi o verdadeiro andamento desses dois movimentos, que nada tiveram a ver um com o outro.  O movimento republicano passa a existir oficialmente no país quando, inspirados então pela proclamação da Terceira República francesa, políticos paulistas decidiram elaborar um Manifesto Republicano em 1870 e, em 1873, formalizar a criação de um partido. Sempre muito pouco representativos (mesmo imediatamente antes de 15 de novembro de 1889, quando por um golpe de Estado proclamaram a república, eles jamais conseguiram eleger mais de três deputados!) notaram que dificilmente a monarquia seria destituída sem o socorro das armas do Exército. Assim a imprensa republicana passou a vigiar cada manifestação dos oficiais bem como colocou suas páginas ao seu serviço para que dessem vazão à sua insatisfação. Inclusive ao tempo da proclamação, os republicanos eram ínfima minoria nos setores civis da nação, rodeados de monarquistas por todos os lados.

Por outro lado, a verdade é que o que caracterizava essas sedições era, além da quimera republicana, o separatismo: os movimentos nordestinos almejavam secessão do restante do País. A República Farroupilha foi outra rebelião claramente separatista. Há que se lembrar que tais movimentos, na América Latina, haviam levado ao caudilhismo. Esse fator conduzia à desagregação tão característica das antigas colônias espanholas matando, inclusive, os sonhos de união de seus idealizadores, como O’Higgins, Sucre, San Martín ou Simon Bolívar. Ou seja, o Império garantira, até então, a unidade da Nação, ao passo que o republicanismo, tanto em seus sucessos nos países vizinhos como em suas primeiras tentativas no Brasil, levava à fragmentação política.

Há que se considerar que o sucesso final da implantação da república no Brasil se deveu, em grande parte, à adesão dos cafeicultores paulistas escravocratas, ressentidos com o Império devido à Abolição da escravatura, sem uma contrapartida de indenização por estes reclamada. Em mais de uma ocasião, em vários jornais da época, eles se manifestavam contra a Abolição. Esse último fato, por si só, deveria bastar para desmistificar a associação entre republicanismo e abolicionismo. Não que não tenham existido abolicionistas republicanos: Temos o caso do poeta abolicionista e republicano Luís Gama. Contudo, em geral, o abolicionismo foi um movimento muito anterior ao republicanismo, que tinha fortes apoiadores dentro da Monarquia e da própria Família Imperial Brasileira. Em resumo: o republicanismo teve sua maior expressão em um período após o surgimento do abolicionismo. Não foi resultado de aspiração das massas, e sim de uma minoria e, pior, alçou o poder após a adesão daqueles que até bem pouco tempo antes eram totalmente contrários à Abolição!

Não se pode esquecer que a Lei Eusébio de Queiroz data de 1850 e já era a proibição do contrabando de escravos para o Brasil. O Imperador D. Pedro II foi decisivo em sua fala à Olinda, que culminou com a Lei Rio Branco (Lei do Ventre Livre), de 1871. Já nesse momento estava determinado o fim da Escravidão, a princípio por uma lei moderada, mas que já deixava claro que “a escravidão é uma causa perdida, ferida de morte desde 1871, e o Governo apenas trata de dar-lhe morte lenta”. Isso em um período em que a causa abolicionista ainda tinha poderosos interesses contra ela. Logo a seguir vem a Lei dos Sexagenários, que contribuiria mais para a redução da população escrava no país. Como corolário, vem a Lei Áurea, que pôs fim definitivo à escravidão. Todos esses eventos ocorreram no Império, através de leis assinadas por membros da Família Imperial. Que mais dizer? Citar os nomes de Joaquim Nabuco, o pai do Abolicionismo e monarquista; ou o de André Rebouças, negro, engenheiro (com os estudos pagos por D. Pedro II), abolicionista e também monarquista? Será preciso citar a carta em que a Princesa Isabel descreve seu projeto de assentamento dos negros recém-libertos, uma verdadeira reforma agrária? Que esse projeto foi arquivado com a proclamação da república?

E os principais interessados, os negros, como viam as coisas? A Princesa Isabel passa a ser conhecida como “A Redentora”. A Abolição era associada à Monarquia, que ficara mais popular que nunca. Muitos negros passaram inclusive a integrar a “Guarda Negra”, da qual o então republicano Ruy Barbosa dizia ser composta pela “ralé carioca e por maltas de capoeiras”, que hostilizava francamente os republicanos. Essa Guarda acreditava ser seu dever proteger das violências republicanas o sistema que os libertara. Digo claramente: os ex-escravos guardavam lealdade à Monarquia e se opunham aos republicanos, conhecidos, então, como “os paulistas”. O já citado André Rebouças com a proclamação preferiu se exilar junto com a Família Imperial, dizendo saber que, para ele, não havia mais lugar no País...

Hoje, 117 anos depois, vejo inclusive através de novelas transmitidas pela televisão, uma falsa associação da Monarquia à escravidão. No Plebiscito de 1993 disseram que a Monarquia traria de volta o escravismo. As novelas, séries e filmes, com seus “programas de época”, ensinam que o republicanismo e o abolicionismo andavam de mãos dadas, uma mentira histórica. Tristemente, constato que perdemos nossa memória, e a mídia brasileira, particularmente a televisiva, faz questão de que assim continue. Quantos de nossos irmãos, inclusive negros, caíram na farsa de Sinhá Moça?

 
Fonte: Ezequiel Novais Neto é médico endocrinologista

www.brasilimperial.org.br
news@brasilimperial.org.br
 
OBS - O embasamento histórico das informações contidas no artigo pode ser consultado, entre outras publicações, nesta bibliografia: 1) BRASIL, Francisco de Sousa - A idéia republicana no Brasil – Brasil Rotário online – novembro 2002; 2) SCHWARCZ, Lilia Moritz  – As Barbas do Imperador – Editora Companhia das Letras – 2ª edição; 3) História, por Voltaire Schilling; 4) VIANA, Oliveira – O Ocaso do Império.

 

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