Quarta-feira, 25 de maio de 2011 - 18h12
*Ronaldo Nóbrega Medeiros
Para regulamentar os artigos 14, § 3º, inciso V e 17, ambos da Constituição Federal, entrou em vigor, em 1995, a Lei 9.096/95 que revogou expressamente a antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos e suas alterações. Consagrado o princípio da autonomia partidária, não se pode mais falar em lei orgânica de partidos, pois não são "órgãos" políticos, mas, pessoas jurídicas de direito privado politicamente organizadas.
Mais especificamente, enseja enfocar a inconstitucionalidade do art. 15-A da Lei n. 9.096/95, na redação dada pela Lei nº. 12.034, de 2009. Tal dispositivo reza, verbis:
Art. 15-A. A responsabilidade, inclusive civil e trabalhista, cabe exclusivamente ao órgão partidário municipal, estadual ou nacional que tiver dado causa ao não cumprimento da obrigação, à violação de direito, a dano a outrem ou a qualquer ato ilícito, excluída a solidariedade de outros órgãos de direção partidária.
Com efeito, o artigo 15-A deixa cabalmente evidente sua inconstitucionalidade, posto que exclui a responsabilidade do Diretório Nacional do Partido, ou seja, Partido-Matriz, que é beneficiário dos Recursos do Fundo Partidário, e responsável pela distribuição ao diretórios situados em cada unidade da federação. Ou seja, apesar de haver diretório com responsabilidade jurídica local, tal fato “per si” não isenta a responsabilidade da esfera superior partidária, que tem autonomia para resolver em matéria interna corporis, via procedimento administrativo.
Ademais, resta cabalmente entendido que, há sim, responsabilidade solidária do Diretório Nacional, de dívidas partidárias, em especial de remuneração devida aos trabalhadores. Não se pode conceber a existência de "diretório estadual, municipal", sem que este siga as orientações da Executiva Nacional do Partido e as respectivas regras estabelecidas no estatuto partidário.Portanto, inquestionável a responsabilização solidária.
De outra sorte, não há dificuldade para o diretório nacional de um partido político arcar compromissos assumidos e não honrados pela representação municipal ou estadual. Até porque, não existe penalidade de suspensão do fundo partidário ao diretório nacional, em decorrência da rejeição das contas dos diretórios municipais e regionais, que explicitar a obrigação do diretório nacional assumir as pendências.
Como se observa, haverá sempre recurso financeiro na estrutura do Diretório Nacional, mesmo quando ocorre suspeição do repasse de novas cotas do fundo partidário ao diretório regional. Isso, para assegurar aresponsabilidade própria do Diretório Nacional pela insolvência de uma estrutura partidária municipal ou estadual. Em outras palavras, valendo-se de um conceito do mundo empresarial, há a responsabilidade da matriz para com sua filial.
Agora, analogicamente falando, não podemos olvidar o confronto dos artigos 15-A da lei 9.096/95 e 186, 187 e 927, os três últimos do Código Civil, litteris:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Todavia, apesar da existência da representação estadual e de inscrição do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, distintos, o Diretório Nacional, ao manter um diretório partidário local acaba por transferir atribuições representativas da organização civil e político-partidária, sendo indiscutível o vínculo a justificar plenamente a responsabilização solidária.
É, pois, com esses elementos que se pretende repensar ser o Art. 15-A da Lei nº. 9.096/95autoritário e inconstitucional nas demandas de reparação civil contra a sua direção nacional, excluindo a solidariedade. Ora, não pode sobrepor-se ao princípio da inafastabilidade de Jurisdição, também com sede constitucional (art. 5º, inciso XXXV), segundo o qual nem a lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito.
Por outro lado, excluir o diretório nacional, dessa responsabilidade solidária entre as instâncias partidáriasnão se coaduna com o Estado democrático de Direito, no qual deve ser assegurado, o direito de receber o que é devido.
Vale ressaltar também o caráter nacional dos partidos na forma do art. 17 da CF/88, o qual traz implícita a responsabilidade solidária da esfera superior, sendo, indispensável à participação, em tese, em feito judicial do diretório Nacional, Estaduais e municipais. De igual sorte, a entrada dos recursos do fundo partidário recebido pelas cúpulas das legendas, via centralização do Diretório Nacional.
Ainda a propósito, temos que o art. 15-A, da Leis dos Partidos é inconstitucional, ao excluir a responsabilização solidária da esfera superior partidária, eis que fragiliza mortalmente o art. 39 definida pela própria Lei, para receber denúncia em matéria de finanças e contabilidade, ad litteram:
Art. 39. Qualquer cidadão, associação ou sindicato pode levar ao Ministério Público notícia de irregularidades ou ilegalidades cometidas pelos partidos em matéria de finanças e contabilidade.
Se, por exemplo, um cidadão sendo lesado pelo partido, resolver encaminhar uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho, como será garantido o seu direito, caso a organização partidária matriz, não responder solidariamente?
Embora se reconheça que o debate provoque alguma perplexidade, é importante registrar que a questão está sendo enfrentada pelo ministro Dias Toffoli, no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade 31, sendo requerentes, os Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Popular Socialista - PPS, Democratas – DEM, e Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB.
*Ronaldo Nóbrega Medeiros - Pós-graduando em Direito Eleitoral. Atuou nos Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral, como Delegado Nacional e Secretário por 12 anos, representando um partido político. Autor de várias consultas na Justiça Eleitoral, tais como: fim da verticalização; circunscrição dos conjures nas eleições; aplicabilidade da cláusula de barreira; aplicação das novas regras nas eleições de 2006; partido político caráter nacional; filiação do deputado federal a um novo partido não altera o quociente informado ao TSE pela Câmara dos Deputados; a interpretação e às modificações da Lei nº. 11.300/2006 introduzida na Lei nº. 9.504/97; propaganda partidária denominada de "comunicação social", exercida por meios de outdoors e distribuição de brindes, entre outras. Citado no Livro Direito Constitucional sobre o tema Fim da verticalização no Brasil - de autoria do constitucionalista Pedro Lenza - Editora: Saraiva/edição 2011.
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