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A urgência e a relevância da reforma política


"A reforma política, tema que pontuou a campanha eleitoral do ano passado, foi assumida como compromisso prioritário por todos os candidatos e partidos, o que confirma sua urgência e relevância. Não há dúvida de que corresponde à demanda ética e funcional da sociedade brasileira. Ética porque já não é possível conviver com instituições deterioradas, desacreditadas perante a sociedade que devem representar. E funcional porque, além do descrédito, há a ineficiência de um sistema que, moldado por casuísmos e interesses nem sempre confessáveis, produz mais impasses que soluções.

A verdade é que a política brasileira se tornou caótica e disfuncional. Não cumpre o papel de gerente dos interesses da coletividade. É cada vez mais estuário de demandas privadas. Não há nisso nenhuma novidade. Desde os tempos da Monarquia e dos primórdios da República, o diagnóstico das recorrentes crises políticas que assolam o país é sempre o mesmo: disfuncionalidade do sistema — falta de transparência, de devoção cívica dos agentes políticos e, sobretudo, ausência de povo. E o resultado é um só: descrédito de políticos e instituições do Estado.

As dificuldades econômicas que o país tem enfrentado ao longo dos últimos 25 anos relacionam-se com a crise de credibilidade política que, por sua vez, decorre de três fatores básicos, que fizemos constar da exposição de motivos de nossa proposta inicial de reforma política encaminhada ao governo e ao Congresso no início do ano, a saber: 1) persistente marginalização do povo, impedido de participar diretamente das grandes decisões políticas, não só na esfera nacional, mas também no plano local; 2) representação popular falseada, que acabou criando um pequeno mundo político irresponsável, cada vez mais distanciado da realidade social; 3) incapacidade institucional do Estado brasileiro de elaborar e conduzir programas de ação de longo prazo, com base num projeto de desenvolvimento nacional.

De crise em crise — e, sobretudo, com o indefectível adiamento das soluções, geração após geração —, chegamos aos dias de hoje, em que os segmentos formadores de opinião se perguntam se há solução para tantos impasses. Há. Basta determinação política.

Com essa certeza, a OAB decidiu arregaçar as mangas e agir. Instituiu, ano passado, no âmbito de seu Conselho Federal, o Fórum da Cidadania para a Reforma Política. Mobilizou entidades da sociedade civil e, no início deste ano, como disse acima, encaminhou ao governo e ao Congresso Nacional as suas primeiras propostas. Elas, nessa primeira etapa, envolvem mudanças nos sistemas eleitoral e partidário.

Com relação aos partidos, não se pretende, como é óbvio, torná-los fortes e autênticos por via de lei, o que seria artifício primário. O que se quer é minorar, tanto quanto possível, a predominância do caciquismo interno e de sua instrumentalização pelo poder econômico privado. Para tanto, propusemos, entre outras providências: proibir o parlamentar eleito de mudar de partido, a contar da data da eleição e durante toda a legislatura; proibir os partidos de receberem doações, devendo manter-se exclusivamente com as contribuições de seus filiados e os recursos do Fundo Partidário.

No quesito financiamento das campanhas eleitorais, a OAB propõe a adoção do sistema francês, que atribui à Justiça Eleitoral o poder de fixar um limite máximo de despesas dos candidatos, em cada eleição. A Justiça Eleitoral pagará também, a título de reembolso, uma quantia determinada, variável conforme a eleição, a cada candidato, cujo patrimônio e cuja renda tributável não sejam superiores a determinado montante, desde que tenha recebido, na eleição, pelo menos 5% da totalidade dos votos válidos no distrito.

Cabe também à Justiça Eleitoral, nos termos de nossa proposta, fixar, para cada eleição, o montante máximo de doações que cada candidato está autorizado a receber. A infração a essas disposições impede o candidato eleito de tomar posse no cargo e, se já empossado, acarreta perda do mandato.

Outro ponto fundamental é o que estabelece a revogação popular de mandatos eletivos (recall), já objeto de proposta anterior da OAB e hoje expressa na emenda constitucional nº 0073/2005, em tramitação no Senado Federal. Há ainda medidas relacionadas a inelegibilidades, coligações, acesso à propaganda gratuita na mídia eletrônica e à prestação de contas de campanha, sempre com o objetivo de dar transparência, conteúdo popular e funcionalidade ao processo político.

Mas não apenas: a OAB pleiteia a aprovação pelo Congresso Nacional de dois projetos de lei que apresentou anteriormente, e que tornam efetivas as manifestações da soberania popular consagradas no artigo 14 da Constituição Federal, que trata dos instrumentos da democracia direta: plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa.

Sabemos que a reforma política não é panacéia, nem um fim em si mesma. É ponto de partida para a restauração da confiança popular em nossa República. Se feita em profundidade, sob a supervisão da sociedade civil e levando em conta sua natureza plural, a reforma política confere respeitabilidade ao processo e aos próprios legisladores.

E é essa respeitabilidade, que deriva do fator confiança, que hoje está em falta. Sem ela, o processo político não se sustenta, e o Estado democrático de Direito corre riscos. Sérios riscos." 

O artigo "A urgência e a relevância da reforma política" é de autoria do presidente nacional da OAB, Cezar Britto e foi publicado na edição de hoje (23) do Correio Braziliense

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