Terça-feira, 10 de junho de 2008 - 05h57
Eu não vou aqui desfiar todas as mazelas do mundo, mas quando nós vivenciamos uma situação, parece que tudo é mais real, do que apontam os números e pesquisas a todo o momento.
Na sexta feira,6, a noite, uma aluna da escola onde sou professora desmaiou e no meio da muvuca, corre prá cá, chama Samu, pede socorro, acabei levando a criatura para o João Paulo II. Já tinha ido lá, como repórter, mas nunca passei mais do que cinco ou dez minutos lá dentro e assim mesmo na ala administrativa. Entre chegar ao hospital e a aluna ser atendida, tive que ficar lá, no pronto atendimento, por uns 50 minutos. Pude ver in loco o que é desgraceira. Gente deitada pelo chão gemendo, um moço, acho que esfaqueado, segurando as tripas e se esvaindo em sangue. Misturado aos casos menos urgentes estava um velhinho que fazia nebulização e gritava de dor cada vez que respirava. A visão do inferno.
E a minha aluna estava lá, desmaiada por longos 40 minutos, até que a boa vontade da coletora de sangue do laboratório, que diga-se de passagem é terceirizado, resolvesse aparecer. A aluna estava com suspeita de uma crise de hipoglicemia e só podia tomar a medicação após colher o sangue, para não atrapalhar a confirmação do diagnóstico. Nos 50 minutos mais longos que um ser humano que pensa pode ter, eu vivenciei tanta coisa ruim, tanto sofrimento, tanta dor, e tive todo o tempo do mundo para fazer várias perguntas, mas não havia ninguém que pudesse me explicar porque o ser humano é obrigado a passar pelo João Paulo II.
Nós que trabalhamos também na área da imprensa, já vimos de tudo. Já nos revoltamos e muitas vezes já infringimos a norma da imparcialidade no jornalismo. Me lembro como se fosse hoje, quando comecei no jornalismo a regra era: um jornalista jamais se envolve com o fato, ou seja jamais se emociona.
Depois de um final de sexta feira tenebroso, vou ver os jornais do dia (muitas vezes só dá prá fazer isso ao final da noite) e vejo na maioria dos sites e impressos em letras garrafais: “Ministro da Saúde anuncia que operação para troca de sexo vai ser totalmente paga pelo SUS”. Faça-me o favor, é o final dos tempos.
Quero deixar bem claro, não tenho nada contra homens que querem ser mulheres, mas daí a gastar um dinheiro precioso do Sistema Único de Saúde, que poderia salvar milhares de vidas, aliviar o sofrimento de milhares de pessoas que são obrigadas a passar pelos Joãos Paulos da vida, tenha paciência !
Quem quiser fazer a cirurgia, e seguir os passos da Roberta Close, uma operação que não deve ser barata, que pague do seu bolso, afinal isso não é um caso de vida ou morte, nem de necessidade. É pura vaidade!!!
E, vaidade minha gente, nem se compara com a dor das pessoas que passam pelos prontos socorros de todo o país. Nem se compara a dor das pessoas e das famílias que esperam um dia poder fazer um transplante para continuarem a viver. Como é o caso dos transplantes de coração, de rim ou de medula óssea.
Sou doadora de sangue há mais de 10 anos em Porto Velho. Quando começaram os estudos, as possibilidades de se iniciar o ca-das-tra-men-to dos doadores de medula, eu já tava lá buscando informações de como proceder. Fiquei desapontada em saber que isso ainda vai demorar muito, por causa da falta de estrutura e que se um dia eu for aprovada como doadora de medula, vou ter que ir até o paciente, porque o nosso banco de doadores provavelmente vai existir, mas não terá condições de fazer a coleta por aqui. Isso é por falta de investimento do Ministério da Saúde. É, esse mesmo Ministério da Saúde que vai pagar as cirurgias das futuras mulheres. Dá licença, vou me embora prá Passárgada !!
Fonte: Nara Vargas é jornalista e professora
da escola Estadual Tancredo Neves em Porto Velho.
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