Domingo, 27 de dezembro de 2009 - 20h22
Bruno Peron Loureiro
Não pude conter a emoção enquanto lia virtualmente uma nota de um jornal jamaicano.
Ela estampava que, no Sudão, nada menos que 2.000 pessoas morreram e 250.000 tiveram que abandonar suas casas devido à violência somente este ano de 2009. O país sofre de uma grave crise humanitária. O mundo sensibiliza-se quando a vítima é notória. No 11 de setembro de 2001, foi assim. Por que quase não se fala do genocídio que toma lugar no Sudão?
Atravessado pelo caudaloso rio Nilo, que noutros tempos proveu civilizações pomposas, o Sudão completa o mapa da pobreza na África. Não obstante a função de berço da humanidade que se lhe atribui a este continente, os indicadores mais tristes de desenvolvimento no mundo residem nas margens banhadas pelo Nilo. Entre outras mazelas, a região hospeda o analfabetismo, a desnutrição e a seca.
Toda brisa que sopra de ultramar rebate no excesso de problemas que cultivamos por aqui na América Latina. Porção de terra de uma imitação descomedida. Enquanto isso, a cara-metade que um dia nos conectou na Pangéia sofre conflitos étnicos, disputas territoriais e desrespeitos ao semelhante. Vozes opacas só se referem aos piratas da Somália e outras ameaças ao maldito livre mercado.
Não podemos aceitar visões tão encobertas e interesseiras.
Pensar na harmonia mundial não é só bandeira para a realização de conferências sobre mudanças climáticas. Queremos saber o que está acontecendo no Sudão, por que tantos morrem ou fogem anualmente, quem pode fazer a diferença para um plano de assistência humanitária neste país e que destino têm milhões de crianças que se entregam involuntariamente aos urubus.
O Sudão não possui um único conflito. Ao menos dois despertam a atenção: um deles é a guerra civil entre o norte e o sul do país que durou mais de vinte anos e reaparece na busca de independência do sul, que votará por ela no início de 2011; o outro é o conflito étnico-cultural que se iniciou oficialmente em fevereiro de 2003 na região de Darfur, oeste do Sudão, e espalha a violência.
A região tem atraído grupos pacifistas e defensores dos direitos humanos. Houve uma missão de paz organizada pelas Nações Unidas, porém o procedimento de repartição política do continente africano rendeu divisões e rixas incrontroláveis. No mesmo espaço geográfico pertencente ao Sudão, cercaram-se grupos rivais dispostos a promover o massacre para alcançar seus objetivos.
À guisa de recapitulação, a nota que li sobre o Sudão na imprensa caribenha me fez recordar a persistência do problema. Tão grave e tão ignorado. No Brasil, as enchentes trazem infortúnios e perdas; alhures, milhares morrem de falta de água. De excessos e carências, temos história para contar.
Ursos polares encurralam-se em geleiras, enquanto corpos depositam-se em valas no Sudão. Notas periodísticas sobre fatos de outros países induzem-nos a uma leitura idílica da desgraça. Quando não a um passar de olhos apressado. Por que nos preocuparia este acontecimento? Ainda mais sobre o Sudão: país pobre ao qual muitos duvidam que haja solução.
A Terra, porém, obedece a um ciclo de rotação. Copenhague lotou em dezembro. É bom lembrar.
Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos.
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