Segunda-feira, 12 de outubro de 2009 - 13h09
Bruno Peron Loureiro*
Acabam de anunciar os resultados parciais de uma pesquisa de que Charles Darwin, se estivesse entre nós, teria o prazer de participar. O fóssil do esqueleto incompleto de um ancestral feminino que viveu 4.4 milhões de anos atrás, que foi encontrado em 1994, rendeu uma nova tese por cientistas com base em Adis Abeba, Etiópia, e Washington D. C., Estados Unidos. Os fósseis foram desenterrados em Etiópia.
O Australopithecus afarensis, cujo apelido é “Lucy” e viveu 3.2 milhões de anos atrás, era o fóssil mais remoto antes da descoberta de “Ardi”, que recebeu o nome de Ardipithecus ramidus. Embora o fóssil da primeira espécie tenha sido achado em 1974 e o da segunda em meados dos anos 90 e distantes 74 km um do outro, uma pesquisa deste porte e com o escasso material disponível toma tempo para realizar-se.
Ainda que cientistas sustentem que o familiar mais próximo da humanidade viveu pelo menos seis milhões de anos atrás, a descoberta de “Ardi” derruba a tese de que viemos de chimpanzés e gorilas, uma vez que aquela possui características distintas destes e dos humanos, como a de usar os quatro membros em árvores e, no chão, somente dois. “Ardi” comportou-se como uma possível linhagem comum de humanos e primatas.
Esta descoberta, para alguns, parece ter o efeito contrário à de que a Terra não é o centro do universo. Na primeira situação, não descenderíamos de macacos, enquanto, na segunda, destitui-se aquele pretenso papel de centralidade dos humanos neste planeta, que é apenas um a mais nessa imensidão cósmica. Provoca-me um sentimento impotente e nebuloso, mas há que admitir que somos grãos.
Como teriam sido – não só anatomicamente – estes ancestrais aos quais se atribuiu o apelido de “Ardi”? Como contribuem para as incertezas da atualidade? É interessante notar em que solo pisam as discussões científicas mais polêmicas: se viemos de um ancestral ou de outro, como o universo surgiu e se expande, usos éticos da genética, temor (não infundado) de vírus mortais que poriam em risco a espécie humana.
Apesar de serem interessantes as descobertas e as pesquisas que se têm feito sobre a “origem das espécies”, em alusão a Darwin, inquieta-me que um número considerável de seres humanos, que de nenhuma maneira são sinônimo das virtudes que se lhe costumam atribuir à espécie, continuem matando, mentindo, manipulando, invadindo países, promovendo massacres, odiando, invejando, roubando.
Longe de crer que somos humanos, enquanto eles, animais, como se aí houvesse uma distinção de grau, minha visão é de que somos apenas uma variedade do que se costuma chamar vida animal.
Creio que Darwin comentaria a descoberta de “Ardi” comparando 4.4 milhões de anos passados com a perspectiva de arrefecimento dos ânimos de que qualquer transformação de nossa espécie seja instantânea ou viável dentro de poucos anos. Temos menor quantidade de pelos, mas que não desaparecem; a cabeça maior, mas que continua albergando pensamentos monstruosos; a altura maior, mas para que uns se sintam melhores ou piores.
O que pensarão de nós os que excavarem nossos fósseis depois de outros quatro milhões de anos?
*Bruno Peron Loureiro é analista de relações internacionais
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