Sexta-feira, 23 de novembro de 2007 - 10h46
"São recorrentes na vida pública brasileira denúncias de excessos e desperdícios associados à maquina administrativa dos três poderes - mais especificamente junto às suas respectivas cúpulas.
Por isso mesmo, o termo "mordomia", que designa genericamente esse tipo de gasto com representação, vinculou-se ao glossário político brasileiro, tornando-se mais um fator de desgaste a corroer a credibilidade dos agentes públicos.
A série de reportagens que O GLOBO vem publicando a esse respeito mostra que essa cultura, apesar de todas as denúncias, não foi removida. Criou raízes e, indiferente à sucessão dos governos, mantém-se como impávido colosso, a seduzir os que chegam e a deitar metástases nos escalões inferiores da máquina administrativa.
Num país marcado por carências e contrastes de grande magnitude, não há exemplo pior.
Ao mesmo tempo em que o governo federal postula a prorrogação da CPMF - tributo concebido para ser provisório e que se mantém indefinidamente -, aumenta seus gastos com pessoal e verbas de representação.
Aumenta e perpetua desperdícios.
A organização não-governamental Contas Abertas informa que os gastos com pessoal no gabinete do presidente da República mais que duplicaram nos últimos três anos. Idem para os gastos com cartões de crédito no âmbito dos três poderes.
Pior: a maior parte desses gastos está protegida pelo rótulo de "secreto". Por quê?
Se o gasto é público e administrativo, não envolvendo a segurança nacional, por que é secreto? E o que justifica o Estado fornecer e custear cartões de crédito a assessores?
Do ponto de vista simbólico - e a política se move por meio de símbolos -, tais sinais são altamente predatórios.
O Tribunal de Contas da União, segundo se informa, não tem como acompanhar diariamente o desembolso das estatais federais, cujo orçamento global para 2008 é de R$ 782,3 bilhões - quase quatro vezes o Produto Interno Bruto da Argentina, o segundo mais importante país do continente.
Informa-se ainda que há uma elite de 74 mil servidores federais - do Legislativo, do Judiciário e do Executivo - que desfruta de auxíliomoradia de R$ 3 mil, carro de luxo, TV de LCD, celular com gasto ilimitado, apartamento com banheira de hidromassagem e enxoval renovado a cada dois anos.
Essa elite ganha 25,5 vezes mais (!!) que a renda média do brasileiro e é mais bem paga que a cúpula burocrática do país mais rico do mundo, os Estados Unidos. Como diria Caetano Veloso, "alguma coisa está fora da ordem" - da ordem e do bom senso.
O que mais preocupa são as áreas cinzentas do Estado, em que os gastos dos agentes públicos estão fora do controle dos órgãos competentes, protegidos por sigilos que não se justificam.
República é coisa pública e quanto a isso a nossa está, em grande parte, sem sintonia com o seu sentido etimológico.
Se o Brasil quer restaurar a credibilidade em suas instituições e agentes públicos, requisito básico para chegar à condição de país do Primeiro Mundo, precisa remover essa cultura nefasta, que age como erva daninha sobre o solo republicano.
Tão importante quanto estabilizar a economia e promover o desenvolvimento é sanear moralmente o Estado. E esse desafio, é forçoso admiti-lo, ainda está por se cumprir."
FONTE: OAB - O artigo "Erva daninha" é de autoria do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, e foi publicado na edição de hoje (23) do jornal O Globo:
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