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Artigo: O prefeito não foi ao Mocambo? Claro. Ele gosta de Paris


 
 

Por NELSON TOWNES 

Sobre um artigo de Antonio Serpa do Amaral Filho

PORTO VELHO, segunda-feira, 21 de setembro de 2009 – O prefeito Roberto Sobrinho não foi ao Mocambo, onde se realizou, recentemente, um belo espetáculo com o melhor da nossa música (a música de Porto Velho) e de nossos trovadores – queixa-se Antônio Serpa do Amaral Filho, um dos mais lúcidos cronistas de Rondônia, num artigo enviado para diversos sites (inclusive para NoticiaRo). Lamento também não ter ido, mas estava na ocasião adoentado.

Antonio Serpa diz que o prefeito deveria ter ido por que, com a apresentação do show “Trinca de Reis”, teve início as comemorações dos 95 anos do município de Porto Velho. E aqui, caro confrade, devo dizer que o prefeito teve razão em não ir.

Primeiro porque nosso burgoemestre prefere ir a Paris do que ver show nativo no bairro do Mocambo. Gosto não se discute. Ele certamente não recusaria um convite para assistir a um espetáculo de Les Folies Bergéres, aquele em que as mulheres dançam música francesa, levantando as pernas para a platéia e mostrando os fundilhos.

Talvez Monsieur Cascón (o Roberto ganhou o apelido de Cascão na infância por ser parecido com o personagem homônimo da Turma da Mônica – eu disse Mônica e não Míriam – mas, embora seja carinhoso o apelido, ele o detesta) receasse ver o Zekatraca dançando o Can Can, levantando as pernas.

A segunda coisa que eu digo sobre a ausência do Roberto Cascão no Mocambo é que foi bem feito esse menosprezo pra vocês. Quando a cidade completou um século, em 2007, ninguém comemorou nada. Pelo contrário, muita gente que se diz historiador ou assemelhado, fez o prefeito suspender uma programação a respeito.

A cidade chegou, ainda sem celebrações, aos 102 anos em julho passado, e vocês e outros continuam comemorando apenas a data do aniversário do município, que foi criado 7 anos depois.

Acho importante festejar a criação do município, mas desde que a festa seja para todo o município que, como já escrevi antes, abrange todos os distritos e vilas na beira das estradas, de Extrema a Jacy Paraná, e passa por povoados ribeirinhos de São Carlos a Calama.

Por que a data só é lembrada na Capital, ainda levando muita gente a pensar que é o aniversário “da cidade de Porto Velho.”.

Concordo com o articulista quando diz que o bom governante deve ir aonde povo está, até porque Porto Velho, “neste instante histórico em que muitos valores culturais estão sendo sacrificados”, “precisa não apenas de edificações materiais”, “de bueiro, drenagem e escola”, “necessita principalmente do estofo espiritual que lhe preserve o amor-próprio e lhe fortaleça no cultivo da sua identidade”. Mas, o povo não foi ao Mocambo.

E Porto Velho não foi a única cidade em Rondônia a vir ao mundo “parida no calor dos fluxos migratórios”. Aliás, não foram fluxos migratórios que originaram esta cidade.

E aqui não está em questão se a data da fundação foi em 4 de julho de 1907, conforme a tradição oral que fala da afixação do primeiro prego no primeiro dormente da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré que a originou. Ou se foi em outro dia daquele ano, mas que foi em 1907 fol.

Tudo começou com os operários recrutados para as obras da ferrovia. Eles vinham atraídos pelas mentiras de fortuna fácil, de empregos, da mesma forma que os pobres coitados que estão trabalhando quase como escravos nessas malfadadas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, ou vem para cá em busca de empregos que não existem em Porto Velho – exceto nas temporárias obras de construção civil.

Fluxos migratórios ocorreram, sim, em Rondônia, mas depois, e eles foram mais intensos no interior, durante a Segunda Mundial e a vinda dos soldados da Borracha; depois com o ciclo da Cassiterita, do Ouro e por último o dos lavradores deportados do Sul-Sudeste para a “última fronteira agrícola” nas nossas florestas tropicais, aliás inadequadas para a agricultura – com a exceção de uma faixa de terras a leste do Estado de Rondônia.

Voltando à festa do Mocambo, digo que comemorar o aniversário da cidade de Porto Velho no dia em que foi criado o município é a mesma coisa que dizer que o Brasil nasceu em 7 de setembro de 1822, quando dom Pedro proclamou a independência;

Eu fico com a tradição oral de que a semente que se transformou na cidade de Porto Velho foi plantada em 4 de julho de 1907, versão defendida por ilustres historiadores (e combatida por um ou outro incapaz de entender que a tradição oral também é história, pois do contrário não existiria nem a Bíblia;

Então, caro confrade, quando você fala dos primeiros que chegaram por aqui, as quase 50 nacionalidades que construíram a Ferrovia do Diabo (não fale assim, diga que é a Ferrovia dos Mártires da Conquista do Oeste Brasileirol, 1.500 deles sepultados no Bosque Santo em que se converteu o cemitério da Candelária), seguidos pelos arigós, “arribando do sertão para os seringais da hiléia brasileira”; e, por último, a “cambada de brasileiros de todos os recantos do solo pátrio” e. agora os mais de 120 mil caçadores de oportunidades (e desilusões das hidrelétricas) eu não me sinto bem lendo uma comparação de Rondônia com “a casa da mãe Joana” – embora desconheça qualquer coisa que desabone essa senhora genitora nem sei de quem.

Prefiro dizer que Porto Velho, da qual se originou o Estado de Rondônia, sempre foi a casa dos homens e mulheres do mundo inteiro, do Brasil todo, que aqui buscaram e continuam buscando a oportunidade de felicidade e paz que não encontraram onde nasceram e aqui erguem um novo lar.

Se junto com eles vêm oportunistas, predadores, que retornam ricos e mal-agradecidos para os locais de origem, nós também temos muitos de nossos nativos que enriqueceram, ou se aposentaram sob a previdência aqui concedida, e estão agora no Rio ou em São Paulo, ou qualquer outro lugar mais bonito e confortável, também ingratos e esquecidos desta terra generosa – que só não é melhor, como diria a nobre jornalista Eliane Brum,da revista “Época” porque muitos de nós continua sem ver que o rei está nu – ou olha só para o próprio umbigo – e não percebe que nada faz para tornar esta cidade justa, fraterna, limpa, bonita e capaz de encantar qualquer pessoa que nos visite.

Acho que você concordará comigo, Antonio Serpa, que Porto Velho não tem fases de construção, mas de desconstrução, de descontinuidade histórica, de períodos de falso desenvolvimento, onde poucos, cada vez mais poucos, ganham milhões enquanto aumenta o número de pobres e desempregados. Períodos sempre seguidos por decadência e estagnação;

Ah, aumentou o número de casas de alto padrão, o comércio se desenvolveu com “chegada” das hidrelétricas? Para quem? Visite os guetos de pobreza, de fome e de morte nas periferias. Veja a população sobrevivendo através do crime.

O único progresso que temos aqui é o da população carcerária e a epidemia de acidentes de trânsito, agravada com o aumento do número de motocicletas nas ruas, e com a pústula dos mototáxis, bolivianizando o nosso trânsito.

Mas, como você diz, “retomando o fio da meada”, de fato o prefeito deveria ter ido ao Mocambo, e perguntar ao presidente da Fundação Cultural Iaripuna, Altair dos Santos – ao Tatá, aos convidados especiais, ao Ernesto Melo, ao Sílvio Santos e ao Bainha, por que deixam Porto Velho ser a única cidade do mundo (que eu saiba) que não comemora seu aniversário de fundação em data certa e não fizeram essa festa em julho, celebrando o segundo ano de nosso primeiro século?

Você tambem diz que “estranhamente o povo também não compareceu”, “exceto uma meia-dúzia de gatos pingados”, amantes da noite e produtores culturais, além, de resto admiradores, jornalistas e amigos dos reis, “porque o povo mesmo, o pessoal do Mocambo mesmo, a massa da mandioca, essa não arredou o pé de casa pra ver o excelente show de musicalidade nativa que se desenrolava logo ali, na biqueira dos seus cornos.”

Pois eu não acho estranho a ausência do povo. Primeiro, porque a excelente música do show do Mocambo não é a música do povo, que nem sabe que ela existe. Com certeza vai gostar, um dia vai gostar, quando ela for popularizada ; quando as rádios passarem a tocá-la e os músicos da noite a divulgarem mais em seus repertórios.

Por enquanto o espetáculo de primeira classe que ali foi produzido (segundo me disseram amigos que o assistiram) não foi feito para o povo. Era música para a elite, feita pela elite, e elite somos todos nós que sabemos ler e escrever, e tomamos ônibus lendo o letreiro da linha e não pela cor do coletivo.

Os piratas dos DVDs – esses sim nossos mais eficientes agentes culturais – ganham a vida vendendo a pornô-música que o povo consome, especialmente quando mistura sexo com funções intestinais. Atrai também o povo a música alienígena, o som “country” dos rodeios, que estão acabando com os bois bumbas, ou os sertanejos que substituem nosso tradicional forró, a música dos cearenses que ajudaram a construir a ferrovia e a cidade.

“O poeta Mado, com seus trejeitos chaplinianos e discurso poético cativante e improvisado, até fez a chamada geral por diversas vezes, mas o povo do Mocambo não deu muita bola” - deve ter sido xingado por atrapalhar o som da TV da vizinhança.

A que horas mesmo foi o show? Essas coisas culturais não devem feitas durante a semana, na hora da novela em que o povo quer ouvir o Toni Ramos se queixando de “lamparinas apagadas” em sua cabeça na novela do “Caminho das Indias”. Nem é possível disputar audiência com a ‘Zorra Total”, nos sábados, ou com as vídeo-cassetadas do Faustão, ou o baú da felicidade do Sílvio Santos (o do SBT) nos domigos.

Por isso você tem razão quando diz que não se faz cultura popular por decreto, nem por chamamento oficialesco em cima da hora, ainda que na voz de poetas. Exceto se o poeta for um vate igual ao que compôs os versos sobre uma eguinha que fazia pocotó, pocotó, potocó – de rima riquíssima, aliás.

“O povo pode ser alienado, mas não é burro”, diz você. Claro: o povo só consome, ou só assiste, o que gosta. Alguém seria burro ao ponto de desligar a TV pra ouvir uma música que nem serve pra colocar em carro tunado?

Quem gosta de comer churrasquinho no espeto sentado em mesa na calçada, bebendo cerveja ao lado de boca de lobo exalando proteínas de baratas, quer curtir o som do porta-malas aberto fazendo o bairro inteiro ouvir tum-tum-tum. E quanto mais fumaça com cheiro de esgoto, mais gordura, e mais farinha e fedor, melhor.

Portanto, caro Antonio Serpa, o problema não é avisar as pessoas com antecedência, ou cativá-las. O problema é entender que nós é que temos um nível de alienação de tamanho grau que sequer conhecemos o nosso povo. Ou melhor, não sabemos que esse não é o nosso povo, ou platéia.

Quanto á administração petista ela se dá conta, sim, de que o buraco da comunicabilidade povo-governo é mais embaixo. Embaixo da bolsa família.

De fato, como você insiste em dizer, a autoridade maior do município deveria ter ido. Sobrinho poderia ter levado parte do seu secretariado, poderia ter pedido para o povo curtir seus poetas e músicos magistrais. Mas, aí o povo iria perguntar não pela trinca de reis, mas pelo trio elétrico, iria perguntar pela Ivete Sangalo e dizer que aquilo não é axé-music. O lado positivo da conclamação seria ele perder votos e termos a possibilidade de nunca mais ele ser eleito para nada.

Você é injusto quando diz que o poder deve ter o poder de abrir praças e vitrais também para a sensibilidade. Ele abre: cidade não está carente de alma, de personalidade e auto-estima.m diz É feia, suja e tem raiva de quem mostra suas mazelas. Tem obras e asfalto pra todo lado? Mais ou menos e em cada rua supostos templos evangélicos caça-níqueis, comercializando o nome de Cristo e uma infinidade de rádios tocando mais música gospel do que rock ou sertanejo. Aliás, já tem rock-gospel e logo vai surgir sertanejo-gospel. Aleluia!

Você diz que a nossa urbanização é extremamente tensa, ferina e pirante? É, mas só para quem mora no centro. Na periferia não há urbanização. Pirante mesmo é não ter ônibus na periferia, você pegar um mototáxi e acordar todo quebrado no pronto socorro (estadual.)

Você diz ainda que o Partido dos Trabalhadores, antes de chegar ao poder, era mais apaixonado por suas bandeiras de luta. E continua. No poder, aqui nestas barrancas- ele está embevecido com certo racionalismo pragmático e um percebível objetivismo eleitoreiro que custamos a perceber.

Nós é que precisamos de sandálias da autocrítica. Reconhecer que o Mocambo errou ao cantar o hino de Rondônia dando parabéns a Porto Velho na data errada. E por que não cantaram também o Hino do Município? À propósito, meu caro, esqueça essa história de Ponto do Velho ou Porto Velho dos Militares, como a origem do nome da cidade. A origem é: porto velho de lenha.

Porto do Velho nunca houve. O velho Pimentel nem é mito, nem lenda, é invenção. Porto Velho dos Militares foi uma referência verdadeira, mas muito antes dos americanos de Farquhar chegarem. O nome do lugar pelo qual era conhecido pelos americanos que fundaram a cidade era porto velho da lenha, lugar que abastecia os navios a vapor que atracavam em Santo Antonio.

O porto estava abandonado, por não ter mais lenha, por isso era chamado de “velho” quando os empreiteiros de Percival Farquhar mudaram para cá o canteiro de obras do qual se originou a cidade.

Por último você diz que ao Mocambo não foram os vivos, “os mortos (do cemitério no local) é que inexoravelmente tiveram que assistir de camarote a belíssima presentação dos nossos mais expressivos artistas populares no mundo samba.”

Belo o final de seu texto, Antonio Serpa: “Os mortos, Jesus Cristo e seus doze apóstolos, pelo menos na pintura irônica que posava de pano de fundo ao local onde o show acontecia. A pequena praça encostada ao muro do Cemitério dos Inocentes serviu de palco aos três reis magos beradeiros.

“Bainha, cuja mãe, dona Marieta, está enterrada naquele campo santo, trouxe o repertório abre-alas, relembrou saudosas marchinhas da Banda do Vai Quem Quer e do Galo da Meia-Noite, invocou o falecido sambista Babá e declarou com orgulho que é da sete de setembro, lá do quilômetro um, bairro de gente bamba, de muita mulher, futebol e samba.

“Sílvio Santos chegou com muito gás, samba no pé e fôlego para passear do samba-canção ao forrobodó, de Ceará de Iracema a 100 Anos de Alencar, da toada de boi às recordações do porto, velho porto.

“Menino criado sem cueca em São Carlos, Sílvio presenteou o Mocambo com a garbosidade da sua arte musical, contando causos, rindo e fazendo o povo rir, cantando e emocionando os corações, traduzindo no seu ofício de cantor o amor que deveras sentimos, ou deveríamos sentir, pela cidade de Porto Velho” – e demonstrá-lo, digo eu, fazendo espetáculo igual quando a cidade completar 103 anos em 4 de julho de 2010.

“Amor que cresceu em extensão, profundidade e expressividade quando ao palco chegou Ernesto Melo, o poeta da cidade. E, ao som dos tantans, pandeiro e viola, o samba cresceu, floresceu e apareceu no território livre do Mocambo, ajuntamento de pretos, amantes da liberdade, invocadores de Zumbi e cultores de Quilombos. Mocambo que, no dizer poético de Ernesto Melo, cheirava desgraça, cheirava cachaça, cheirava mulher...”

Querem povo? Querem que essa música, essa arte, essa poesia, se torne “do povo” – e não apenas de um grupo talentoso porém sem público? Então vão às escolas de Porto Velho, cantem, declamem, contem histórias antigas para as crianças, para os adolescentes. Eles os ouvirão, os amarão , aplaudirão, pedirão bis e estarão presentes, no futuro, em todos os shows que vocês e seus seguidores fizeram.

Os mortos do cemitério Mocambo precisam não da arte viva, mas de nossa prece e saudade. Mais mortos estão o povo e o prefeito que não foram ao show, pois não têm nada a ver com a nossa cultura e não têm interesse por nenhuma arte.

O nosso povo está nas escolas, é o nosso futuro melhor, que merece conhecer nossos artistas. Os estudantes são sua verdadeira e viva platéia.

São o melhor que esta centenária cidade tem: sua juventude. Não a abandonem. 

Fonte:  NELSON TOWNES / NoticiaRo.com
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