Quarta-feira, 22 de julho de 2009 - 08h50
Rogério Schmitt* (CONGRESSO EM FOCO)
O projeto de reforma eleitoral aprovado na Câmara um pouco antes do recesso parlamentar – e que poderá ser votado no Senado no segundo semestre – não contém nenhum dispositivo para desestimular a participação dos chamados candidatos “ficha suja” nas próximas eleições.
A provável manutenção do “status quo” inevitavelmente trará de volta no ano que vem a mesma polêmica das eleições do ano passado. As urnas eletrônicas continuarão trazendo os nomes de candidatos que respondem a processos criminais ou que já foram condenados por instâncias inferiores do poder judiciário.
Essa não é certamente a solução ideal para uma das mais graves imperfeições da nossa legislação eleitoral. Mas creio ser ainda mais grave entregar a solução desse problema ao arbítrio dos juízes eleitorais, como querem alguns. E as recentes eleições municipais têm muito a nos ensinar.
Nas semanas que antecederam o início da campanha eleitoral de 2008, o noticiário político foi tomado pelo debate sobre a possível impugnação dos candidatos que respondiam a processos criminais e/ou que possuíam condenações judiciais. A iniciativa de tentar impedir a candidatura de políticos com “ficha suja” partira de juízes ligados aos tribunais regionais eleitorais.
Esse ativismo de alguns juízes eleitorais vem se repetindo há algumas eleições, mas não vem encontrando amparo legal. O Tribunal Superior Eleitoral tem sistematicamente se pronunciado a favor do cumprimento estrito dos dispositivos contidos na chamada Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64, de 18/05/1990). Essas regras determinam que somente podem ser impugnadas as candidaturas de políticos condenados judicialmente em última instância.
Felizmente, a interpretação literal do texto legal continuou prevalecendo nas eleições do ano passado. O plenário do TSE deu ganho de causa a todos os candidatos a prefeito e a vereador cujos registros haviam sido rejeitados pelas justiças eleitorais dos estados com base em princípios distintos daqueles previstos na Lei das Inelegibilidades.
O fato é que o movimento liderado pelos juízes eleitorais estaduais propõe a abertura de um precedente institucionalmente perigoso para a democracia: a possibilidade de que burocratas não-eleitos pelo voto popular decidam – com base em critérios subjetivos – quem pode e quem não pode concorrer às eleições. Em nome da “moralidade pública”, esses juízes ativistas pretendem se autoconceder o direito de impugnar candidaturas de políticos que não foram condenados em definitivo sequer pela própria justiça.
Essa pretensão seria particularmente arbitrária no caso de políticos que respondem a processos criminais, mas que ainda não foram julgados nem mesmo em primeira instância. Na ausência de uma lei, os mesmos tipos de processos poderiam ser aceitos ou recusados por diferentes juízes de acordo com critérios subjetivos.
Entretanto, mesmo na hipótese de políticos que já foram condenados em primeira ou segunda instâncias, a proposta dos juízes eleitorais também seria problemática caso fosse aplicada. Na prática, os membros do Judiciários estariam legislando – e sem passar pelo crivo do voto popular.
A competência de recusar legenda a políticos envolvidos em problemas judiciais deveria caber aos próprios partidos políticos, pois a filiação partidária também é um pré-requisito para se disputar eleições. Uma segunda – e mais realista – alternativa seria a alteração da Lei das Inelegibilidades pelo Congresso Nacional, com uma melhor especificação das possibilidades de impugnação de candidaturas por motivos judiciais. Mas, pelo andar da carruagem, teremos que esperar pelo menos até 2012 para que isso aconteça.
Seja como for, a legislação em vigor está longe de ser perfeita, e há enorme espaço para que ela seja aperfeiçoada no futuro. Mas acredito que ela ainda é preferível à alternativa apresentada pelos juízes ativistas, a qual criaria enorme insegurança jurídica e violaria o princípio democrático da presunção da inocência até prova em contrário. Uma regra que permite a absolvição de culpados será sempre melhor do que outra que permita a condenação de inocentes.
*Consultor político, coordenador de Estudos e Pesquisas do Centro deLiderança Pública (CLP) e Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Foi professor da Universidade de São Paulo (USP), da PUC-SP e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Publicou o livro "Partidos políticos do Brasil: 1945-2000" (Jorge Zahar Editor, 2000) e co-organizou a coletânea Partidos e coligações eleitorais no Brasil (Unesp/Fundação Konrad Adenauer, 2005).
Fonte: CONGRESSO EM FOCO
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