Quinta-feira, 16 de abril de 2009 - 11h31
Neusa Tezzari
Sou
professora da Universidade Federal de Rondônia. Nasci em Queirós, vivi
parte da minha infância, minha adolescência e o início da juventude em
Lins, ambas no interior do estado de São Paulo. Moro em Porto Velho há
26 anos.
Estou,
atualmente, em Campinas, desenvolvendo atividades relativas à minha
inserção no Programa de Pós- Doutoramento da Unicamp, desenvolvendo uma
pesquisa sobre os migrantes de Rondônia, junto ao Grupo de Pesquisa
Memória, História e Educação, da Faculdade de Educação.
Estou
numa cidade grande, onde há o maior shopping da América Latina, com
acesso aos bens culturais, gastronômicos e tecnológicos mais avançados
do mundo, pertinho de São Paulo, onde posso acessar o melhor teatro, o
melhor cinema, a melhor programação cultural, enfim.
Amo
ir à Pinacoteca, ao Museu da Língua Portuguesa, passear no Mercado
Municipal, comer ostras, ir ao cinema, curtir os seus inúmeros
shoppings. Até poderia faze tudo isso no próximo feriadão da Páscoa.
Mas
sabem o que vou fazer? Estou morrendo de saudade de Porto Velho.
Estou
contando os dias para que chegue a Páscoa. Quero voltar para a "minha
terra": Porto Velho, Rondônia.
Estou
com uma saudade danada de uma boa caldeirada de dourado, de um tacacá
bem quentinho, de degustar um creme de cupuaçu, voltar a ver o mais
belo por do sol do mundo, que é o pôr do sol no rio Madeira.
Quero
também rever amigos, estar entre os meus amados e tomar um maravilhoso
açaí.
Ah!
E vou aproveitar para fazer exames de rotina: mamografia,
ultrassonografia uterina, dosagem hormonal etc. temos clínicas com
aparelhagem sofisticada e atual e tenho certeza de que farei tudo nos
quinze dias em que ficarei em casa.
Rondônia
é uma terra-mãe gentil, acolhedora. Recebeu, nos diversos ciclos
migratórios gente de todo o Brasil.
Se
este país é uma colcha de retalhos tal a diversidade de falares, de
crenças, de rituais, de costumes, de culinária, de vestuário, de
criação artística, enfim, de jeitos de estar-no-mundo, Rondônia é uma
bela amostra dessa colcha.
Tem
sido vítima de colonizadores, gente que vem buscar sustento, melhoria
de vida, e que se vai, assim que consegue. Gente que fez como os
portugueses quando chegaram ao Brasil. A ideia que subjaz às práticas e
às concepções dessas pessoas é extrair, no pior sentido que essa
palavra pode ter.
Mas
quem chega aqui com olhos de ver, com generosidade, vê mais que falta
de saneamento básico - lembremos que o estado de São Paulo tem sérios
problemas de saneamento para serem resolvidos ainda.
Os
custos dos imóveis estão exorbitantes, é verdade. Um corretor de
imóveis chegou a me dizer que no centro de Porto Velho, um metro
quadrado está mais caro que a mesma mediada no Leblon.
Também
fomos vítimas desse processo, no início da década de 1980, quando o
comércio nos tratava a todos como se fôssemos garimpeiros bamburrados,
praticando preços muito acima do valor coerente.
Mas,
para analisarmos com critério e não ficarmos falando que isso acontece
porque é em Porto Velho, vale perguntar: em qualquer outro lugar do
Brasil seria diferente? Onde não haveria especulação? Onde as pessoas
deixariam de se aproveitar do momento?
Tem
sido comum as pessoas alugarem as suas casas, mudando-se para
apartamentos apertados, em função do lucro que o boom imobiliário deu.
Conheço pessoas que alugaram suas casa por três vezes o valor do
aluguel, em tempos normais. Não há como negar. É uma pena.
Eu
escolhi ficar na minha casa, grande, aconchegante; não abro mão da
minha qualidade de vida por nada no mundo. A casa que construímos, eu e
meu marido, a duras penas, com trabalho honesto é o meu porto seguro, o
lugar para onde gosto de voltar a cada fim do dia. São nossas escolhas.
Mas
Porto Velho não é o inferno na terra.
Quem
chega com uma postura generosa, com amorosidade, quem vem somar, ajudar
a construir o norte do Brasil vê muito mais que apenas suas mazelas,
que, diga-se de passagem, não são piores que as do restante do Brasil.
Quem
vem passar "uma chuva", sabendo que não vai ficar, quem se deixou levar
pelo que a mídia fala de nós, muitas vezes, num tom generalizante e
equivocado, quem só veio buscar sustento, riqueza, melhoria de vida
para plantar em outro lugar, quem já veio disposto a ver o feio, o que
não funciona, não vai ver nada de bom mesmo. O olhar já chega
contaminado.
Como
vamos interagir com pessoas que nos veem assim?
Estamos
no início deste novo ciclo, em função da construção das usinas. Todo
dia tem alguém que "Chegou hoje" a Porto Velho.
Antes
de embarcar para Campinas, vivi uma cena hilária, para dizer o mínimo:
Estava
num salão, cortando o cabelo e entrou uma moça recém-chegada.
Reclamou
de tudo: do trânsito, disso e daquilo e terminou perguntando:
O
sol de vocês nunca esfria não, é? Estou andando de roupa de mangas, é
muito ardido!!!!
Alguém
já viu o sol esfriar?
Não
há o sol de Rondônia, há o sol de todos nós.
Mas,
em Rondônia, ele brilha lindamente.
Aos
que chegam, cheguem com o coração aberto, abram os olhos para ver tudo
e verão que há belezas, sim, no plural. Que há acertos, limpeza,
progresso, sim! Sejam, apenas, delicados. Permitam-se experienciar
outra região, outros falares, outras crenças, outros jeitos de
estar-no-mundo.
Vocês
encontram uma história que começou de há muito. Há que se respeitar os
que aqui nasceram, os que aqui chegaram muito antes de vocês e que
estão se esforçando para tornar esta terra um lugar onde é muito bom
viver.
Precisamos
disso.
Rondônia,
Porto Velho e as demais cidades precisam disso: amorosidade,
delicadeza, força de trabalho, amor à terra que os acolhe e que
garantirá o seu sustento. É por isso que vocês vieram, não é?
Então,
sejam bem-vindos!!
Quem
sabe, vocês desenvolvem uma relação de pertencimento com esta terra e
vão ficando por aqui quando terminar a construção das usinas?
Fonte: Neusa Tezzari
tezzari@uol.com.br
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