Quinta-feira, 23 de julho de 2009 - 18h06
Um século após o grande empreendimento que foi a Madeira Mamoré Porto Velho se vê envolvido em outro projeto de proporções internacionais, são as usinas do rio Madeira nas cachoeiras de Jirau e Santo Antônio.
A Amazônia possui uma história trágica em relação as grandes obras, muitas delas foram feitas e não serviram para nada, como o caso da Fordlândia em 1928, que não produziu nada, o projeto foi abandonado. O projeto Jarí, maior fábrica de celulose da época que não foi adiante. A Madeira Mamoré, inaugurada quando a matéria prima que a gerou, a borracha, estava em decadência. O Real Forte Príncipe da Beira que não chegou a dar um único tiro e Transamazônica, que foi destruída no primeiro inverno Amazônico, e vamos ficar com esses exemplos, pois são muitos os erros cometidos.
As obras das hidrelétricas são fundamentais para atender ao ritmo de crescimento do país, as duas obras já estão em andamento e atraíram várias outras, transformando a cidade em um verdadeiro canteiro de obras, diante de tantos traumas históricos não tem como não ficarmos temerosos, pois o projeto altera profundamente um grandioso eco sistema dentro do nosso universo natural.
Não faço parte do grupo dos “ecos chatos”, que pretendem a Amazônia intocada, nem dos que apóiam os projetos a qualquer custo. Defendo que é preciso estudar profundamente a Amazônia, levando-se em consideração seus pesquisadores e seu povo para qualquer iniciativa que atinja sua biodiversidade. A riqueza deve ser explorada e o resultado dessa exploração beneficiar as pessoas que vivem aqui de forma a atingir os vários segmentos sociais, evitando mais concentração de renda.
A menos de dez anos a cidade de Porto Velho contava com uma dúzia de prédios com mais de dez andares, foram construídos em menos de oito anos mais de cinqüenta prédios e estão em construção ou na planta mais de cem, outras obras menores se proliferam violentamente por todos os lados.
Muitas obras públicas foram surgindo nesse afã desenvolvimentista e não conseguem ser concluídas, gerando desconforto aos olhos de quem acompanha ao longe e desconforto aos que necessitam dos seus serviços.
O pacato trânsito da cidade se transformou, congestionamentos e acidentes se tornaram muito mais comuns. As pessoas vivem com realidades que só eram percebidas pela televisão nas grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro.
A cidade que não possuía um Shopping Centers, viu inaugurar um com cinco salas de cinema e mais de cento e cinqüenta salas, um outro já está em construção com previsão para ser inaugurado em 2011.
As pessoas andam com maior rapidez nas ruas, não se tratam pelo nome, olham muito mais para o futuro do que para o próprio presente. O passado virou algo sem sentido.
Investimentos dignos das grandes metrópoles estão sendo aplicados, projetos bilionários e quantidades de dinheiro que não se consegue escrever são ditos nos programas televisivos a todo o momento.
Porto Velho se tornou uma espécie de capital do “PAC”, Plano de Aceleração do Crescimento implementado pelo governo federal. Alguns analistas afirmam que em 2015 a cidade estará com um milhão de habitantes. É assustador para uma cidade que ha trinta anos possuía cem mil habitantes e estava completamente isolada do restante do mundo.
Temos a sensação de que o poder público municipal foi pego de surpresa, não fez uma projeção correta do que vinha pela frente.
É interessante que tanto dinheiro vá chegando e o sentimento de crise não passe, as pessoas não conseguem captar parte desses recursos, eles ficam com as grandes empresas dando seqüência a nossa cultura de concentração de renda onde somente restos e sobras ficam.
Nesse contexto, a cidade e as pessoas se tornaram grandes vítimas do desenvolvimento concentrador de renda. As obras em andamento nos passam a idéia de que foram mal planejadas, não surgiram do diálogo entre a comunidade e o poder público, além de pouco transparentes em seus custos.
Assim, Porto Velho, não é reconhecida mais pelos seus filhos mais velhos, tudo está diferente, moderno, acelerado, sem tempo para sua interioridade. Passado, cultura e valores que a identifiquem como uma cidade amazônica: misteriosa, desconhecida, cheia de mitos e lendas fantásticas, elementos que vão saindo da cena cotidiana e quando menos esperamos desaparecem causando um sentimento de angústia e saudade.
O encantamento de botos, cobras grande e iaras, dos velhos caboclos, dos xamãs de outrora saíram da vida real na esperança de se eternizarem nos livros postados nas poucas bibliotecas.
Os novos conquistadores, bandeirantes e aventureiros atropelam as regionalidades e impõem seus valores mais capitalistas, urbanos, científicos etc.
Não percebem a sua volta pessoas com olhinhos puxados cor avermelhada cabelos negros ligados a coisas como tapiocas, tambaquis e pirarucus e mapinguaris.
Fonte: EMMANOEL GOMES
PROFESSOR E HISTORIADOR.
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