Sexta-feira, 10 de abril de 2009 - 17h02
Chegou a Páscoa! No próximo domingo estaremos reunidos em família para os tradicionais almoços e perdendo a linha da dieta saboreando os ovos de chocolate e todas as guloseimas típicas desse período do ano. Para muitos, a Páscoa, assim como o Natal, são as únicas datas do ano para aquela visita aos pais e avós, aqueles que um dia foram jovens, nos colocaram no mundo e agora, depois de velhos, estão relegados ao nosso esquecimento diário e aos momentos festivos. É triste perceber que muitos de nossos idosos são tratados como biscoitos amanteigados dispostos em uma lata que ficará escondida no alto do armário da cozinha e de lá só sairá em ocasiões muito especiais. É lamentável que isso ainda aconteça.
Na semana passada, uma inusitada troca de mães em um hospital de São Gonçalo, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, chocou o Brasil. Duas senhoras com cerca de 60 anos de idade sofreram um AVC no mesmo dia e foram hospitalizadas. Uma delas faleceu e a outra perdeu suas funções motoras e a memória. No "ato da entrega" às famílias, tal qual um fardo inexpressivo, nem a equipe do hospital, nem mesmo os filhos, reconheceram um pitoresco detalhe: as mães estavam trocadas. É importante ressaltar que em nada as senhoras eram parecidas. Por meses, a família da sobrevivente tratou-a como se a morta fosse e família da falecida chorou a perda daquela que estava viva.
Indiferentes aos "equívocos" administrativos do hospital de São Gonçalo, o que essa situação nos faz crer? Como podem os familiares, filhos, netos, genros e noras, não reconhecerem sua própria matriarca? A resposta é tão simples quanto indecorosa. A verdade é que, passada nossa infância, olhamos cada dia menos para nossos velhos. Na mesma proporção em que ganhamos às ruas, o nosso dinheiro e a nossa liberdade, notamos cada vez menos os fios brancos que vão surgindo naqueles que nos conceberam. E pode chegar o dia em que não saberemos mais quem eles são ao certo. Foi o que aconteceu no lastimado caso fluminense.
Mas será esse "esquecimento" um simples reflexo cultural de nossa sociedade? Assim como mantemos nossos idosos em latas de biscoito ou em fotografias antigas, nossas políticas públicas fazem questão de esquece-los. Infelizmente a tradição política brasileira está fundada sob a ótica eleitoral e como a nossa Constituição garante o voto facultativo aos cidadãos com mais de 70 anos, poucos são os governos que destinam alguma atenção que seja à Terceira Idade. Quando acontece, o máximo que vemos é a construção de calçadas para caminhadas ou a contratação de estagiários que irão ministrar pífias aulas com exercícios físicos em algum local de grande movimento e que possa render alguma visibilidade ao ato do governante.
Ainda pior: muito além das políticas públicas, não há uma compreensão do que é ser idoso. Reféns de um vergonhoso sistema previdenciário que rouba-lhes a própria dignidade e esquecidos, em sua maioria, pelas famílias, resta aos nossos velhos encontrar algum passatempo que pareça encurtar a espera da morte ou buscar, por si mesmos, alternativas de produção e prazer para curtir a vida que lhes resta. Formam agremiações, reúnem amigos para viagens, práticas de esportes ou até mesmo para partidas de carteado, vão aos bingos tentar a sorte e dominam as gafieiras com o sedutor charme da experiência. Mas fazem tudo isso por decisão e determinação. O infausto Poder Público passa muito longe dessa conversa e coaduna com a ideia da lata que deve ser escondida no canto mais alto e invisível do armário. Há uma necessidade premente de que os governos e os governantes olhem para nossos idosos e, sobretudo, que consigam enxergá-los como cidadãos em pleno gozo de seus direitos e deveres.
Quando eu era criança, um dos maiores prazeres era a sagrada visita dominical à casa da minha Avó paterna. "Vó Leléia", sistematicamente, preparava durante a semana seu inigualável doce de leite, cortava-o em pequenos cubos democraticamente medidos e contabilizados igualmente para cada neto e distribuía-os entre os diversos potes vazios de margarina, guardados com carinho e organização em sua geladeira. Cada um dos netos tinha seu pote. Em ocasiões como a Páscoa, não havia dinheiro para comprar ovos de chocolate para todos os netos. E nem precisava. Cada um de nós tinha a certeza de encontrar no domingo aqueles seus cubinhos de amor, carinho e açúcar. Sempre foi suficiente e hoje é inesquecível.
A grande diferença é que, para minha Avó, eu nunca fui apenas um cubo de doce de leite num pote margarina. Sempre fui o fiel depositário de seus conselhos e sorrisos, de seu ralho e seu afago, de suas esperanças e de seus sonhos. Que o próximo domingo festivo sirva para nos ensinar a olhar e enxergar mais e melhor nossos idosos. Não podemos esquecer nossos velhos dentro de uma lata de biscoitos amanteigados escondida num canto, em cima do armário. Eles são a melhor parte daquilo que nos constitui. Eles foram o que somos e são o que seremos. E não há ninguém melhor a quem desejar uma Feliz Páscoa. Eles são a essência e estarão sempre renascendo em cada um de nós.
HELDER CALDEIRA / Articulista Político
heldercaldeira@folha.com.br
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