Terça-feira, 13 de dezembro de 2022 - 21h41
No dia 09/12 a seleção brasileira foi
desclassificada da copa do mundo porque perdeu para a seleção da Croácia, uma
situação lamentável, mas precisamos tirar lições para frente; não
necessariamente para a próxima copa, porque pelo jeito vai ser a mesma
cantilena de que “agora vem o hexa”.
Acho eu, mesmo que alguns digam que é uma
discussão enviesada, que podemos iniciar a discussão do que significa e o que
representa jogar pela seleção Croata e pela seleção Brasileira?
Antes de entender um pouco da Croácia temos que
lembrar da Iugoslávia, uma república comunista que ficava na área dos Bálcãs. A
Iugoslávia se desintegrou com a morte de Tito e dali surgiram (mesmo que não
pacificamente) cinco países: Eslovênia (1991), Croácia (foi resultado de um
plebiscito em 25 de junho de 1991), Macedônia (1992), Bósnia e Herzegovina
(1996), e Sérvia (2003), também surgiu Montenegro cindindo-se da Sérvia em
2006; pra quem não lembra a guerra dos Bálcãs foi um horror com vidas ceifadas
e líderes sanguinários punidos pelo tribunal Penal de Direitos Humanos.
Mas, a Croácia depois de 1991 seguiu seu
caminho, tem IDH de 0,858 e o 40o no mundo, expectativa de vida de
77,6 anos, média de escolaridade de 12,2 anos, renda bruta US$30mil, mortalidade
infantil de 6 por mil nascidos, índice de desigualdade de 29,2 e em 25o
lugar no mundo.
A história contada do Brasil foi de calmaria,
com poucos conflitos, poucas guerras, poucas desavenças, não perdeu território,
mas fez guerra com o Paraguai e ganhou o Acre da Bolívia. Entretanto não é bem
assim, como exemplo, uma das fases da história brasileira que tinha tudo para
dar certo e deu errado foi a abolição da escravatura, porque os escravos
libertos foram abandonados a sua própria sorte para que a elite brasileira,
como esperta que é, mantivesse o modelo da Casa Grande, mas sem correntes, com
exploração absoluta dos brancos da casa grande. Jessé de Sousa diz que a Elite
Brasileira foi cunhada na escravidão, não se livra deste modelo porque é o modus
operandis para se manter no poder se reproduzindo e acumulando.
Depois da escravidão, o país passou de império
para república, navegou por ditaduras, golpes de estados aqui e acolá, eleições
indiretas e diretas, mas seguimos o caminho e onde estamos, IDH de 0,754 e o 87o
no mundo, expectativa de vida de 72,8 anos, média de escolaridade de 8,1anos,
renda bruta US$14,4mil, mortalidade infantil de 20,5 por mil nascidos e índice
de desigualdade de 48,9 e em 152o lugar no mundo.
País |
IDH* |
Expectativa de vida* |
Anos e média e escolaridade* |
População (milhão) |
Renda bruta per capita (US$/hab)* |
Mortalidade infantil (mortes por mil
nascidos)** |
Índice GINI Desigualdade*** |
Croácia |
0.858 (40o) |
77.6 |
15.1 (12,2) |
4,11 |
30,132 |
6 |
29,2 (2021) |
Brasil |
0.754 (87o) |
72.8 |
15.6 (8,1) |
212,56 |
14,370 |
20,5 |
48,9 (2020) |
*
https://static.poder360.com.br/2022/09/idh-2021-2022-8set-2022.pdf
**https://news.un.org/pt/tags/mortalidade-infantil
*
https://pt.countryeconomy.com/demografia/indice-de-gini
Mas onde está a relação com a Copa do Mundo? Não sei se há relação, mesmo assim vou me
atrever a falar que as diferenças entre os dois países definiram que um
seguiria e o outro voltaria para casa (só poucos vieram para o Brasil, a maior
parte só fez um pequeno trajeto entre o Catar e a Europa), além do que ficou
visível para mim que pouco sei de futebol (sou torcedor do Bangu Atlético Clube
do Rio de Janeiro) que Croácia jogou com o coração e o Brasil não.
Mas vamos lá, o IDH, a escolaridade, a
expectativa de vida, a renda per capita são maiores que do Brasil, além da
mortalidade infantil ser de 6 mortes por mil na Croácia e no Brasil ser de
20,5, e pior ainda é que a desigualdade medida pelo Índice de GINI no Brasil é
de 29,2- 152o lugar no mundo - e da Croácia é de 48,9 - 25o
lugar no mundo, ou seja, na Croácia se estuda mais, se tem menos pobreza e a
qualidade de vida é maior. Assim, por consequência, proponho que você olhe
alguns pontos fundamentais que tem e não tem relação com a copa do mundo: a
Croácia lutou para se transformar num país autônomo e a Croácia jogou como
equipe sem ter a idolatria por um jogador. No Brasil a idolatria girava em
torno de Neymar, que caiu mais que ninguém (mesmo que o gol feito seja de
craque).
A sociedade no Brasil é tão desigual porque a
elite mantém essa situação. No futebol, os jogadores não são da elite até
porque a maioria saiu das periferias esquecidas e o futebol os resgatou, mas se
comportam como se da elite fossem. Mas as relações do futebol refletem as
relações de exploração das elites, vejam como se comportam os empresários dos
jogadores, vejam as irregularidades nas transferências, os altíssimos salários
de poucos e os baixos salários da maioria que fica por aqui no Brasil, ainda se
observarmos que os técnicos são os “comandantes” e a eles é dado o poder discricionário
para a escolha de jogadores e, por fim, reparem que estes escolhidos quando
ainda estão no Brasil saem para receber grandes salários fora do Brasil, ou
seja, o estrelato do futebol não é para todos e sim, para poucos.
Paulo Freire disse que o pior explorador é
aquele que já foi explorado. Os jogadores estrelas da seleção postam carros,
relógios, jantares opulentos, mas é interessante observar que quem os vê
torcendo febrilmente pelo hexa aqui no Brasil por vezes não tem certeza se vai
ter a próxima refeição, são realidades chocantes e distintas que demonstram a
distância que há entre os jogadores estrelas e a realidade brasileira, ou seja,
confirma o que disse Paulo Freire, porque fica claro que as nossas
desigualdades não comovem os jogadores. Mais ainda é possível olhar com mais
detalhes o comportamento específico dos jogadores na copa - se não fosse
trágico seria cômico - que vários jogadores tenham deixado o cabelo “loiro” e
não era para confundir os jogadores adversários, mas sim, para se tornarem
iguais ao ídolo, ou seja, é o complexo de vira lata (criado por Nelson
Rodrigues na derrota da copa de 1950); sem a necessidade de ser um
especialista, podemos concluir que apenas o investimento em Educação por salvar
o país desse comportamento; veja só uma diferença entre nós e a Croácia, lá o
nível de escolaridade é maior 50% que no Brasil.
Acho que o comportamento do time croata reflete
a garra do povo que lutou para ser um país, que é diferente dos nossos
jogadores que estão na seleção porque foram agraciados para estarem lá, mas não
se dão conta que a sorte esteve ao lado deles e que não agraciou os milhões de
desvalidos brasileiros que por aqui permanecem. Não temos no nosso espírito o
sentido de brasilidade, porque todos os jogadores que são estrelas tiveram que
sair do país para serem estrelas.
Por outro lado, a nossa desigualdade dá aqueles
que estão na Casa Grande a capacidade de olhar diferente e de forma superior
para aqueles que não estão no mesmo patamar, como foi o caso do “comandante” Tite,
que depois da derrota simplesmente abandonou os jogadores no campo e foi para o
vestiário: se comportou como um falso comandante que abandona sua tropa, mas
não se pode esquecer que ele é apenas um “comandante” futebolístico que foi
enriquecido pelo futebol, mas que se comportou como a Elite que abandonou os
escravos à sua própria sorte após a abolição.
Por outro lado, melhor assim que o Brasil tenha
perdido, porque nós brasileiros já podemos voltar a pensar nos nossos problemas
e no natal, ano novo, nas férias e no carnaval, isso sim é voltar ao normal.
Artur
Moret
– Professor, coordenador do Grupo de
Pesquisa Energia Renovável Sustentável
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