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Crônica

A mulher, a literatura e a academia


A mulher, a literatura e a academia - Gente de Opinião

Respondendo à máxima popular: quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha, a ciência não titubeia, o “feminino veio primeiro. É básico”. Cai por terra, cientificamente, o mito de Adão.

No começo dos ajuntamentos, as sociedades eram matriarcais, só com o advento das civilizações, oriundas do Crescente Fértil, há cerca de 12 mil anos, é que as religiões passaram a fortalecer o patriarcado, fundadas no criacionismo masculino, relegando à mulher uma categoria secundária, resultante da observação dos animais irracionais. Contudo, na natureza, nem sempre o macho é mais belo e mais forte que a fêmea; a aranha caranguejeira, por exemplo, além de maior, depois que acasala, mata e come o macho. Se a moda pega!? Rsrs.

No contexto sócio-histórico-cultural a mulher esteve sempre sob a sujeição vexatória do patriarcado, os valores centrados no poder do homem refletiam as ideias de deuses machistas. O mundo preparou melhor a competência masculina, segregando a mulher do acesso à educação, à cultura. Nesta ingrata luta de equiparação de forças, as desvantagens femininas advêm do império da força muscular, ou da força de argumentos consuetudinários machistas centrados nas várias religiões espalhadas pelo mundo.

Ainda bem que este poderio machista secular vem se diluindo, por conta da solidariedade de parcela da comunidade masculina, mais intelectualizada, e de visão mais abrangente, surgida paralelamente aos movimentos feministas que, a partir da década de 1960, estimularam uma consciência de alteridade em defesa da identidade cultural e histórica da mulher.

O Deus criador, dos hebreus e posteriormente dos cristãos, fez a mulher a partir de uma costela do homem, ou seja, ela era um mero subproduto dele, e devia-lhe irrevogável submissão, codificada em vários livros da Bíblia. O hebraico sequer tinha uma palavra que significasse “mulher”, e Eva não era um nome próprio, simbolizava a mãe de todos os viventes. Das mulheres bíblicas, destaco Judith, a que usou inteligentemente o sexo para subtrair a cabeça do inimigo.

 Acreditava-se na Grécia, que o gênio artístico guardava uma porção divina da qual as mulheres não faziam parte. Predestinada e vista como ser incompleto, no direito romano chegou a ser considerada “res” (coisa). Volto a lembrar, à mulher, foi negado, durante muitos séculos, o acesso à educação e ao conhecimento, tentaram impingir-lhe ignorância eterna.

Vivenciando a família, ser escritora era uma compensação, porquanto ela se dividia entre o chamamento da arte literária e as imposições sociais, que exigiam dela o desempenho de papéis predeterminados: “a febre de produzir, de poder sucessivamente criar um filho de sua carne e um filho de seu sonho, fazer o homem e criar a ficção, desfraldando a bandeira da pátria duas vezes, no culto da família e no da arte literária, é uma sensação nobre e que oferece à consciência da mulher uma tranquilidade perfeita”. Em muitas civilizações ter filha mulher era, e em certos países ainda é, sinal de mau agouro, ou castigo divino.

Acovardadas por esta hostilidade, poucas foram as mulheres que enveredaram pelos difíceis caminhos da literatura e, quando se dispuseram a encantar ou desencantar a palavra, para serem lidas, usaram o artifício do pseudônimo.

O reconhecimento da sociedade ocidental, embora setorial e tardio, coroou a obstinação e o talento, hoje, mulheres já não são olhadas com desdém ou indiferença, mas reconhecidas por governos, academias, universidades, enfim, reconheceram que a força do talento e da capacidade intelectual não têm sexo, embora muitos teimem em vesti-los de calças.

A historiografia literária no Ocidente sempre foi uma atividade reconhecidamente masculina, mas isso não impediu que as mulheres escrevessem. Tudo se pode escravizar no mundo, menos o pensamento, portanto o dom e a genialidade da mulher, se existirem, implodirão amarras e lhe trarão visibilidade literária, consequentemente, o sucesso almejado. Seria impossível nomear, neste pequeno trabalho comemorativo, as mulheres que emergiram da criatividade literária, que marcaram a literatura com a história de suas vidas, produzindo textos capazes de moldar a mente dos leitores, arrefecendo-lhes a solidão.

 A primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras foi a cearense Rachel de Queiroz, em 4 de novembro de 1977, ocupando a cadeira de número 5 cujo patrono é Bernardo Guimarães. Vale lembrar que a Academia Brasileira de Letras foi fundada por Machado de Assis no dia 20 de julho de 1897, portanto passaram-se 80 anos para que uma mulher ingressasse na academia.

Apesar da impossibilidade de citar todos os nomes de escritoras ilustres dos séculos 20/21, não posso encerrar minhas palavras sem declarar eterna gratidão àquelas que venceram obstáculos, pularam muros, derrubaram cercas, deixaram suas marcas orientadoras, descobrindo o caminho do sucesso entre as árvores da densa floresta masculina, sem precisar rastejar como cipós, mas fazendo dos esteios machos a sustentação que as direcionou ao alto. Parabéns, meninas! Salve 08 de março de 2022.

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