Segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022 - 14h08
Durante uma das várias chamadas do
programa BBB, há cerca de dez anos, Pedro Bial surgiu na tela, prometendo um
“zoológico humano divertido”: não sei se será divertido, mas parece bem variado
na sua mistura de clichês e figuras típicas. A que ponto chegamos, já estamos
no BBB 22 e a audiência caminha na contramão da qualidade. Naquele programa
eram 15 “animais humanos”, presos numa casa, como se estivessem num zoológico,
sendo vigiados pelo público e pela emissora patrocinadora, através de
incontáveis câmeras, apresentando suas inúmeras fraquezas e poucas virtudes
para milhões de telespectadores. Sempre haverá quem lamente a falta de um ou
outro animal, o telespectador é exigente com as varáveis da sua própria raça e
com as aberrações humanas, dignas de serem mostradas e discutidas num programa
de reality show.
Segundo a professora Mariana
Munis "tudo que envolve o processo de produção de um reality show é
pensado para satisfazer as necessidades e desejos do consumidor: as provas
precisam ser emocionantes, os participantes devem ser pessoas muito diferentes
entre si para causar conflito e até mesmo o tempo de duração do programa é
planejada para que haja uma história envolvente, com começo, meio e fim".
Nem preciso ter assistido aos 22
programas para perceber que o formato é o mesmo, mudam os animais/humanos e as
situações projetadas pela direção, conforme as particularidades dos escolhidos.
Lembro que naquele ano havia o judeu tarado, o gay afeminado, a dentista
gostosa, o negro com suingue, a nerd tímida, a morena do bundão, a “não sou piranha,
mas não sou santa”, a modelo, a nordestina sorridente, a lésbica convicta, o DJ
intelectual, o carioca marrento, a drag queen insinuante, o advogado vaidoso e
a PM que gostava de apanhar. A cada ano, mudam os bichos e as jaulas: reformam o
eufemismo casa e o cenário, para fugir um pouco da mesmice, mas não há como se
livrar da comparação com um zoológico. Por dinheiro e visibilidade na mídia, as
pessoas se sujeitam a tudo. Embora a Globo negue, seria o BBB o retrato do povo
brasileiro, daí o sucesso?
O professor de Psicologia Jonathan
Cohen, da Universidade de Haifa, em Israel, mediante pesquisa e estudos,
mostrou que os telespectadores de tais realities desenvolvem grandes
sentimentos de empatia pelos participantes e, muitas vezes, se reconhecem em
suas escolhas e ações. Muitos entrevistados confessaram a Cohen o interesse
pelos reality shows, como se fosse uma espécie de voyerismo, ou gosto por
presenciar situações de humilhação e dificuldade.
Difícil é explicar porque no Brasil
o interesse pelo formato BBB é imensamente maior do que em outros países. Na edição de 2021, o programa atingiu um alcance
médio diário de 39,8 milhões de pessoas e quebrou o recorde de maior
participação de sua história, com 3,6 milhões de votos por minuto. A
última edição do Big Brother Estados Unidos, por exemplo, teve como recorde uma
audiência de 3,33 milhões de pessoas, enquanto a versão alemã terminou com uma
média de 890.000 telespectadores em 2020. Há quem diga que o nível intelectual
do telespectador brasileiro é muito baixo, daí o interesse, o deslumbramento e
a identificação.
É bom que se saiba
que esta história de “zoológico humano” não é um fato novo, já ocorreu em
diferentes formatos e em várias regiões. A última exposição ocorreu na Bélgica,
em 1956, na cidade de Bruxelas: as imagens de uma criança negra sendo exibida
ao público e alimentada por um visitante, numa espécie de cercado, é deprimente
para não dizer revoltante. Muitos
se perguntam como foi possível aceitar esse tipo de maldade ou como tal prática
foi difundida, há tão pouco tempo. Na copa do mundo
de 1958, contam os jornalistas, crianças suecas se aproximavam de Pelé e
passavam o dedo na pele dele, como nunca haviam conhecido um negro,
desconfiavam que era um branco pintado.
Esses “zoológicos
humanos” contemporâneos eram populares na Europa e na América do Norte, onde a
população branca os visitava para comprovar a teoria evolutiva de que o negro,
o esquimó e o indígena seriam os elos humanos entre o macaco e o branco. Um
misto de animal com ser humano. O branco era sempre o modelo superior e
perfeito da civilização, em oposição aos demais, o outro. Nada diferente do que vemos ainda hoje em zoológicos com animais
classificados como irracionais ou, no caso dos BBBs, com os animais ditos
racionais.
Há alguns anos, o escritor Luiz
Fernando Veríssimo, comentando em crônica um dos BBB, proferiu palavras
raivosas que, tenho certeza, continuam na boca de milhares de pessoas sensatas
deste país: “Esta edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV
brasileira. Chega a ser difícil, encontrar as palavras adequadas para
qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência. E aí vem algum psicólogo de vanguarda e
me diz que o BBB ajuda a entender o comportamento humano. Ah, tenha dó!!! Veja
o que está por detrá$$$$$$$$$$$$$$$$ do BBB…
O
BBB é a pura e suprema banalização do sexo. Impossível assistir, ver este
programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros... todos na mesma casa, a
casa dos “heróis”, como eram chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra
gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo
na TV, seja entre homossexuais ou heterossexuais. O BBB é a realidade em busca
do IBOPE. Pedro Bial prometeu um zoológico humano divertido”.
Heróis,
minha cara rede Globo, foram os profissionais da saúde que ajudaram, e estão
ajudando, o público a enfrentar esta terrível pandemia. Assim como Veríssimo,
também acredito que o excelente jornalista Pedro Bial deva se envergonhar desta
página suja que enlameia o seu currículo. Eu sei que é chover no molhado, sei
que minha opinião, a do Veríssimo, e a de centenas de escritores que escreveram
sobre o assunto, vão diminuir a audiência global porque estamos diante de um
poderoso marketing e o envolvimento de jornalistas, blogueiros e sites de informação
que ganham milhões, tratando as migalhas do BBB, as situações deformadas da
sociedade, as aberrações, como assunto de primeira linha. Esquecem que assistir
ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta
dos valores morais sobre os quais foi construída a nossa sociedade.
E se no passado muitos realities eram considerados fúteis e
perda de tempo, esses programas ganharam mais credibilidade ao discutirem temas
de relevância social. O Big Brother, em especial, movimentou grandes debates em
suas últimas edições que alavancaram sua audiência.
Por meio de atitudes controversas dos participantes, alguns
deles acusados de machismo, racismo e xenofobia, as redes sociais foram
inundadas de textos e vídeos que contribuíram para manter a população mais
informada.
A própria Globo percebeu a relevância dessas discussões e
passou a dar mais visibilidade a elas, ao passo que abandonou práticas e
quadros que sexualizavam algumas das participantes. "O público passou a
encarar o programa de forma diferente graças a esses debates. Ao mesmo tempo,
telespectadores mais jovens e que não costumam assistir televisão aberta foram
atraídos", avalia Francfort.
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