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Zoohumano - Gente de Opinião

Durante uma das várias chamadas do programa BBB, há cerca de dez anos, Pedro Bial surgiu na tela, prometendo um “zoológico humano divertido”: não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas. A que ponto chegamos, já estamos no BBB 22 e a audiência caminha na contramão da qualidade. Naquele programa eram 15 “animais humanos”, presos numa casa, como se estivessem num zoológico, sendo vigiados pelo público e pela emissora patrocinadora, através de incontáveis câmeras, apresentando suas inúmeras fraquezas e poucas virtudes para milhões de telespectadores. Sempre haverá quem lamente a falta de um ou outro animal, o telespectador é exigente com as varáveis da sua própria raça e com as aberrações humanas, dignas de serem mostradas e discutidas num programa de reality show.

Segundo a professora Mariana Munis "tudo que envolve o processo de produção de um reality show é pensado para satisfazer as necessidades e desejos do consumidor: as provas precisam ser emocionantes, os participantes devem ser pessoas muito diferentes entre si para causar conflito e até mesmo o tempo de duração do programa é planejada para que haja uma história envolvente, com começo, meio e fim".

Nem preciso ter assistido aos 22 programas para perceber que o formato é o mesmo, mudam os animais/humanos e as situações projetadas pela direção, conforme as particularidades dos escolhidos. Lembro que naquele ano havia o judeu tarado, o gay afeminado, a dentista gostosa, o negro com suingue, a nerd tímida, a morena do bundão, a “não sou piranha, mas não sou santa”, a modelo, a nordestina sorridente, a lésbica convicta, o DJ intelectual, o carioca marrento, a drag queen insinuante, o advogado vaidoso e a PM que gostava de apanhar. A cada ano, mudam os bichos e as jaulas: reformam o eufemismo casa e o cenário, para fugir um pouco da mesmice, mas não há como se livrar da comparação com um zoológico. Por dinheiro e visibilidade na mídia, as pessoas se sujeitam a tudo. Embora a Globo negue, seria o BBB o retrato do povo brasileiro, daí o sucesso?

O professor de Psicologia Jonathan Cohen, da Universidade de Haifa, em Israel, mediante pesquisa e estudos, mostrou que os telespectadores de tais realities desenvolvem grandes sentimentos de empatia pelos participantes e, muitas vezes, se reconhecem em suas escolhas e ações. Muitos entrevistados confessaram a Cohen o interesse pelos reality shows, como se fosse uma espécie de voyerismo, ou gosto por presenciar situações de humilhação e dificuldade.

Difícil é explicar porque no Brasil o interesse pelo formato BBB é imensamente maior do que em outros países. Na edição de 2021, o programa atingiu um alcance médio diário de 39,8 milhões de pessoas e quebrou o recorde de maior participação de sua história, com 3,6 milhões de votos por minuto.  A última edição do Big Brother Estados Unidos, por exemplo, teve como recorde uma audiência de 3,33 milhões de pessoas, enquanto a versão alemã terminou com uma média de 890.000 telespectadores em 2020. Há quem diga que o nível intelectual do telespectador brasileiro é muito baixo, daí o interesse, o deslumbramento e a identificação.

É bom que se saiba que esta história de “zoológico humano” não é um fato novo, já ocorreu em diferentes formatos e em várias regiões. A última exposição ocorreu na Bélgica, em 1956, na cidade de Bruxelas: as imagens de uma criança negra sendo exibida ao público e alimentada por um visitante, numa espécie de cercado, é deprimente para não dizer revoltante. Muitos se perguntam como foi possível aceitar esse tipo de maldade ou como tal prática foi difundida, há tão pouco tempo. Na copa do mundo de 1958, contam os jornalistas, crianças suecas se aproximavam de Pelé e passavam o dedo na pele dele, como nunca haviam conhecido um negro, desconfiavam que era um branco pintado.

Esses “zoológicos humanos” contemporâneos eram populares na Europa e na América do Norte, onde a população branca os visitava para comprovar a teoria evolutiva de que o negro, o esquimó e o indígena seriam os elos humanos entre o macaco e o branco. Um misto de animal com ser humano. O branco era sempre o modelo superior e perfeito da civilização, em oposição aos demais, o outro. Nada diferente do que vemos ainda hoje em zoológicos com animais classificados como irracionais ou, no caso dos BBBs, com os animais ditos racionais.

Há alguns anos, o escritor Luiz Fernando Veríssimo, comentando em crônica um dos BBB, proferiu palavras raivosas que, tenho certeza, continuam na boca de milhares de pessoas sensatas deste país: “Esta edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira. Chega a ser difícil, encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência. E aí vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a entender o comportamento humano. Ah, tenha dó!!! Veja o que está por detrá$$$$$$$$$$$$$$$$ do BBB…

O BBB é a pura e suprema banalização do sexo. Impossível assistir, ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros... todos na mesma casa, a casa dos “heróis”, como eram chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterossexuais. O BBB é a realidade em busca do IBOPE. Pedro Bial prometeu um zoológico humano divertido”.

Heróis, minha cara rede Globo, foram os profissionais da saúde que ajudaram, e estão ajudando, o público a enfrentar esta terrível pandemia. Assim como Veríssimo, também acredito que o excelente jornalista Pedro Bial deva se envergonhar desta página suja que enlameia o seu currículo. Eu sei que é chover no molhado, sei que minha opinião, a do Veríssimo, e a de centenas de escritores que escreveram sobre o assunto, vão diminuir a audiência global porque estamos diante de um poderoso marketing e o envolvimento de jornalistas, blogueiros e sites de informação que ganham milhões, tratando as migalhas do BBB, as situações deformadas da sociedade, as aberrações, como assunto de primeira linha. Esquecem que assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores morais sobre os quais foi construída a nossa sociedade.

E se no passado muitos realities eram considerados fúteis e perda de tempo, esses programas ganharam mais credibilidade ao discutirem temas de relevância social. O Big Brother, em especial, movimentou grandes debates em suas últimas edições que alavancaram sua audiência.

Por meio de atitudes controversas dos participantes, alguns deles acusados de machismo, racismo e xenofobia, as redes sociais foram inundadas de textos e vídeos que contribuíram para manter a população mais informada.

A própria Globo percebeu a relevância dessas discussões e passou a dar mais visibilidade a elas, ao passo que abandonou práticas e quadros que sexualizavam algumas das participantes. "O público passou a encarar o programa de forma diferente graças a esses debates. Ao mesmo tempo, telespectadores mais jovens e que não costumam assistir televisão aberta foram atraídos", avalia Francfort.

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