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No brasil do Agro-Pop - a China vem ao MST (com sucesso!)


Tainá Reis - Gente de Opinião
Tainá Reis

Tainá Reis

Professora, pesquisador e Doutora em sociologia pela Universidade Federal de São Carlos


Num mundo em que as luzes da cidade aparecem como o ápice da modernidade, e do desenvolvimento, podem ser vistas da Lua, os espaços rurais por muito tempo foram entendidos como lugar de atraso. Esse pensamento imperou principalmente no começo do século XX, quando a urbanização, a imigração, o êxodo rural e a industrialização brasileiras eram os processos sociais vigentes. Porém, depois da consolidação da industrialização na década de 1950, o foco passou a ser a modernização da agricultura, com a produção de defensivos agrícolas, adubos, tratores.

A partir dali a cara da agricultura mudou no Brasil. Ela estava integrada a um “novo circuito produtivo liderado pela indústria de insumo e processamento de matéria-prima [...] Surge assim um novo padrão agrícola, orientado fundamentalmente para a integração vertical e para o incremento da produção através do aumento da produtividade” (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p.23). O Estado teve um papel crucial nesse processo, pois criou vários mecanismos para consolidar esse projeto de modernização (política de preços mínimos, de extensão, de pesquisa, incrementos agroquímicos e crédito rural). O Plano Safra, fundamentalmente do Banco do Brasil, é hoje um dos maiores do mundo.

O financiamento estatal vem favorecendo, desde lá, projetos de grande escala. O latifúndio se modernizou, houve substituição de mão de obra e maior concentração fundiária[1]. O rural e a produção agrícola nada mais tinham de atrasado (REIS, 2013). Se dermos um salto histórico, quando vemos em pleno século XXI a campanha Agro é Pop, assistimos vastos campos verdes com maquinários modernos trabalhando, agricultores manuseando suas verduras, filhotes fofos de porcos, galinhas em ambientes iluminados e espaçosos. Poder-se-ia pensar: que ótimo, deu certo!

Entretanto...

As leis e os planos econômicos estatais do período da modernização da agricultura tiveram foco “na produção de produtos exportáveis, aumento de produção e produtividade, como o Estatuto da Terra (1964), por exemplo” (REIS, 2018). Destaca-se, ainda, o Estatuto do Trabalhador Rural, que previa em suas normas o processo de “volantização da mão de obra”, ou seja, os trabalhadores permanentes foram sendo substituídos por temporários. Esses temporários, contudo, não estavam inclusos na regulamentação do referido Estatuto, o que facilitou aos fazendeiros se esquivarem sem gastos trabalhistas: uma “uberização rural”. A lei “regulamentou a intensificação da exploração da força de trabalho” (SILVA, 1999, p.64), representando também a expulsão dos trabalhadores (parceiros, colonos e arrendatários) das fazendas.

Tais legislações e políticas geraram o que Silva (1999) denominou de modernização trágica. As políticas fundiárias que favoreceram a concentração de terra e o latifúndio expulsou os pequenos agricultores do campo. As legislações expulsaram os trabalhadores rurais da terra. Assim, sem a terra para viver, produziu-se uma massa de 1) migrantes – trabalhadores rurais explorados em cadeias produtivas latifundiárias (que, no futuro, seriam cadeias do agronegócio) e 2) proletarizados – camponeses que passaram a ocupar as periferias das cidades. Vidas Secas, de Graciliano Ramos – sem muitos adjetivos no romance – é um anúncio de Brasil, em que o indivíduo social não se encontra mais com o substantivo.

Ao longo da história, muitos desses, expulsos de suas terras e casas, em diferentes situações, se juntaram ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como meio de tentar voltar a acessar seu meio primordial de existência: a terra.

Seria impossível neste espaço dar conta da complexidade do debate sobre a construção histórica do MST (suas ações, estratégias, políticas). Mas, entendendo-se que o processo de modernização da agricultura produziu um cenário que viabilizou o agronegócio – não aquele da campanha Agro é Pop, em que produtores carregam felizes suas verduras e frutas, mas o agronegócio da produção de commodities que representa degradação do meio ambiente[2] e exploração do trabalho[3] –, entendemos como os pequenos produtores, agricultores familiares sem-terra ou assentados, estão desprotegidos socialmente. É aí que entra o mais recente acordo entre China, MST e o Consórcio Nordeste[4].

Mais um tema que poderia ser muito aprofundado seria a questão agrária especificamente no Nordeste brasileiro, e, mais uma vez, por falta de espaço, não o faremos. O que é de se destacar é que por meio de uma parceria com o MST, o Consórcio Nordeste pretende trazer da China uma série de equipamentos (microtratores, colheitadeiras, plantadeiras e semeadeiras) voltados especificamente para a pequena produção agrícola, para a agricultura familiar. Enquanto o Brasil tem apenas quatro fábricas (multinacionais) de tratores, todas voltadas à produção de grandes maquinários para grandes propriedades (o que está de acordo com a formação da produção agrícola nacional, que tem priorizado há décadas a produção em larga escala), a China tem em torno de oito mil fabricantes.

O uso de máquinas agrícolas para a produção em pequenas propriedades chinesas tem garantido a segurança alimentar no campo, erradicando a pobreza rural. Trazer tal iniciativa para o Brasil é um passo importante, que vai na contramão da construção histórica de políticas e ações para o rural, na contramão do agronegócio (que não é pop). Ainda temos um país com enorme concentração fundiária – as 3,9 milhões de propriedades de agricultura familiar ocupam apenas 23% das áreas agricultáveis, conforme o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023. Porém, o acesso à modernização na produção do pequeno produtor rural, isso sim é desenvolvimento no campo. 

 

Referências

GRAZIANO DA SILVA, José. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Ed. UNICAMP, 1996.

REIS, Tainá. Propriedade e renda fundiária: configurações contemporâneas do rural paulista. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, 2013.

REIS, Tainá. Ceifando a cana... Tecendo a vida. Um estudo sobre o pós/trabalho nos canaviais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, 2018.

SILVA, M. A. M. Errantes do fim do século. São Paulo: Editora UNESP. 1999.  



[1] Houve nesse período também a expansão da fronteira agrícola, que teve profundo impacto sobre povos indígenas das regiões amazônicas.

[2] Sobre degradação ambiental e agronegócio, ver: https://diplomatique.org.br/agro-um-infortunio-ambiental-anunciado-mudanca-ja/.

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