Sábado, 11 de novembro de 2023 - 10h37
Tainá Reis
Professora, pesquisador e Doutora em sociologia
pela Universidade Federal de São Carlos
Num
mundo em que as luzes da cidade aparecem como o ápice da modernidade, e do
desenvolvimento, podem ser vistas da Lua, os espaços rurais por muito tempo
foram entendidos como lugar de atraso. Esse pensamento imperou principalmente
no começo do século XX, quando a urbanização, a imigração, o êxodo rural e a
industrialização brasileiras eram os processos sociais vigentes. Porém, depois
da consolidação da industrialização na década de 1950, o foco passou a ser a
modernização da agricultura, com a produção de
defensivos agrícolas, adubos, tratores.
A partir dali a cara da agricultura mudou no
Brasil. Ela estava integrada a um “novo circuito produtivo liderado pela
indústria de insumo e processamento de matéria-prima [...] Surge assim um novo
padrão agrícola, orientado fundamentalmente para a integração vertical e para o
incremento da produção através do aumento da produtividade” (GRAZIANO DA SILVA,
1996, p.23). O Estado teve um papel crucial nesse processo, pois criou vários
mecanismos para consolidar esse projeto de modernização (política de preços mínimos,
de extensão, de pesquisa, incrementos agroquímicos e crédito rural). O Plano
Safra, fundamentalmente do Banco do Brasil, é hoje um dos maiores do mundo.
O financiamento estatal vem favorecendo, desde
lá, projetos de grande escala. O latifúndio se modernizou, houve substituição
de mão de obra e maior concentração fundiária[1]. O
rural e a produção agrícola nada mais tinham de atrasado (REIS, 2013). Se
dermos um salto histórico, quando vemos em pleno século XXI a campanha Agro é
Pop, assistimos vastos
campos verdes com maquinários modernos trabalhando, agricultores manuseando
suas verduras, filhotes fofos de porcos, galinhas em ambientes iluminados e
espaçosos. Poder-se-ia pensar: que ótimo, deu certo!
Entretanto...
As
leis e os planos
econômicos estatais do período da modernização da agricultura tiveram foco “na
produção de produtos exportáveis, aumento de produção e produtividade, como o
Estatuto da Terra (1964), por exemplo” (REIS, 2018). Destaca-se, ainda, o
Estatuto do Trabalhador Rural, que previa em suas normas o processo de “volantização
da mão de obra”, ou seja, os trabalhadores permanentes foram sendo substituídos
por temporários. Esses temporários, contudo, não estavam inclusos na
regulamentação do referido Estatuto, o que facilitou aos fazendeiros se esquivarem
sem gastos trabalhistas: uma “uberização rural”. A lei “regulamentou a intensificação da exploração da força de trabalho”
(SILVA, 1999, p.64), representando também a expulsão dos trabalhadores (parceiros,
colonos e arrendatários) das fazendas.
Tais legislações e políticas geraram o que Silva
(1999) denominou de modernização trágica. As políticas fundiárias que
favoreceram a concentração de terra e o latifúndio expulsou os pequenos
agricultores do campo. As legislações expulsaram os trabalhadores rurais da
terra. Assim, sem a terra para viver, produziu-se uma massa de 1) migrantes –
trabalhadores rurais explorados em cadeias produtivas latifundiárias (que, no
futuro, seriam cadeias do agronegócio) e 2) proletarizados – camponeses que
passaram a ocupar as periferias das cidades. Vidas Secas, de Graciliano Ramos –
sem muitos adjetivos no romance – é um anúncio de Brasil, em que o indivíduo
social não se encontra mais com o substantivo.
Ao longo da história, muitos desses, expulsos
de suas terras e casas, em diferentes situações, se juntaram ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como meio de tentar voltar a acessar seu
meio primordial de existência: a terra.
Seria
impossível neste espaço dar conta da complexidade do debate sobre a construção
histórica do MST (suas ações, estratégias, políticas). Mas, entendendo-se que o
processo de modernização da agricultura produziu um cenário que viabilizou o
agronegócio – não aquele da campanha Agro é Pop, em que produtores carregam
felizes suas verduras e frutas, mas o agronegócio da produção de commodities que
representa degradação do meio ambiente[2] e exploração do trabalho[3] –, entendemos como os
pequenos produtores, agricultores familiares sem-terra ou assentados, estão
desprotegidos socialmente. É aí que entra o mais recente acordo entre China,
MST e o Consórcio Nordeste[4].
Mais
um tema que poderia ser muito aprofundado seria a questão agrária
especificamente no Nordeste brasileiro, e, mais uma vez, por falta de espaço,
não o faremos. O que é de se destacar é que por meio de uma parceria com o MST,
o Consórcio Nordeste pretende trazer da China uma série de equipamentos
(microtratores, colheitadeiras, plantadeiras e semeadeiras) voltados
especificamente para a pequena produção agrícola, para a agricultura familiar. Enquanto
o Brasil tem apenas quatro fábricas (multinacionais) de tratores, todas
voltadas à produção de grandes maquinários para grandes propriedades (o que
está de acordo com a formação da produção agrícola nacional, que tem priorizado
há décadas a produção em larga escala), a China tem em torno de oito mil
fabricantes.
O
uso de máquinas agrícolas para a produção em pequenas propriedades chinesas tem
garantido a segurança alimentar no campo, erradicando a pobreza rural. Trazer
tal iniciativa para o Brasil é um passo importante, que vai na contramão da
construção histórica de políticas e ações para o rural, na contramão do
agronegócio (que não é pop). Ainda temos um país com enorme concentração
fundiária – as 3,9 milhões de propriedades de agricultura familiar ocupam
apenas 23% das áreas agricultáveis, conforme o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023. Porém, o acesso à
modernização na produção do pequeno produtor rural, isso sim é desenvolvimento
no campo.
Referências
GRAZIANO
DA SILVA, José. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Ed.
UNICAMP, 1996.
REIS,
Tainá. Propriedade e renda fundiária: configurações contemporâneas do rural
paulista. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Centro de Educação e
Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, 2013.
REIS,
Tainá. Ceifando a cana... Tecendo a vida. Um estudo sobre o pós/trabalho nos
canaviais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Centro de Educação e
Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, 2018.
SILVA, M.
A. M. Errantes do fim do século. São Paulo: Editora UNESP. 1999.
[1] Houve nesse período também a
expansão da fronteira agrícola, que teve profundo impacto sobre povos indígenas
das regiões amazônicas.
[2] Sobre degradação ambiental e
agronegócio, ver: https://diplomatique.org.br/agro-um-infortunio-ambiental-anunciado-mudanca-ja/.
[3] Sobre trabalho escravo
contemporâneo no agronegócio, ver: https://www.otempo.com.br/brasil/agronegocio-lidera-lista-dos-envolvidos-em-casos-de-trabalho-escravo-no-brasil-1.2844946.
[4] Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/06/maquinas-chinesas-para-a-agricultura-familiar-estao-a-caminho-do-nordeste.
Acesso em 10/11/2023.
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