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Brasil vive distorção de normas que pode levar a Estado autoritário


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Hylda Cavalcanti, Rede Brasil AtualJuristas de todo o país, parlamentares, acadêmicos e estudantes de várias áreas discutiram hoje (29), durante seminário na Universidade de Brasília (UnB), como alguns setores do Judiciário têm tomado medidas que levaram o país próximo de um estado de exceção e o que fazer para conter a atual crise política e institucional. Boa parte das propostas apresentadas incluíram maior articulação entre juristas e representantes do Legislativo, organização de mais e maiores manifestações dos movimentos sociais, ao lado de críticas às técnicas que consideraram "autoritárias e próximas do fascismo".

Para o jurista Pedro Serrano, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a ideia de exceção é sempre ligada à anomia, ou ausência de normas. "Mas precisamos lembrar que a anomia vem da hipernomia (que é o excesso de normas), do fascismo revigorado no excesso de normas. O que termina fazendo como que todo mundo, toda a sociedade em potencial, possa ser considerada como criminosa, o que leva a novas formas de fascismo e de autoritarismo", avaliou.

A jurista e professora espanhola Maria José Fariñas Dulce, da Universidad Carlos III, de Madri, afirmou que os tempos ruins que estão sendo observados não afetam apenas o Brasil, mas também a Europa. Sendo que, a seu ver, no caso do Brasil a atuação do poder policial ataca diretamente a essência da democracia. Ela apontou como fatores que levaram a isso a corrupção desenfreada nas últimas décadas e a desconstrução de programas voltados para a redução de desigualdades, sobretudo a partir da tomada do poder por Michel Temer.

De acordo com o professor Antonio Pedro Melchior, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), táticas persecutórias civilizadas do Estado brasileiro estão sendo totalmente modificadas como se vivêssemos um estado de exceção. "A efetividade destas medidas, é importante que se diga, depende de estratégias de legalidade duvidosa que precisamos combater", destacou.

O advogado mencionou como exemplos, o que chamou de formas de violar direitos com a justificativa de se combater o crime, por meio de táticas como interceptação de advogados de defesa e métodos contraditórios para induzir pessoas a fazerem gravações e negociarem delação premiada. Melchior também citou como exemplo a Marcha da Legalidade da Maconha, realizada recentemente no Rio de Janeiro, que foi apontada como um instrumento de organização criminosa por forças policiais. "Respeitar e manter o espaço constitucional é uma das questões mais urgentes do nosso tempo", alertou.

A advogada Camila Gomes, representante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), citou atos violentos como os observados nos massacres de Corumbiara, do Carandiru e, na última semana, as mortes de dez trabalhadores no Pará. Camila citou frases do poeta Pedro Terra, ao afirmar que existe uma noção de homens sem rosto excluídos da nação. "Rondam o muro das leis. A terra vale infinitas reservas de crueldade do outro lado da cerca", destacou.

'Acinte à democracia'

A líder do PT no Senado, Gleisi Hoffmann (PR), que abriu o evento, disse que o país vive um regime muito mais de exceção do que democrático e que investigações e inquéritos não podem ser apurados à margem do devido processo legal. A senadora citou o decreto assinado pelo presidente Michel Temer, na última semana, de uso das Forças Armadas contra uma manifestação legítima de trabalhadores, em Brasília, dentro do dispositivo constitucional para Garantia da Lei e da Ordem (GLO), sem que fossem cumpridas exigências básicas para isso.

"Foi um acinte à democracia. Várias pessoas disseram que a presidenta Dilma Rousseff também tinha chamado as Forças Armadas para conter manifestações, em 2013, como forma de justificarem o ato deste governo, mas isso nunca aconteceu. O que foi chamado no governo da presidenta Dilma foi a Força Nacional de Segurança Pública, o que é bem diferente", explicou.

A senadora também disse que, "infelizmente o Estado tem um lado que o domina". "Na primeira crise econômica forte que tivemos, a classe dominante se juntou para desconstruir programas populares voltados para a população mais carente. E isto continua acontecendo agora, com uma proposta de reforma da Previdência que retira direitos de todos". De acordo com a senadora Gleisi, "a aristocracia não tem solidariedade nenhuma com o povo brasileiro", motivo pelo qual ela ressaltou ser necessária "uma profunda reforma do Estado".

O sociólogo e cientista político Emir Sader lembrou que apesar da crise de legitimidade, é importante destacar que o Brasil, apesar de sucessivos episódios truculentos e alheios às leis e à Constituição, ainda vive em uma democracia. "Temos a obrigação de encontrar uma resposta para tudo o que está acontecendo, mas é importante deixar claro que vivemos numa democracia. Não deram um golpe militar nos últimos anos porque não tiveram condições de dar", explicou.

Golpe dentro do golpe?

Ex-secretário da Casa Civil no governo Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho disse que não se pode admitir um 'golpe dentro do golpe', numa referência a todo o processo que culminou com o impeachment da ex-presidenta e a sua substituição pelo então vice-presidente, Michel Temer.

O ex-secretário chamou a atenção de políticos, acadêmicos e estudantes para o fato de que os movimentos sociais "não podem servir de veículos para provocações", numa referência à interferência de pessoas infiltradas nas manifestações da última semana, em Brasília. Segundo Carvalho, o desespero de Temer é maior a cada dia. "Ele tem medo de sair do Palácio do Planalto algemado, porque toda a história dele veio à tona", acrescentou.

O seminário, intitulado Estado de Direito ou Estado de Exceção?, tem como tema o sistema de Justiça brasileiro e os riscos que as distorções dessa estrutura trazem à democracia. É promovido pelas bancadas do PT no Senado e na Câmara, ao lado da Fundação Perseu Abramo e Frente Brasil de Juristas pela Democracia. Contou, nesta primeira parte dos trabalhos, com a presença de vários parlamentares, como os deputados petistas Carlos Zarattini (SP), Paulo Pimenta (RS), Padre João (PB) e Erika Kokay (DF), entre outros. Em relação aos senadores, além de Gleisi Hoffmann, participaram Paulo Rocha (PT-PA) e Jorge Viana (PT-AC).

Na segunda etapa dos trabalhosa, a partir das 15h, são esperadas palestras do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão e dos professores Jessé de Souza, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Marcelo Neves, da UnB. O encerramento será feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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