Sábado, 25 de janeiro de 2014 - 08h05
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Além de ser o maior roedor do mundo, a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) possui outra característica anatômica bastante peculiar. Quando atinge a maturidade sexual, por volta de um ano de idade, uma das duas principais artérias que vascularizam seu cérebro se fecha. A outra, simultaneamente, dobra de tamanho e passa por um processo de remodelamento para suprir a demanda cerebral por oxigênio e nutrientes.
Imagem obtida por microscopia confocal 3-D evidenciando terminações nervosas positivas (fluorescência verde) para endotelina 1 na artéria basilar remodelada de uma capivara adulta (FMVZ/USP) |
Um processo obstrutivo semelhante, porém mais repentino e com desfecho potencialmente mais desastroso, pode ocorrer em humanos portadores de aterosclerose ou de coagulopatias. Por causa dessa similaridade, em um artigo publicado na revista Cells Tissues Organs, cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da University College London (UCL), no Reino Unido, propõem usar a capivara como modelo de estudo do Acidente Vascular Cerebral do tipo isquêmico (AVCi) – aquele causado pela oclusão de uma artéria importante para a vascularização do cérebro.
“A capivara seria um modelo animal melhor do que o rato por ter o peso corporal médio (entre 20 e 40 quilos) e a longevidade (de 10 a 14 anos) mais comparável à espécie humana. Esta poderia ser uma área de estudo multidisciplinar, com participação da indústria farmacêutica para o teste de novas drogas”, opinou o médico veterinário e professor Augusto Coppi, responsável pelo Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química (LSSCA) do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP e coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.
Tanto no homem como na capivara, assim como nos demais mamíferos, as duas principais carreadoras de sangue para o cérebro são a artéria carótida interna e a artéria basilar. “As artérias carótidas saem do coração, passam uma de cada lado do pescoço, e quando chegam na altura das orelhas se dividem em carótida externa e carótida interna (que origina a maior parte das artérias cerebrais). Já a artéria basilar é formada pela junção das artérias vertebrais na altura da nuca. Este sistema é também chamado de vértebro-basilar”, explicou Coppi.
Nas capivaras, por volta dos seis meses de idade, a artéria carótida interna naturalmente começa a sofrer um processo de fibrose e, aos 12 meses, fica completamente obstruída por tecido conjuntivo, assemelhando-se a um cordão fibroso. Concomitantemente, a artéria basilar passa por uma readaptação estrutural para se tornar o principal fornecedor de sangue para o cérebro.
“Este é um processo fisiológico e não sabemos com certeza por que ele ocorre. Formulamos algumas hipóteses em estudos anteriores publicados pelo nosso grupo e a mais provável é que a artéria basilar assuma a função de principal responsável pela vascularização de todo o cérebro nas capivaras. A carótida interna perde sua função após a maturação sexual”, contou Coppi.
No caso dos humanos, porém, as artérias carótida interna e basilar compartilham a tarefa de vascularização cerebral. “No entanto, a carótida interna é mais suscetível a ser obstruída por placas ateromatosas (formadas por colesterol e cálcio) do que a basilar. E, infelizmente, ao contrário do que acontece com as capivaras, o processo é repentino e não há tempo do outro sistema se remodelar para suprir a demanda do cérebro”, afirmou.
Impulsos nervosos
Na pesquisa publicada na revista Cells Tissues Organs os pesquisadores analisaram amostras de tecido da artéria basilar de capivaras adultas e dos nervos que a envolvem. “Nosso objetivo era descobrir como se comportam os nervos que suprem essa artéria, que são fundamentais para garantir a motilidade do vaso e consequentemente a condução adequada de sangue e nutrientes para o cérebro. Não basta simplesmente aumentar o calibre da artéria. Se o fluxo sanguíneo não for regular e constante pelo sistema vértebro-basilar, o tecido cerebral pode sofrer lesões”, explicou Coppi.
Com auxílio de técnicas de imuno-citoquímica (que usam anticorpos para identificar moléculas em nível subcelular), da microscopia eletrônica de transmissão (que permite a visualização de estruturas em nível subcelular) e da estereologia (microscopia em 3-D), os cientistas confirmaram a existência de sinapses e terminações nervosas ativas na artéria basilar remodelada, ou seja, de comunicação entre as fibras nervosas e a artéria basilar modificada em capivaras adultas.
Confirmaram ainda a presença de duas substâncias vasoativas (que estimulam a contração dos vasos): a endotelina-1 e o seu receptor, a endotelina A.
“Nem todos os vasos têm endotelina – substância importantíssima na manutenção do equilíbrio hemodinâmico cerebral. Existem outras substâncias vasoativas, como a noradrenalina, por exemplo. Mas a endotelina oferece um controle mais fino e uma condução mais regular de sangue. Conseguimos confirmar que, após o fechamento da artéria carótida interna durante a puberdade, a artéria basilar das capivaras adultas assume o controle, duplica o seu diâmetro, tornando-se, portanto, capaz de fornecer um suprimento sanguíneo regular para o todo o cérebro”, explicou Coppi.
Segundo o pesquisador, a presença de endotelina tanto na artéria carótida interna como na artéria basilar já havia sido descrita em humanos e em ratos. Esta, no entanto, é a primeira vez na literatura médica que se confirma a existência dessa substância vasoativa na artéria basilar (e nos seus nervos associados) em capivaras.
“Estudos futuros poderão confirmar se há a presença de outras substâncias vasoativas na artéria basilar das capivaras. Sugerimos também o estudo de novas drogas que possam atuar nesse local. A ideia é pensar em novos marcadores bioquímicos que possam sinalizar e induzir em humanos uma angiogênese rápida e eficaz no sistema carotídeo e, ao mesmo tempo, ativar o mecanismo de remodelamento da artéria basilar de forma similar ao que ocorre na capivara, promovendo uma circulação alternativa de sangue para o cérebro”, afirmou Coppi.
A parceria com os pesquisadores da University College London já dura mais de uma década e resultou em três publicações anteriores que se complementam. Em 2004, na revista Anatomia, Histologia, Embryologia, o grupo descreveu estruturalmente o processo de obstrução da artéria carótida interna e de remodelação da artéria basilar das capivaras.
Em 2005, no Journal of Molecular Histology, os autores discutiram a possível presença da endotelina-1 e do seu receptor na artéria basilar das capivaras.
O trabalho publicado em 2006 na revista Cell and Tissue Research descreveu com maior riqueza de detalhes as alterações estruturais na artéria carótida interna obstruída e o aumento de calibre e remodelamento estrutural da artéria basilar.
“É uma série de estudos em que fomos investigando de forma integrada e multidisciplinar o processo, visando entendê-lo de forma cada vez mais profunda e holística. Neste último, chegamos ao nível da biologia molecular e temos subsídios robustos para propor o uso desse animal como modelo de estudo do AVC isquêmico.
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) o AVC lidera as mortes por doenças do aparelho circulatório no país. A projeção para 2014 é que o problema afete 350 mil brasileiros.
O artigo Immunoreactive Endothelin-1 and Endothelin A Receptor in Basilar Artery Perivascular Nerves of Young and Adult Capybaras (doi: 10.1159/000348617), pode ser lido em http:www.karger.com/Article/FullText/348617.
Mais informações pelo e-mail guto@usp.br, pelo site http://www.lssca.fmvz.usp.br e pela página do LSSCA no Facebook.
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