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Conspiração e conspiradores


Conspiração e conspiradores - Gente de Opinião

Primeiro foi a esquerda, agora também a direita, no poder, a acompanha: a grande imprensa é reacionária e forma um conjunto monolítico na defesa do que há de pior no Brasil. Para a esquerda, essa convicção se formou através da elucidação do golpe militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart e abriu caminho para a mais prolongada ditadura da história da república.


Presidente João Goulart


De fato, a grande imprensa subiu ao poder com os golpistas. Mas não em bloco nem pelos mesmos motivos. Júlio Mesquita Filho, à frente de O Estado de S. Paulo, e Roberto Marinho, de O Globo, participaram diretamente das conspirações até o desfecho violento. Paulo Bittencourt, do Correio da Manhã, que era o jornal mais influente da época, não.

No entanto, a senha para a derrubada do presidente constitucional do país foi dada por dois editoriais do Correio, escritos por intelectuais de esquerda. Primeiro o “Basta!”. Em seguida, o “Fora!”, contemporâneo do movimento de tropa do general Mourão Filho de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, iniciativa que não constava da agenda da cúpula da conspiração, integrada por militares associados aos golpistas civis da UDN.

No dia 2 de abril de 1964, ao publicar notícias sobre os primeiros atos de violência do novo regime e a crítica sarcástica de Carlos Heitor Cony, o Correio já estava na oposição liberal. O jornal, transferido para a viúva, Niomar Bittencourt, apoiara as reformas de base anunciadas por Jango.

Mas se convenceu de que o presidente manobrava para estabelecer o estado de sítio, quando tomaria medidas autoritárias, como afastar o velho inimigo, Carlos Lacerda, do governo da Guanabara (a cidade-Estado resultante da transferência da capital federal para Brasília, em 1960), vingando Getúlio Vargas, seu padrinho político e ídolo.

Mesmo tendo recebido conspiradores em seu gabinete, Júlio Mesquita Filho sentou à máquina e escreveu um editorial furioso (“Instituições em frangalhos”) contra o AI-5, a besta-fera gerada nos porões da ditadura naquele 13 de dezembro de 1968. O jornal foi sequestrado manu militari das máquinas de impressão e apreendido. Começaria uma censura rigorosa, que duraria sete anos, mais do que a intervenção de Getúlio no jornal em pleno Estado Novo.

Roberto Marinho precisaria de muito mais tempo para se desvincular da ditadura, só o fazendo, três décadas depois, já sob a sempre precária democracia formal brasileira, num ato mais de oportunismo do que de convicção democrática. Seu grupo de comunicação, até então secundário, foi cevado por tratamento privilegiado do regime militar, que o colocou no topo da imprensa nacional.

Como queria manter os privilégios em tempos de abertura, passou a investir mais em produtos de qualidade, incluídos os jornalísticos, para se ajustar à nova (e valha) era. Ainda assim, o “doutor Roberto” deu abrigo e defendeu esquerdistas e comunistas que trabalhavam nos seus veículos, mesmo quando na mira dos centuriões.

Pode-se acusar a grande imprensa de ter agido ideologicamente e manipulado certas informações para favorecer seus interesses no episódio que conduziu ao afastamento da presidente Dilma Rousseff da presidência da república em 2016. Mas não há prova alguma de ter participado de uma conspiração para um golpe, como em 1964. Sem esses fatos, a esquerda repete a retórica como se houvesse, em compensação, robustos indícios de autoria da trama.

Já a direita, vitoriosa no ano passado, acusa a Globo de conspirar contra o presidente Jair Bolsonaro para derrubá-lo, favorecer a volta do PT ou por qualquer interesse inconfessável urdido pela teoria da conspiração eterna. É fato que a Globo deve ao BNDES e tem outros privilégios. Tudo deve ser bem esclarecido e sobre a realidade derivada dessa investigação sejam aplicados os corretivos devidos, tudo isso aos olhos da opinião pública.

Com o que não se deve concordar é com o uso do aparelho estatal, que serviu aos privilégios, para perseguição política e intimidação, como parece ser o objetivo de Bolsonaro & Filhos Companhia Limitada.

Reproduzo a seguir a análise feita por Nelson de Sá na Folha de S. Paulo (que também foi golpista em 1964) do dia 20, porque ele me parece evidenciar a verdade: sem apagar o seu acervo de irregularidades ou crimes, a Globo está optando por uma defesa técnica para sua sobrevivência, investindo mais no jornalismo, que deveria ser o seu compromisso de ofício de sempre. A investida dos bolsonaristas contra ela serve mais a um projeto específico de poder do que ao interesse nacional.

Basta pensar numa hipótese para ter uma dimensão da gravidade da situação: imobilizada ou fulminada a Globo, sobretudo na área da televisão, quem a substituiria no topo? A Rede Record, do pastor Edir Macedo, que tem em Jair Bolsonaro o seu Messias. A filhocracia seria complementada pela teocracia de ocasião, da fé estipendiada.

Pobre Brasil.

Segue-se o texto de Nelson Sá para o necessário debate. Se possível, racional, inteligente, em busca da verdade.

Flagrada no centro da disputa de poder no Palácio do Planalto, a Rede Globo escancarou o jogo e se defendeu, extensivamente, com jornalismo. Começou na escalada do Jornal Nacional, que abordou desde logo, na quarta chamada, seu papel e sua defesa:

"Bolsonaro mandou cancelar a visita do vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, que estava registrada na agenda pública do ministro. Em nota, o Grupo Globo declarou que considera não ter e não cultivar inimigos e que sua missão é levar ao público jornalismo independente."

Mais importante, no final da série de manchetes: "O Jornal Nacional traz na íntegra todas as mensagens tornadas públicas e a repercussão da crise em Brasília". Foram 15 minutos para os áudios, 5 para a repercussão, mais 3 para a laranja do ministro do Turismo e 3 para a primeira derrota no Congresso.

Foi jornalismo e, portanto, crítico. Em contraste, o Jornal da Record, talvez a emissora favorita de Bolsonaro entre as concorrentes da Globo, manteve na escalada a cobertura chapa-branca que adota desde o final do primeiro turno da eleição:

"Depois da demissão do ministro por quebra de confiança, revista divulga mensagens trocadas entre o presidente Bolsonaro e Gustavo Bebianno. Porta-voz diz que governo não vai comentar vazamento dos áudios."

Posteriormente, na reportagem também chapa-branca, destacou as críticas e o veto de Bolsonaro à Globo, em favor das "outras emissoras", uma das quais é a própria Record. O SBT de Silvio Santos, que disputa com Edir Macedo as graças do novo governo, evitou o áudio em que é indiretamente mencionada.

A Globo prefere chamar seu lobby em Brasília de "relações institucionais", eufemisticamente, mas de resto a cobertura do dia no JN se esforçou por ser exemplar —até mesmo ao noticiar que o ministro Sergio Moro "reconheceu a motivação política" de ter esfacelado seu pacote.


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