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Direitos Humanos: um núcleo comum a preservar



João Baptista Herkenhoff

É de todo conveniente que sejam colocadas em pauta nas faculdades, escolas, igrejas, jornais, rádio e televisão, nos espaços públicos em geral, as questões relacionadas com os Direitos Humanos. Muitas vezes os espaços que deveriam abrigar o debate honesto são utilizados para transmitir versões falsificadas. Os obstáculos não nos devem desanimar.

Através deste artigo pretendo contribuir para a reflexão e o debate.

Parece-me rigoroso concluir pela existência de um “núcleo comum universal” de Direitos Humanos.

Este “núcleo comum”, no campo dos Direitos Humanos, corresponde aos “universais linguísticos” descobertos por Chomsky, na Linguística.

Sem prejuízo da existência desse “núcleo comum”, há uma “percepção diferenciada” dos Direitos Humanos nos vários quadrantes da Terra.

Os Direitos Humanos são concebidos de uma forma peculiar pelos povos indígenas e pelos povos africanos, vítimas seculares da opressão. Também é bem diversa a percepção dos Direitos Humanos no mundo islâmico, mundo belíssimo que é portador de uma cultura peculiar. Não há qualquer incompatibilidade entre Islamismo e Direitos Humanos, como uma visão imperialista de mundo pretende fazer crer.

Pelos povos indígenas, pelos povos africanos, pelos povos muçulmanos os Direitos Humanos não são percebidos da mesma forma como são percebidos pelos povos europeus.

Também variáveis como “classe, cultura, nacionalidade ou lugar social” influenciam na maneira de perceber os Direitos Humanos.

O grito por Justiça, Liberdade, Dignidade Humana, Solidariedade expressa-se através das mais diversas línguas faladas no mundo: Tous les êtres humains naissent libres et égaux en dignité et en droit. (Francês). Toda persona tiene todos los derechos y libertades, sin distinción alguna de raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de cualquier otra índole. (Espanhol). Ogni individuo ha diritto alla vita, alla libertà, alla sicurezza della própria persona. (Italiano). No one shall be held in slavery or servitude. (Inglês). La família és l’element fonamental de la societat. (Catalão, língua do povo catalão). Muchi tehemet tiwelit, gan inemit mu ixtiya tuamaw. (Pipil, língua falada em El Savador. A tradução do texto citado é esta: Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa).

Essa multiplicidade de línguas enunciando os Direitos Humanos vem em socorro da hipótese de um dialético antagonismo de divergência e convergência, ou seja, há um núcleo comum de Direitos Humanos e, ao mesmo tempo, há uma percepção diferenciada dos Direitos Humanos, no seio dos vários povos e das várias culturas.

Também as vozes dos poetas ajudam na compreensão dos Direitos Humanos, como ideal que pulsa nas diversas latitudes: A pena que com causa se padece, a causa tira o sentimento dela, mas muito dói a que se não merece. (Camões, poeta português, num grito de revolta contra a pena injusta). Vossos filhos não são vossos filhos. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos. (Gibran Khalil Gibran, poeta libanês, exaltando a grandeza da individualidade).

A linguagem da poesia é de tal forma universal que também o poeta brasileiro abre as janelas do mundo: Eu sou aquele que disse – os homens serão unidos se a terra deles nascida for pouso a qualquer cansaço. (Mário de Andrade, num hino à solidariedade). Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança, antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha. (Castro Alves, mostrando sua indignação diante da bandeira brasileira hasteada num navio negreiro). Se discordas de mim, tu me enriqueces, se és sincero, e buscas a verdade, e tentas encontrá-la como podes. (Hélder Câmara, bispo, profeta, poeta, exaltando o direito à discordância). Folha, mas viva na árvore, fazendo parte do verde. Não a folha solta, bailando no vento a canção da agonia. (Thiago de Mello, enaltecendo o direito de associação e a luta coletiva).

No tributo aos Direitos Humanos não esteve silente a voz dos poetas capixaba: Seja a corte civil ou marcial, que mão lavra a sentença quando o juiz pressente sobre a toga forte espada suspensa? (Geir Campos, denunciando o desrespeito à independência da Justiça, pela força da espada). Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima, captando todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas. (Newton Braga, celebrando a fraternidade).

Da mesma forma que acontece, com relação às línguas, a presença da poesia, na proclamação dos Direitos Humanos, tem o sentido simbólico da busca de horizontes acima de fronteiras.

Os Direitos Humanos, na sua linha central, desenharam-se como uma construção da Humanidade, de uma imensa multiplicidade de culturas.

Como não são estáticos, a elaboração deles continua no fluxo da História.

Consolidar a ideia de Direitos Humanos fundamentais é uma exigência para que a Humanidade possa sobreviver, sem se desnaturar.

Temos que estar atentos à pregação de uma cultura anti-humana, ao lado da cultura humana pela qual lutamos.

Às vezes essa cultura anti-humana estabelece uma tal ruptura de diálogo e compreensão que mundos antagônicos se organizam. A cultura anti-humana tem seus códigos próprios, estabelece um isolamento.

Não será pela imposição que defenderemos princípios fundamentais de Humanismo e de Direito. O caminho será o diálogo, o intercâmbio de ideias, a discussão franca. Quem tem acesso a informações que as forças dominantes subtraem ao povo, ou transmitem às multidões de forma deturpada, tem o dever de propagar as informações corretas. Não podemos permitir que a propaganda silencie a verdade.

É um grande caminho, mas caminhar é preciso, construir é preciso, sonhar é preciso.

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