Quarta-feira, 12 de março de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Opinião

Do outro lado do poder: Lula sempre defendeu a Anistia

O cinismo de um condenado


Do outro lado do poder: Lula sempre defendeu a Anistia - Gente de Opinião

O ano era 1979. Tinha acabado de chegar de Belém do Pará, onde fui estudar e tive os meus primeiros contatos com a imprensa na Revista Observador Amazônico, da minha prima e jornalista Beth Costa. Logo que pisei nas barrancas do Madeira, com sede de jornalismo, iniciei como repórter na Rádio Eldorado do Brasil, do então empresário Mário Calixto. Tinha participado ativamente do movimento pelas Diretas Já e estava muito ativo politicamente, incentivado por Dona Aurea, minha avó, emedebista doente, apaixonada por Jerônimo Santana, "o Homem da Bengala", Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, mas nutria um ódio no mesmo tanto por José Sarney, da antiga Arena.

O Brasil respirava os ares tensos de uma ditadura militar que já durava 15 anos. Em agosto, o então presidente João Figueiredo assinava a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979), um marco que prometia "reconciliar" o país após anos de repressão, tortura e perseguição política. A lei perdoava tanto os opositores do regime quanto os agentes do Estado que cometeram crimes durante o período militar. Na plateia, estavam figuras emblemáticas: um era, ninguém menos que, Ulysses Guimarães, o "Senhor Diretas", e, do outro lado, Luiz Inácio Lula da Silva, o então sindicalista que havia sido preso por organizar greves, mas que, naquele momento, era um dos maiores articuladores para que a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita fosse assinada. Ambos aplaudiram a medida, vendo nela um passo necessário para a redemocratização. No entanto, entre os presentes, havia também militares de alta patente, como o general Golbery do Couto e Silva, líder do regime, que celebravam a proteção garantida aos militares.

Essa história do passado ecoa no presente. Quarenta e seis anos depois, o Brasil se vê diante de um novo debate sobre anistia. Desta vez, porém, os personagens são outros: Alexandre de Moraes, ministro do STF e relator dos processos sobre os ataques de 8 de janeiro; Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, que sinalizou apoio à proposta de anistia; e Flávio Dino, ministro da Justiça à época dos fatos, e hoje no STF, que defende a punição exemplar dos envolvidos.

Vejam como a roda da vida acaba trazendo novamente situações, se não idênticas, pelo menos parecidas em seu contexto. Naquela época, Lula, que foi beneficiado pela Lei, achou que aquela foi a melhor decisão encontrada. Lógico! Tinha sido preso. E, hoje, do outro lado do poder, vem fazendo de tudo para impedir que o Brasil dê novamente um passo à frente para trazer de volta a paz política que descamba para uma insurgência sem precedentes na história deste país. Como a coisa vira, né?

Hoje, noutra ponta, assim como fez Lula no passado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado pelo Supremo Tribunal Federal de ser o "Arquiteto do Golpe", na iminência de ser preso, convocou a população para o próximo dia 16, domingo, em Copacabana, no Rio de Janeiro, para participar de um ato público cívico em prol da anistia aos presos do 8 de janeiro. Esse evento vai contar com a presença de militantes da direita e simpatizantes da causa como forma de pressionar o Congresso Nacional para a elaboração de uma nova lei que possa beneficiar as pessoas que estão presas, injustamente acusadas, em bloco, de crimes que nunca praticaram.

Debrucei-me nos últimos dias para analisar as possibilidades dessa proposta de anistia, cujas minutas andam pelos corredores do legislativo, nas mãos de advogados, juristas e políticos, tentando encontrar uma maneira de apresentá-la de modo que não haja qualquer reação contrária do STF. Observo que esse é um dos debates mais delicados do cenário político e jurídico brasileiro. De um lado, defensores da medida argumentam que muitos dos presos são "vítimas de perseguição política" e que os processos judiciais foram marcados por falhas, como a falta de individualização das penas e a ausência de ampla defesa. Essas pessoas, como pode ser visto claramente, participaram de um ato democrático e político e não de um golpe, como se anuncia. De outro, alguns juristas e militantes de esquerda radical são contra a anistia, alegando que isso poderia criar um precedente perigoso, incentivando novos atos de violência contra as instituições democráticas. "Pimenta no olho do coxo é refresco, né?", como dizia Dona Aurea.

A Lei de Anistia que vigora hoje, enfrenta uma série de entraves jurídicos e políticos quando se tenta aplicá-la, do modo como está, aos casos como o de 8 de janeiro. A Constituição Federal de 1988 estabelece limites claros para a concessão de perdão. O artigo 5º, XLIII, é taxativo ao vedar a anistia para crimes considerados hediondos, como terrorismo, tráfico de drogas e tortura. No caso dos ataques de 8 de janeiro, muitos dos envolvidos foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional e na Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016), que tipificam condutas como "tentativa de golpe de Estado" e "associação criminosa armada". Se realmente cometeram esses crimes é outra história. O fato é que foram acusados e estão presos. E aí vem novamente o disparate das coisas: em 1979, a esquerda, liderada por Lula, percorria as ruas contra a Lei de Segurança Nacional porque dizia que esta  era o instrumento dos militares para reprimi-los. Hoje, da mesma forma, esse "guinú barbudo", apoiado por um judiciário ativista, defende a aplicação da mesma lei contra seus opositores. Que coisa!

A direita desnorteada, sem rumo, vem com a ideia de criar uma nova lei que possa fazer frente aos desmandos do judiciário e encontrar uma forma de livrar da cela pessoas inocentes que nem sabem por que foram presas. Essa nova legislação, se aprovada, esbarraria em questões constitucionais, na legislação vigente e na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que já se posicionou de forma contundente contra a impunidade de crimes que atentam contra a democracia.

A suprema corte já deixou claro, em decisões recentes, que atos violentos contra as instituições democráticas não podem ser equiparados a crimes políticos clássicos, como a dissidência ideológica ou a manifestação pacífica de opiniões. Em 2021, ao julgar o caso do blogueiro Monark, que defendia a realização de um plebiscito para decidir sobre a volta da monarquia, o Supremo reforçou que críticas ao sistema democrático, quando feitas de forma violenta ou incitando a ruptura da ordem constitucional, não estão protegidas pela liberdade de expressão. Vejam só que contrassenso! Essa posição da corte superior cria um obstáculo quase intransponível para qualquer proposta de anistia. Se os crimes de 8 de janeiro forem mantidos na categoria de "terrorismo" ou "tentativa de golpe", a anistia seria automaticamente inconstitucional, conforme o artigo 5º, XLIII. Além disso, o princípio da separação de poderes impede que o Congresso Nacional interfira em decisões judiciais já proferidas, o que inclui as condenações dos presos acusados de golpe.

Ouvindo alguns juristas, estes apontam que uma das principais lacunas da Lei de Anistia de 79, que está em vigor, é a falta de clareza sobre quais crimes podem ser perdoados. Por exemplo, não define com precisão o que constitui um "crime político", o que permitiu interpretações amplas e, em alguns casos, abusivas. No caso dos presos de 8 de janeiro, essa imprecisão poderia levar a uma série de questionamentos jurídicos. Vejam só: como distinguir entre um manifestante que participou dos ataques de forma pacífica e um outro líder que incitou a violência? Como garantir que a anistia não beneficie também aqueles que cometeram crimes comuns, como destruição de patrimônio público ou agressões a agentes de segurança? Não dá para diferenciar hoje os casos, pois os acusados foram julgados em blocos, mesmo tendo praticado ações diferentes. Como pode, nesse caso, manter uma acusação a uma mulher que pintou uma estátua com batom e condena-la a  pena igual à de outra pessoa que, por exemplo, usou de violência? Não dá... Outra lacuna é a ausência de mecanismos de controle e transparência. A Lei de Anistia de 1979 foi criticada por não estabelecer critérios objetivos para a concessão do perdão, o que permitiu que muitos casos fossem decididos com base em conveniências políticas.

Uma nova lei de anistia teria de prever regras claras para evitar que o benefício seja concedido de forma seletiva ou discriminatória. O Supremo Tribunal Federal tem sido um dos principais obstáculos à proposta de anistia. Além de já ter se posicionado contra a impunidade de crimes que atentam contra a democracia. Porém, as decisões monocráticas do STF, com julgamentos em blocos, sem definir a necessidade de individualização das penas e de respeito ao devido processo legal, acabam, por si só, destruindo suas próprias decisões. É como morder a própria língua...

Casos emblemáticos, como em 2023, quando o ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos relacionados das manifestações de 8 de janeiro, determinou a prisão preventiva de vários acusados e rejeitou pedidos de soltura com base no risco de reiteração criminosa. O ministro argumentou que os ataques foram uma tentativa de golpe de Estado e que a concessão de liberdade poderia enviar um sinal de impunidade, incentivando novos atos de violência.

Essa posição ativista do STF dificulta ainda mais a aprovação pelo Congresso de uma nova lei de anistia. Qualquer projeto teria de passar pelo crivo do Supremo, que provavelmente o declararia inconstitucional com base no artigo 5º, XLIII, e no princípio da separação de poderes. Além disso, o STF poderia questionar a legalidade da medida com base em precedentes internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, que proíbe a anistia para crimes graves contra os direitos humanos. Será? Mas não é o próprio Supremo que viola os Direitos Humanos ao manter pessoas presas sem acusação formal? Vai dar bode...

Diante desses entraves, não vislumbro que uma nova lei de anistia possa trazer um resultado imediato. No entanto, isso não significa que o debate esteja encerrado. Para muitos juristas, a solução mais viável seria a revisão dos processos judiciais, caso a caso, para garantir que todos os réus tenham tido acesso à ampla defesa e ao contraditório. Outra possibilidade seria a criação de uma comissão de verdade e reconciliação, nos moldes da que foi instituída após a ditadura militar, para investigar os fatos e propor medidas de reparação. No entanto, essa proposta também enfrentaria resistência, já que a oposição acaba por obstruir qualquer corrente que tente navegar com essa sugestão pelos corredores do Congresso.

Enquanto isso, os presos de Alexandre de Moraes seguem aguardando julgamento, num limbo jurídico que reflete as tensões e contradições do Brasil atual. A proposta de anistia, embora politicamente atraente para alguns setores, parece destinada a esbarrar nos limites da lei e na firmeza dos pensionamentos dos iluminados.

A discussão sobre a anistia vai muito além de uma disputa política. Ela coloca em xeque os princípios fundamentais do Estado de Direito, como a igualdade perante a lei, a separação de poderes e a proteção das instituições democráticas. No fim, o que está em jogo não é apenas o destino dos manifestantes, mas a própria capacidade do Brasil de enfrentar seus desafios sem abrir mão dos valores que sustentam a democracia.

Mas, afinal, o que é a democracia? E aproveito para terminar essa análise com a celebre frase do irmão maçom Rui Barbosa, que assim a descreveu: ” Democracia, o governo do povo pelo povo, não é outra coisa: o império da opinião, cercada e servida pelos órgãos da sua soberania”

Rubens Nascimento é jornalista, formado em Direito, Mestre-Maçom-GOB e ativista do Desenvolvimento.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 12 de março de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Consórcio 4UM-Opportunity vai cobrar pedágio na BR-364 sem investir nenhum centavo imediatamente

Consórcio 4UM-Opportunity vai cobrar pedágio na BR-364 sem investir nenhum centavo imediatamente

A BR-364, uma das principais rodovias de Rondônia, está prestes a ser concedida à iniciativa privada pelo prazo de 30 anos. O consórcio 4UM-Opportun

Centrão aproveita fragilidade do governo Lula para exigir mais cargos

Centrão aproveita fragilidade do governo Lula para exigir mais cargos

A popularidade do governo Lula vem caindo a cada pesquisa de opinião pública. Há quem diga que nunca esteve tão baixa. Muitos são os motivos, entre

Coluna da Hora – Cooperativa Afanada, PC-RO, errata, Sejus, assassino foragido e mais coisas com o jornalista Géri Anderson

Coluna da Hora – Cooperativa Afanada, PC-RO, errata, Sejus, assassino foragido e mais coisas com o jornalista Géri Anderson

MÃOS DE TESOURAO tesoureiro de uma cooperativa de crédito de Porto Velho é um dos principais suspeitos de desviar mais de R$ 6 milhões da empresa e

A Revolução da comunicação em Rondônia: jovens empreendedores e a ascensão dos sites de notícias

A Revolução da comunicação em Rondônia: jovens empreendedores e a ascensão dos sites de notícias

Rondônia vive um momento crucial na sua história de comunicação, impulsionado pelo crescimento vertiginoso da tecnologia e, em especial, pela inteli

Gente de Opinião Quarta-feira, 12 de março de 2025 | Porto Velho (RO)