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Dragagem no Rio Madeira: 100 milhões para um Enxugamento de Gelo Caro e Ineficaz


Dragagem no Rio Madeira: 100 milhões para um Enxugamento de Gelo Caro e Ineficaz - Gente de Opinião

Imagine uma situação onde você é contratado para atuar num problema de assoreamento de um rio que nunca se resolve de fato. A ideia é simples: você pega uma draga, vai até o Rio Madeira e começa a tirar areia de um lado para jogar logo atrás do mesmo equipamento que está trabalhando. O resultado? O rio continua assoreado, mas o dinheiro continua pingando na sua conta. Em apenas 45 dias, você fatura R$ 100 milhões, sem precisar se preocupar com a efetividade do serviço. Afinal, se o problema persiste, você sempre terá um contrato garantido!

Recentemente, o governo federal através do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes- DENIT, anunciou um gasto de R$ 138 milhões para dragagens em rios da Amazônia, incluindo R$ 100 milhões para o Rio Madeira, como forma de melhorar a navegação nesse momento crítico de estiagem.  No entanto, essa medida, longe de resolver os problemas de navegação e abastecimento, se assemelha a enxugar gelo. A técnica utilizada para dragar o rio, tipo sucção, que consiste em tirar areia de um ponto, por meio de bombas, e jogá-la logo atrás da draga, não gera resultados duradouros, apenas desloca, temporariamente, o problema. Mais alarmante é o fato de que essa operação milionária, realizada em apenas, em somente 12 quilômetros do rio, beneficiou uma empresa de forma questionável, levantando sérias dúvidas sobre a eficácia e a ética no uso de recursos públicos. Ano passado, para o contrato, foram gastos R$ 80 milhões no trecho de 1.086 km de extensão entre Porto Velho e Itacoatiara. Não sei qual foi a empresa ganhadora, mas logo se percebe que alguma coisa não está certa.

A dragagem, como vem sendo realizada, não resolve os desafios logísticos do rio Madeira, mas cria uma falsa sensação de ação governamental, sem atacar as causas reais das dificuldades de navegação e abastecimento. Enquanto isso, a estrutura de navegabilidade continua enfrentando os mesmos problemas, agora agravados pela má gestão dos recursos públicos. É urgente que se repense o modelo de intervenção e se busque alternativas que realmente tragam benefícios à região, em vez de perpetuar práticas ineficazes e onerosas. Qualquer um leigo que ver a draga funcionando no rio, percebe imediatamente que algo está errado. Como é que se vai resolver o problema da retirada de um banco de areia, jogando a própria areia, a poucos metros do equipamento que está trabalhando? Pelo amor de Deus! é chamar o contribuinte de otário. Além disso, como é feita a medição do material, supostamente, dragado para que haja o efetivo pagamento? Alguém tem que explicar isso.

Temos que observar que o rio Madeira, um dos maiores afluentes do Rio Amazonas, é formado pela confluência dos rios Beni e Mamoré, cujas nascentes estão nas regiões montanhosas dos Andes. Nos últimos anos, o crescimento populacional e o desmatamento nas encostas andinas, principalmente na Bolívia, têm exacerbado a erosão do solo. Isso resulta em um aumento significativo do transporte de sedimentos para os rios Beni e Mamoré. Esses sedimentos, ao chegarem ao Rio Madeira, contribuem diretamente para o seu assoreamento, tornando-o mais raso e dificultando a navegação e o transporte. 

Estudos feitos pelo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial- INPE, ainda para a  implantação do complexo hidrelétrico do rio, apontou que, apesar de ter aproximadamente um terço da  líquida do rio Solimões, o rio Madeira possui um aporte de sedimentos em suspensão da mesma ordem deste rio, o que caracteriza o Madeira como um dos maiores do mundo em termos de transportes de sedimentos. O documento aponta que, considerando a característica do rio por apresentar elevadíssimas concentrações de sedimentos em suspensão, alcançando valores que se destacam quando comparados com outros cursos d’água no Brasil e no mundo, boa parte de sua bacia na região andina, composta por rochas areníticas de fácil desagregação. Além disso, os Andes possuem alta concentração de chuvas, o que juntamente com a geologia local, provoca uma alta produção de sedimentos.  

A situação é agravada por atividades humanas, como a agricultura intensiva e a mineração, que expõem ainda mais o solo à erosão. O transporte excessivo de sedimentos, além de afetar a profundidade do rio, impacta a biodiversidade aquática e a qualidade da água, criando um ciclo vicioso de degradação ambiental. Não se deve ainda, desconsiderar a dinâmica espacial da temperatura na Amazônia que tem registrado altos picos.  Embora esse fenômeno seja natural, ele contribui efetivamente para a evaporação da água ocasionando a secas com maior velocidade, colaborando para desequilibrar a estrutura de navegação, somando-se a outros fatores intervencionistas no rio.

Nesse contexto, as áreas inundadas pelas hidrelétricas cuja a vegetação não foi retirada, acabou por ocasionar um aumento substancial de sedimentos que foram carreados para o leito do rio pela facilidade de transporte em suspensão, parando em bancos de areias e formando grandes obstáculos no canal navegável.

Como pode, nesse momento em que o país caminha para se consolidar como uma potência econômica mundial na produção de alimentos, procurando alternativas de uma logística sustentável e perene, não se dê a atenção necessária para o problema que se agrava, não só no contexto econômico, mas também no social, pois não vai demorar para que uma nova enchente traga outra vez danos de alto impacto para Porto Velho e região. Aí, vem o Governo, ao que me parece, tentando se livrar do problema e anuncia a concessão do rio para a iniciativa privada. Nada de errado na concessão. Pelo contrário, sou totalmente a favor, mas onde estão contidas nas cláusulas de exigências a serem cumpridas, a manutenção de um leito navegável o ano todo para que o rio Madeira se consolide, efetivamente como uma hidrovia de grande porte? Não sei! Não vi o contrato, mas acredito que os órgãos de fiscalização devem ficar atentos para que não haja mais uma manobra com o dinheiro público.

Estudos, já implantados em outros países, apontam que para resolver o problema do assoreamento do Rio Madeira de forma eficaz, seria necessário adotar uma abordagem integrada, combinando engenharia e manejo sustentável dos recursos hídricos, além de uma  dragagem estratégica regular e contínua  bem planejada, combinada com a remoção de sedimentos em locais críticos (e não apenas o deslocamento deles), pode manter a navegabilidade do rio de maneira mais sustentável. O Rio Sena, em Paris, é mantido navegável com uma dragagem periódica e controlada.

Desde que eu estava superintendente da Federação do Comércio de Rondônia, tivemos várias reuniões com a Marinha do Brasil sobre a batimetria (monitoramento por sonar) do leito do rio Madeira. O documento, pelo que vi, serve apenas como alerta para navegação, sem ser aproveitado por outros órgãos governamentais que não se comunicam entre si. Um monitoramento contínuo por modelagem computacional, do fluxo e do transporte de sedimentos, pode prever, com precisão, onde ocorrerá o acúmulo de sedimentos e permitir intervenções mais eficientes. Esse método é amplamente utilizado no Delta do Rio Mekong, no Vietnã, para gerenciar o sedimento e a salinidade. 

Antes que me questionem, não sou nenhum especialista no assunto. O que falo, é porque tive a oportunidade de conversar longamente com profissionais dessas áreas, ainda quando o Porto Alfandegado de Porto Velho estava sob a minha jurisdição, momento em que ocupei a cadeira de Superintendente de Desenvolvimento do Estado de Rondônia e do Conselho da Suframa.

Por fim, o assoreamento do rio Madeira é um problema complexo que exige uma combinação de técnicas de engenharia e gestão ambiental. A implementação de soluções integradas, com base em exemplos internacionais de sucesso, pode trazer resultados sustentáveis e efetivar o rio como uma verdadeira hidrovia e evitar as constantes cheias. O recado tá dado, mas vou continuar de olho.

Rubens Nascimento é Jornalista, Bel em Direto e ex-superintendente de Desenvolvimento do Estado de Rondônia e do Conselho da Suframa, MM.Maçom-GOB e ativista do desenvolvimento.

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