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ELEIÇÕES 2010:: As nuanças da 'Lei do FICHA LIMPA' e sua marca nas eleições


 

DESEJO DO POVO. Projeto ousado, inovador e adequado aos verdadeiros interesses da sociedade, uma marca histórica na legislação brasileira, quiçá o maior feito legislativo nos últimos tempos. Estamos falando num filtro dos interesses anti-sociais:  Lei Complementar Federal n. 135, de 04 de junho de 2010, já chamado por muitos como o instrumento de limpeza na política brasileira. Segundo o Senador Pedro Simon durante a tramitação do projeto, “com essa lei o Brasil começa a mudar sua história!”.

BOLA DA VEZ. Não se fala mais noutro assunto. É o tema do momento, figurando no páreo com o da Copa do Mundo. Em algumas oportunidades chega até a assumir a dianteira, o que com certeza será uma verdade de agora até o próximo 5 de agosto, quando o TRE rondoniense promete julgar todos os pedidos de registro de candidatura. Estamos diante de um amplo debate que envolve até os desconhecedores da ciência do Direito. É muito provável que muito em breve veremos alguns desistindo do velho jeito de fazer e viver política.

Vamos ao ponto. Publicada a lei no início do mês passado (7/6) várias indagações surgiram. Daí ser a bola da vez. O que mais se ouvia, e até hoje se ouve nas rodas de conversa de fim de tarde e até nos intervalos do jogo da seleção brasileira, há quem insista no ELEIÇÕES 2010:: As nuanças da 'Lei do FICHA LIMPA' e sua marca nas eleições  - Gente de Opiniãotema até durante o jogo, é que os políticos condenados por falcatruas eleitorais e outro crimes e impropriedades, isto é, na maioria corruptos mesmos, estão afastados da vindoura disputa eleitoral. De um modo geral e numa análise rápida e fria da norma, é isso aí. Contudo, toda norma nunca é clara em si mesma, sempre está circunscrita de particularidades, o que demanda a utilização de várias formas de interpretações visando esclarecer o sentido mais equânime.

As dúvidas sobre a validade e adequação jurídica da “Lei da Ficha Limpa” começam com a possibilidade de aplicação já nas eleições de 2010. O questionamento surge porque o art. 16 da Constituição Federal anuncia que lei que altera o processo eleitoral não pode ser aplicada à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

APLICÁVEL ÀS ELEIÇÕES 2010. Logo em seguida à publicação da lei, preocupado com a aplicação da revolucionária norma, o senador Arthur Virgílio (PSDB/AM) tratou de questionar a sua validade para as eleições de 2010. No dia 10 de junho do corrente ano, o TSE respondeu que sim, deixando claro que o processo eleitoral tem seu marco inicial no dia 10 de junho, quando se dá início à realização das convenções partidárias, oportunidade em que os preceitos do processo já devem estar claros, de modo que os interessados não sejam apanhados de surpresa (garantia da segurança jurídica). Na prática, considerando que os normativos foram estabelecidos antes do prazo para as convenções, se candidata quem quiser, desde que esteja ajustado aos limites exigidos pela sociedade, através de regras impostas por meio do exercício da democracia indireta ou semi-direta, como a que culminou com a “Lei do Ficha Limpa”. Só o ministro Marco Aurélio disse que a regra só vale para as eleições de 2012, o que entendo querer protelar o anseio da sociedade, deixando prevalecer a máxima popular de que “no Brasil as coisas não mudam, e só é punido pobre, preto e prostituta”.

  ONTEM, HOJE E AMANHÃ. Ante ao visível impacto que está por vir com a nova lei, a qual provocou mudanças substanciais nas regras de acessibilidade aos cargos eletivos, coube ao deputado federal Ilderlei Cordeiro (PPS-AC) perguntar ao TSE, novamente, se a norma poderia ser aplicada nas eleições de 2010 e ainda se atingiria os políticos com condenação anterior à vigência da lei. Fez isso através de 6 questionamentos. A Corte Máxima Eleitoral respondeu no dia 17 passado que sim. Dos 7 ministros, só dois disseram que não. Marco Aurélio, mais uma vez, sustentou o posicionamento de que o jogo já começou e não há como alterar as regras. Defendeu ainda o princípio da irretroatividade da lei mais severa. Para ele, a proibição de se candidatar trata-se de uma pena e, por isso, não pode ser aplicada uma lei que não existia na época da condenação. Já o ministro Marcelo Ribeiro foi na mesma linha de Aurélio quanto à impossibilidade de retroatividade para contemplar situação de inelegibilidade decorrente de uma pena imposta em virtude, por exemplo, de compra de votos.

ELEIÇÕES 2010:: As nuanças da 'Lei do FICHA LIMPA' e sua marca nas eleições  - Gente de OpiniãoComo maioria é que prevalece, no âmbito do TSE restou certo que o que vale é a regra então vigente.   A tese vencedora foi do relator Arnaldo Versiani  que afirmou que a lei “não tem caráter de norma penal. É uma lei para resguardar o interesse público”.  Bem andou o ministro e os outros 4, que o acompanharam em tudo, pois sabemos que a sociedade está cansada de enrolação, quer efetividade, punição imediata aos corruptos. Vale frisar que tanto o TSE quanto o STF já firmaram posicionamento de que inelegibilidade não constitui pena. Segundo Versiani, inelegibilidade nada mais é do que uma restrição temporária de elegibilidade. Com razão, ninguém cumpre pena por ser cônjuge ou irmão de um governador; está apenas inelegível temporariamente e ponto.

As recentes mudanças estão sedimentadas em institutos de imensurável valor no seio da sociedade: moralidade, boa fama, boa conduta, o que credencia a imediata aplicação, mesmo na hipótese de possíveis sacrifícios de outros direitos, pois o campo da moral é mais amplo. O bem que está sendo protegido é a coletividade.

JEITINHO BRASILEIRO EM VÃO. Apesardo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) tentar amenizar o efeito limpeza geral, de nada valeu. O presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, disse que “o verbo ‘forem’ [na expressão ‘que forem condenados’ no lugar da redação anterior: ‘tenham sido condenados’] tem sido usado na linguagem jurídica para designar possibilidade, e não o tempo verbal futuro. A locução ‘que forem’ não exclui candidatos já condenados”. O sentido amplo da expressão é completado com a explicação do letrado Dalmo Dallari: “não é difícil demonstrar que o dispositivo em que figure a palavra "forem", como no caso da Lei da Ficha Limpa, tem o sentido de "tiverem a condição de", bastando atentar para o pormenor de que "forem", nesse caso, é do verbo "ser" e não do verbo "ir".

Outra coisa, não há que se discutir questão temporal para averiguar a presença de situação de inelegibilidade. De nada adiantou essa preocupação com a alteração legislativa. Ação sem efeito.  O §º 10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97 preleciona que as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura.Dessa forma, condenado antes ou depois da lei, isso não interessa, o que vale é a situação presente quando da protocolização do registro.

SEM DIREITO ADQUIRIDO ÀS CAUSAS DE INELEGIBILIDADES. O ministro Arnaldo Versiani preocupou-se em contemplar no seu voto, ao discorrer sobre a imediata aplicação da norma, que não se pode cogitar de direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas. Sustentou essa tese fazendo referência a julgados do TSE na época em que entrou em vigor a própria Lei Complementar nº 64/90, segundo os quais a “inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64-90, aplica-se às eleições do corrente ano de 1990 e abrange sentenças criminais condenatórias anteriores à edição daquele diploma legal”, “ainda que o fato e a condenação sejam anteriores à vigência”.( Recursos nos 8.818 e 9.797).

Traduzindo, a nova lei é plenamente aplicável para as hipóteses em que o fato gerador, condenação ou decisão colegiada tenha ocorrido em data anterior à da vigência da “Lei do Ficha Limpa” (7 de junho de 2010).

Nesse contexto, temos como exemplo que os efeitos da lei incidem sobre aqueles que receberam condenação por crimes que não eram previstos na alínea “e” do art. 1º da Lei de Inelegibilidades – Lei Complementar n. 64/90 (contra o patrimônio privado, o mercado de capitais, o meio ambiente, a saúde pública; de abuso de autoridade com perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de drogas afins; racismo; tortura; terrorismo; hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual; praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; eleitoras com pena privativa de liberdade e os previstos na lei que regula a falência). A inelegibilidade perdura durante todo o cumprimento da pena e ainda por mais 8 anos após esse cumprimento.

Outro exemplo interessante diz respeito aos que já tiveram as contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível de órgão competente, mesmo antes da vigência do novo regramento. O raciocínio é o mesmo: inelegibilidade por 8 anos, a contar da decisão.

Ora, se estamos diante de um entendimento firmado tanto pelo STF como pelo TSE sobre a aplicabilidade imediata de um conjunto de normas, tendo em vista a sua natureza jurídica, com pleno poder de retroatividade para atingir os casos que estavam sob a égide de norma anterior, incontroverso é que o prazo da inelegibilidade deve ser imposto a todos os casos passados, presentes e futuros. Afinal, o efeito é para agora.

Nesse viés, temos que levar em consideração algumas situações naturais de cumprimento do período de inelegibilidade. É o caso de uma situação que enseja inelegibilidade com transcurso do prazo nos moldes da nova lei, cujo termo final do interstício temporal já restou superado. Nesse caso, não há que se falar no cômputo do início do prazo a partir a contar da vigência da nova lei, vez que já vencido o seu prazo, sendo possível até afirmarmos estarmos diante de um ato jurídico perfeito.

Por outro lado, de acordo com a interpretação dada na consulta, que entendemos ser a mais razoável e consentânea com o ordenamento jurídico brasileiro e a vontade social, aos casos já julgados em que o novo prazo de inelegibilidade ainda não foi cumprido, forçoso é concluir que os que se enquadram nessas situações devem ser considerados como inelegíveis. Esse é o espírito da lei, de efetividade incontinenti.

O ministro relator foi contundente ao afirmar que: “a LC nº 135/10, que alterou as causas de inelegibilidade, se aplica aos processos em tramitação iniciados, ou mesmo já encerrados, antes de sua entrada em vigor, nos quais tenha sido imposta qualquer condenação a que se refere a nova lei. Não importa se o condenado já cumpriu os três anos de inelegibilidade, por exemplo. O que vale é contar para trás se ele está dentro dos 8 anos e pronto: está inelegível. Não esqueçamos do que disse o  ministro Versiani: “não há direito adquirido a regime jurídico de inelegibilidade”. Portanto, ainda que cumprido os 3 anos de inelegibilidade por quem foi condenado em 2004 ou 2006, o cidadão não adquiriu direito algum, logo, com o aumento da inelegibilidade para 8 anos, está absolutamente inelegível nestas eleições.

Além disso, ficou claro que a fonte geradora das inelegibilidades na Lei do Ficha Limpa não é a condenação, mas sim o fato reprovável praticado, ou seja, o abuso de poder econômico, o crime etc. Daí que ter passado o prazo de inelegibilidade anteriormente aplicado não importa, o que vale é se existe fato reprovável no decurso de prazo de 8 anos para trás.

É tão real que a “Lei do Ficha Limpa” se  aplica aos casos  pretéritos, que o próprio legislador facultou o aditamento de recurso interposto antes da vigência da novel lei, como forma de possibilitar a suspensão da inelegibilidade (art. 3º da LC n. 135/10). Isso demonstra que a lei está apta a operar com efeitos retroativos. Para reforçar, o ministro relator frisou mais uma vez em seu voto que: “a causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento de registro da candidatura”. Com isso, se no momento do protocolo do registro ainda não restar ultrapassado o tempo de inelegibilidade previsto na nova lei, não estará preenchido um dos requisitos imprescindíveis que é a elegibilidade.

Uma curiosidade, estar inelegível não é sinônimo de não poder votar, mas tão somente de uma impossibilidade de ser votado, ou seja, há uma suspensão dos direitos políticos passivos, e só.

OUTROS PONTOS CONTROVERTIDOS. Estão aí exposados alguns pontos importantes que trouxemos à baila nesse momento como forma de enriquecer e fomentar as discussões acerca da “Lei do Ficha Limpa”. Somos sabedores de que outros assuntos ainda obscuros pairam sobre essa lei. Podemos até elencar alguns que se destacam: prazo de inelegibilidade desproporcional, isto é, maior que a sanção penal que deu origem àquela; ofensa ao princípio da presunção de inocência ao tirar do páreo aqueles com recurso pendente de julgamento.

 O que temos como certo é que a alma da norma em comento é de uma proteção ao interesse público de não admitir a submissão ao comando daquele que não reuni os requisitos de melhor indicação para o exercício do cargo. 

CAUTELA PARA CONFIRMAR OU DERRUBAR. Registra-se a intenção de apagar a norma em testilha. Na última semana, ao ser provocado a decidir sobre a eficácia do entendimento do TSE quanto a Lei da Ficha Limpa, o ministro do STF Dias Toffoli passou a bola para o TSE. O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo José Carlos Gratz (PSL), pediu ao STF que suspendesse a decisão do TSE, pois lhe atinge em decorrência de sua cassação pela justiça eleitoral, já confirmada pelo TSE. Aduz ainda que a lei padece de vício de iniciativa por descumprir inteiramente o devido processo legislativo previsto na Constituição Federal. Dias Toffoli não quis entrar no mérito, restringindo-se a afirmar que a Constituição não permite que o STF analise e julgue MS contra ato de outro Tribunal.

Fazer o que né, o parlamentar iniciou tudo errado, não soube sequer pedir. Tá vendo que se há vício o instrumento mais apropriado junto ao STF é outro.

Aproveitando, se alguém ousar querer levar um recurso até o STF provavelmente enfrentará alguns empecilhos.  Deverá demonstrar desde logo a repercussão geral, isto é, precisa provar que está presente um interesse maior além do interesse subjetivo da parte, o interesse nacional, o interesse coletivo.

Outro fato que merece destaque é o do Senador Heráclito Fortes, que ontem (1º) conseguiu uma liminar no STF para se candidatar. A decisão não enfrentou as questões mais intrigantes da lei, mas já revelou que a mais alta Corte do país poderá glosar alguns aspectos da “Lei do Ficha Limpa”.

SITUAÇÃO EM RONDÔNIA. Noâmbito regional (RO) os debates já tiveram início na última Sessão (1º). Ao analisar um caso em que o interessado recorria de uma decisão que o condenou, tendo à época lhe imputado a inelegibilidade por 3 anos, as discussões sobre a aplicação do novo interstício de inelegibilidade tomaram conta da tarde de quinta-feira, véspera do jogo da seleção. Após um amplo debate sobre a necessidade da fixação no acórdão do prazo de inelegibilidade (8 anos), a Corte concluiu que a questão seria analisada por ocasião de eventual pedido de registro de candidatura do recorrente.

Após esse caso, ficou estampado que a Corte rondoniense já vem estudando o tema Ficha Limpa e pretende se posicionar nos próximos dias para a tomada de uma decisão justa, qualidade esta, inclusive, que a tem projetado com louvor entre os tribunais eleitorais, que constantemente utilizam suas decisões como paradigmas, a exemplo do TRE-RJ.

Boa sorte aos julgadores e também aos que sonham com o deferimento da candidatura !!!!!!!!!!

Porto Velho, 02 de julho de 2010. 

*Por Edirlei Barboza Pereira de Souza

  Bacharel em Direito

  Técnico Judiciário do TRE-RO

  Pós-Graduado em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral

 

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