Segunda-feira, 17 de maio de 2021 - 11h21
EM CADA HUMANO DESCANSA UM VASCO DA GAMA E UM ULISSES
Entre dor e sofrimento se gera o contentamento
A
história de aventura de Homero mostra como o herói Ulisses (1) consegue navegar
por um estreito basicamente intransponível.
Este
estreito é guardado por dois poderosos monstros marinhos, Cila e Caríbdis,
vendo-se o marinheiro obrigado a passar sem se aproximar demasiado de um perigo
ou do outro: um monstro suga a água do mar, três vezes por dia, e ejeta-a
novamente com grande rugido. Quem hesita morre sendo apanhado na sua absorção.
O outro monstro encontra-se agachado numa rocha à espera para devorar as vítimas.
A
vida de um povo e de um cidadão resume-se num barco que ruma no mar das
dificuldades em sentido à realização. Ulisses conseguiu chegar a Ítaca e Vasco
da Gama à Índia, porque tinham em si a rota de uma missão a cumprir e de um
sonho a realizar! Sem missão nem sonho
perder-se-iam no alto mar ou seriam engolidos pelos monstros que se situam de
um lado e do outro.
Uma
idêntica lição nos resume Fernando Pessoa nos versos “Quem quer passar
além do Bojador, Tem que passar além da dor (2)”: uma alusão a Camões que, na
sua epopeia, “Os Lusíadas”, descreve a viagem de Vasco da Gama e a sua luta com
o Adamastor.
Tanto
a epopeia de Homero como a de Camões, representam a viagem de um povo e o
itinerário de uma pessoa simbolizada nos protagonistas Ulisses e Vasco da Gama.
Muitas
vezes vive-se num dilema de escolha sem grande esperança porque se tem de
escolher passar entre dois males ou perigos inevitáveis. Daí a frase
"entre Cila e Caríbdis".
Os
tempos cor de rosa em que vivemos parecem não interessados em reconhecer a
realidade humana descrita nesses poemas porque são um apelo ao heroísmo de cada
humano a viver e encarar a realidade sem medo do esforço nem do erro! O futuro
é dos corajosos e não dos que fogem à dor! Sim, até porque na realidade
temos de um lado a dor e do outro o sofrimento de poder não chegar!
(Senão pense-se: que seria da Liberdade trazida pelo 25 de Abril se não
tivéssemos em consideração os erros dos que o fizeram! Que seria da vida
se a mulher grávida evitasse o sofrimento fugindo à dor do parto; a fazê-lo
evitaria o prazer do dar à luz!)
Em
cada humano descansa um Vasco da Gama e um Ulisses (Odisseu) à espera de ser
acordado para uma missão; cada povo rumará para bom termo se gerar timoneiros
do seu calibre! Doutro modo limitar-se-á a ser água pacífica sobre a qual
outros navegam… Há que estar atento às sereias e àquilo que julgamos ser a
realidade! Quem não está atento ao vento do pensar do tempo, do pensar
politicamente correcto e a uma certa doutrina cor-de-rosa de uma
espiritualidade que leva ao narcisismo, conversa e age como se para
alcançar a felicidade e fazer caminho bastasse a leveza de ter pensamento
positivo e fosse possível um presente criativo sem a parte de sofrimento que
lhe pertence!
O
grande filósofo e pensador Platão dizia “O que faz andar o barco não é
a vela enfunada, mas o vento que não se vê”. Ele na sua perspicácia
procurava observar o que está para lá do que chamamos realidade: Temos que
estar atentos aos sopradores dos ventos que nos formatam e determinam as nossas
consciências e o nosso modo de pensar, arrastando-nos na corrente dos
seus ventos tirando-nos ao mesmo tempo a capacidade de nos formarmos e de nos
desenvolvermos interiormente.
Reduzindo
a ideia de Platão a termos políticos e sociais atuais, devemos estar atentos
aos ventos ideológicos que nos movem para onde eles querem, criando, para isso,
em nós a ideia de que somos nós que queremos!
António
CD Justo
Notas
em “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=6499
A ASCENSÃO
SOCIAL DÁ-SE DO MEIO PARA O TOPO
Uma vez pobre
sempre pobre
Segundo
o resultado do 5° relatório sobre a pobreza e a riqueza na Alemanha (1)
apresentado pelo governo, a promoção social vinda de baixo é quase impossível
como se depreende da análise do sector salarial baixo.
O
Ministro Federal do Trabalho conclui que "a subida tem lugar a
partir do meio para cima, mas não de baixo para o meio ".
Cada
vez há mais pessoas pobres e a desigualdade social está a enraizar-se cada vez
mais na sociedade.
Pelos
vistos, o trabalho não protege contra a pobreza. Os beneficiados do sistema são
cada vez mais ricos!
A
metade superior da população detém 99,5% da riqueza total.
Ficaria
bem aos Media e à política discutirem mais este tema para que se fomente uma
consciência mais exacta do que realmente se passa. Isto para não nos deixarmos
enganar!
Uma
sociedade democrática verdadeiramente moderna deveria contrariar esta lei do
eterno retorno: Uma vez pobre sempre pobre.
O
verdadeiro progresso poderia ser a promoção da pessoa humana e de um
capitalismo social humano que conduza à prática de uma democracia económica! A
fuga à lei e a transgressão dos direitos humanos não podem continuar a ser
fonte de receita de elites preponderantes. Não é digno nem humano que a
precariedade de uns se torne a base da estabilidade de outros. Não é justo que
uma sociedade rica, como a europeia, produza cada vez mais pobres!
A
sociedade e suas elites não podem continuar de olhos tapados e à deriva das
circunstâncias favorecedoras dos mais fortes! Somos todos responsáveis.
Antoine
de Saint-Eupéry já dizia: "O mundo inteiro afasta-se quando vê
passar um Homem que sabe para onde vai".
António
da Cunha Duarte Justo
Notas
em “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=6488
TROVA
À LIBERDADE
Ao
ler a seguinte trova de Manuel Alegre, sinto-o ligado à tradição do nosso
grande trovador e rei Dom Dinis, na sua trova – “Ai flores, ai flores do verde
pino, se sabedes novas do meu amigo?… “
Na
procura de uma liberdade que parece não chegar, também Manuel Alegre se dirige
à natureza (ao país) que se torna na melhor inspiradora e conselheira. Como em
Dom Dinis, a “Trova do vento que passa” deixa uma porta aberta por onde se pode
ir realizando o grande sonho. O trovador dirigir-se à Liberdade, que procura na
sua amada e se encontra algures escondida nas terras de Portugal. Passemos à
exímia trova de Manuel Alegre que acaba de celebrar o seu 85° aniversário:
António
CD Justo
Pegadas
do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=6497
TROVA
DO VENTO QUE PASSA
Pergunto
ao vento que passa
notícias
do meu país
e
o vento cala a desgraça
o
vento nada me diz.
Pergunto
aos rios que levam
tanto
sonho à flor das águas
e
os rios não me sossegam
levam
sonhos deixam mágoas.
Levam
sonhos deixam mágoas
ai
rios do meu país
minha
pátria à flor das águas
para
onde vais? Ninguém diz.
Se
o verde trevo desfolhas
pede
notícias e diz
ao
trevo de quatro folhas
que
morro por meu país.
Pergunto
à gente que passa
por
que vai de olhos no chão.
Silêncio
— é tudo o que tem
quem
vive na servidão.
Vi
florir os verdes ramos
direitos
e ao céu voltados.
E
a quem gosta de ter amos
vi
sempre os ombros curvados.
E
o vento não me diz nada
ninguém
diz nada de novo.
Vi
minha pátria pregada
nos
braços em cruz do povo.
Vi
minha pátria na margem
dos
rios que vão pró mar
como
quem ama a viagem
mas
tem sempre de ficar.
Vi
navios a partir
(minha
pátria à flor das águas)
vi
minha pátria florir
(verdes
folhas verdes mágoas).
Há́
quem te queira ignorada
e
fale pátria em teu nome.
Eu
vi-te crucificada
nos
braços negros da fome.
E
o vento não me diz nada
só
o silêncio persiste.
Vi
minha pátria parada
à
beira de um rio triste.
Ninguém
diz nada de novo
se
notícias vou pedindo
nas
mãos vazias do povo
vi
minha pátria florindo.
E
a noite cresce por dentro
dos
homens do meu país.
Peço
notícias ao vento
e
o vento nada me diz.
Mas
há́ sempre uma candeia
dentro
da própria desgraça
há́
sempre alguém que semeia
canções
no vento que passa.
Mesmo
na noite mais triste
em
tempo de servidão
há́
sempre alguém que resiste
há́
sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
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