Quarta-feira, 25 de outubro de 2006 - 12h27
ETA, ESSA DEMOCRACIA DE MERD@!
José Ailton Ferreira "Bahia", publicado no jornal Alto Madeira, Coluna do BAHIA, em 03/10/2000.
"Desperto no âmago da madrugada.
Lembrei-me: tinha que vasculhar toda aquela papelada doméstica, e empreender-me na busca de um documento: o título de eleitor.
Missão das mais árduas. Achei-o, incólume cédula esverdeada. Aroma de mofo e números que nunca os decorei.
Pensei: será amanhã, domingo e mesmo que amanheça ensolarado ou sob o som de chuva no telhado de eternit, terei que me abdicar de tudo e ser obrigado a me deslocar até a seção indicada no documento, onde depositarei minha valiosa contribuição democrática, ao futuro da cidade onde sobrevivo, votando no candidato que suponho, seja o ideal.
Democracia?
Fiz sim, aquela silenciosa indagação, como a não entender esse troço todo, já que dicionários, enciclopédias, publicações de amenidades e até Zé Xicote, o boêmio irreversível, explicam, tratar-se de Sistema de Governo em que todos não apenas alguns, têm participação no mesmo, mas são providos do livre arbítrio para pensar e agir.
Pôrra!
Tenho que ser obrigado a fazer algo em favor da democracia e ainda alimentá-la? Quando na realidade a mim e a tantos outros cidadãos, nos injetam essa virtude política e social só que de forma distorcida, a ponto de não levarmos a mesma dentro do espírito de seriedade que deveria ter.
Por quê? O mínimo que poderia acontecer era nos facultar o direito de ir e vir e tivéssemos conosco a livre alternativa. Coisa do tipo: hoje acordei de bem com a vida e não estou a fim de ir até uma seção eleitoral para votar, anular ou deixar em branco, o voto... e sei que por isso, não serei penalizado pela laboriosa justiça do meu país... e fim de papo.
Mas, na "Cartilha Democrática" que rege os passos nossos de cada momento, consta que se por acaso eu agir com esse pensamento democrático, corro o risco de ser sacaneado pelo sistema ou na melhor das hipóteses, um sujeito desvirtuado no contexto.
Então, ainda no âmago lilás da madrugada, vem-me uma explosão ainda silenciosa: Democracia de merda! Até que um dia, uma força sensata venha estabelecer e não obrigatoriedade do voto, a partir de quando eu gritarei abertamente: Sagrada Democracia! Mas para isso, tudo depende de mim, de você e de todos nós... do nós e nossa capacidade de reação. Ninguém muda nada, deitado numa rede qualquer."
Esse é o Bahia, pensamento vivo, pertinente, apropriado, relevante, crítico, perigoso, corajoso, real, lúcido, atual, contemporâneo... mesmo depois de ter transformado somente em pensamentos, referência crítica.
Mesmo fora o plano físico continua vivo, atuante. Isso é possível e é real. Como? Pois eu lhes digo: mesmo nessa condição continua interferindo na sociedade através daquilo em se transformou: pensamento. Fatos? Pois bem, a prova foi o lançamento do seu último livro pronto, "SE O MUNDO NÃO ACABOU... CONSERTE-O!". E acabou? Claro que não. Não vai ter mais livros? Claro que sim. Não estamos falando de um homem qualquer. Estamos falando de alguém que se transformou em pensamentos. Na contra capa desse livro está escrito: "No momento tem em seus arquivos, material para mais quatro livros (dois de poesias, um de crônicas e um romance) que pretende publicá-los até 2008."
Um homem pode realizar seus sonhos mesmo depois de morto. O Bahia é assim. Morreu, e mesmo nessa condição lançou um livro no dia 20 de outubro de 2006, na Casa de Cultura e vai lançar mais quatro.
Isso nos leva a crer que basta-nos expressar desejos e eles, por si só, se realizarão. Mas não quaisquer desejos. Esses terão de ser nobres, objetivos, transformadores, conscientizadores, críticos, enfim, desejos que interessem a outros. O Bahia pensava assim, por isso, mesmo, em pensamente, ainda realiza coisas, concretas, reais, sólidas. Por quê? Porque seus pensamentos, em verdade, não eram dele e sim dos seus amigos e leitores e daí, a mágica da realização do sonho, mesmo sendo o próprio sonho.
SE O MUNDO NÃO ACABOU... CONSERTE-O!, José Ailton Ferreira BAHIA, São Paulo, Scortecci, 2005, 146 páginas, R$ 20,00.
Como não poderia ser diferente o livro está recheado com o que lhe mais representa: a crítica. Mas não qualquer crítica, mas a reflexiva, que fundamenta uma tomada de decisão por parte do leitor, caso queira se transformar num cidadão mais consciente, e claro, crítico. Ao ponto de se auto-avaliar e até se perguntar: O MEU MUNDO AINDA NÃO ACABOU? NÃO? ENTÃO, O QUE POSSO FAZER PARA MANTÊ-LO VIVO? OU SERÁ EU QUEM ESTÁ SE ACABANDO? O QUE POSSO FAZER POR MIM PARA MANTER-ME VIVO E COMO CONSEQUÊNCIA O MEU MUNDO?
Um livro, em prosa e poesia que possui em sua capa, uma obra da artista plástica Goreth Lira, "... uma maranhense aguerrida, que desde a adolescência, deu vazão ao seu hemisfério criativo", escreveu Bahia. Porém, o problema é saber onde começa a prosa e termina a poesia, ou é saber onde inicia a poesia e termina a prosa? Palavras do jornalista e poeta, Josimar Cardoso, autor das palavras de orelha do livro que apresenta "Bahia um talento indiscutível." Esse desafio é seu, caro leitor.
Vou ilustrar o que disse acima através de um dos textos do livro para que você tire as suas próprias conclusões:
"CUMPLICIDADE COM DEUS
Praça da Catedral, Porto Velho. Manhã de segunda-feira.
O pastor de uma igreja evangélica e um padre católico, apostólico e... Ambos em animado bate-papo. O assunto: os rebanhos e suas respectivas igrejas. Ah, que estratégia usar para atraí-los?
- O padre: estávamos perdendo inúmeras ovelhas. Os templos vazios (com exceção durante as missas de sétimo dia...) Foi aí que surgiu a idéia.
- Qual? Perguntou o pastor.
- Tornamos os cultos mais animados, inserindo neles, música jovem, teatro popular, cinema, esportes e abrindo mais as mentes para as coisas do mundo. Está dando certo. Comemorou o representante do papa.
O pastor: - Mas isso é um sacrilégio.
O padre: - Qual a estratégia utilizada por vocês, então?
- Ah é tudo muito simples: dinheiro! Todo mundo gosta de grana. E esta tem que ser solicitada sob a forma de pressão. Assim o rebanho deposita crédito mais apurado. Discursou o pastor.
O padre, se achando em situação nada cômoda, saiu cantarolando "Medo da chuva", de Raul Seixas, enquanto isso, o pastor evangélico se dirigia a uma agência bancária onde depositaria o fruto do dízimo do último final de semana."
José Ailton Ferreira "Bahia", baiano de Almadina, chegou a Porto Velho/RO em 1983, onde estão depositados seus restos materiais. Autor de 10 livros individuais e participação em oito antologias nacionais. Militante cultural ativo, participou de movimentos como Grupoema, Poetas da Praça, Cadernos Negros e Projeto Sarau e Arte & Literatura. Mas a sua contribuição diária foi através da sua militância de mais de 20 anos no jornalismo. Suas reflexões e críticas estão registradas no Jornal Alto Madeira, nas colunas Giro por Porto Velho, Re-Criação, Lítero-cultural, Revertendo Banzeiros, Coluna do Bahia, Andando Porto Velho e outros.
Para ele, O MUNDO AINDA NÃO ACABOU, por isso, esta aí a sua contribuição para quem se sentir vivo e com coragem de consertá-lo.
Campanha "O BRASIL PRECISA LER".
O livro é essencialmente um instrumento cultural de difusão de idéias, transmissão de conceitos, documentação, entretenimento ou ainda condensação e acumulação de conhecimento.
Como resultado da péssima qualidade do ensino nas escolas brasileiras "75% dos adultos tem alguma deficiência para escrever, ler e fazer contas, o que acarreta um efeito devastador sobre a sua capacidade de se expressar". (Exame nº 19 27/09/2006).
Por Sérgio Ramos
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