Terça-feira, 9 de maio de 2017 - 17h45
Em tudo na vida, no trabalho, nas relações pessoais, na escolha pelo apoio político-partidário, na definição dos grupos sociais e de amizade – até mesmo na torcida esportiva –, é preciso ter motivação e emoção. Mas, o coração (cordis: cordialidade) não é algo desmedido, tem seu ritmo próprio ou está em taquicardia. A escolha do nome dos filhos pode ser assertiva, forçando a quem pronuncia manter um mínimo de impostação, ou, ao contrário, leva ao uso de diminutivos, gerando-se constrangimentos ou ridículos.
Na ciência não é diferente: a racionalidade oferece “meios” para escolhas mais acertadas para chegarmos ao “fim” perseguido e a objetividade nos leva a não cedermos a cada tentação para descer de um bonde e pegar outro[1]. Isto, todavia, não garante que haja “isenção” e menos ainda neutralidade. Há pesquisas tão refinadas que, o simples toque humano na pipeta pode alterar alguns resultados. Daí que se é necessário ter sensibilidade, mais ainda se exige prudência e certo distanciamento: “o tempo é o senhor da razão”. (Leia-se história).
Não há nada neutro na vida social (vale dizer, política). Todas as escolhas têm um custo, a exemplo da escolha profissional – quando esta é possível. A definição em algum momento para seguir a carreira do magistério (ou da política) tem seus bônus e ônus. Na verdade, para todos que enveredam pelo caminho da educação, as escolhas políticas serão uma rotina: quem ensina, leva e traz conteúdos, bagagens, experiências e isto leva ao pensamento; pois bem, não há pensamento neutro, puro de intenções. Veja-se que o verbo “enveredar” indica tomar um caminho: “por entre veredas”. Nada se dá por acaso na etimologia da vida pessoal, profissional ou acadêmica[2].
O homem é crítico por natureza e sem essa capacidade não faria ciência e muito menos participaria da “arte da negociação e do convencimento”: política. O cientista é um político, em essência, na medida em que intenta convencer seus interlocutores acerca da validade de suas proposições e argumentos. A retórica do cientista, além de acalorados debates, tem dados empíricos, construções filosóficas (teoremas), modelos matemáticos ou avaliações históricas a serem confrontadas.
Entretanto, antes disso, o cientista já tem clara inquietação (política) quando avalia que sua proposta de pesquisa é a mais correta, em relação ao que já fora diagnosticado. De outro modo, se fosse para repetir e apenas comprovar a veracidade integral da afirmação de seus pares seria um burocrata e não um cientista.
Portanto, a escolha do objeto de pesquisa denota uma opção política, porque as perguntas iniciais – “toda pergunta traz uma resposta” –, se forem comprovadas, trarão desconfortos e provocarão deformidades nos modelos, escolas e teorias preponderantes até aquele momento. No dia a dia, o cientista não valida, e sim refuta.
O cientista de fato e de direito, seja em que área for, está sempre lutando contra o status quo: em revés ao sendo comum nada se altera, “deixar como está pra ver como fica”, se não se discorda até com certa violência. Todo cientista que tenha esta mínima perspectiva sobre sua importância na produção do conhecimento será crítico e atuante. Produtor do “saber militante”[3], terá embates sucessivos (e incertos) contra a mistificação. A ciência, descolada dos desafios do real, não passa de um mito.
Sempre é bom relembrar Einstein[4] por ter-nos recobrado a lucidez neste ponto. Neste sentido, em boa parte, a inquietação diante do status quo é o que difere um cientista social do assim chamado “Operador do Direito”, uma vez que o cientista está em luta constante pela verdade e o direito se destaca pela apreciação de uma causa – não exatamente dos fatos sociais[5]. Ainda que seja uma verdade passageira e incompleta – dado que a “realidade muda” ao avançarmos o conhecimento acumulado –, esta é a meta do cientista social e do direito.
A passividade quando em contato com as contradições do real – muitas vezes por força da ideologia (“não ver”) – é o que diferencia a ciência de qualquer outra disciplina axiológica, tão ao sabor de outros tantos apoiadores do status quo. O establishment tem grande apoio de ideólogos (do status quo) e da intelligentsia.
De modo ainda mais específico, há a Ciência Política – ou seriam ciências políticas? – em que a junção entre “ciência e política” é obrigatória, como decurso natural da lógica: desde Maquiavel[6]. Ou seja, para o cientista da política – mesmo conhecedor do fato de que suas análises não podem ser reféns dos partidos políticos – o objeto da pesquisa é o poder[7].
Porém, também aí há a obviedade de que, sem optar pelo partido A ou B, suas escolhas (desde o objetivo da pesquisa) serão partidárias. Porque ao escolher entre um ou outro objeto de investigação, o cientista da política toma partido na causa a ser analisada. É possível, por exemplo, investigar a estrutura partidária brasileira ou o Estado de Exceção no decorrer da operação Lava Jato: bonapartismo[8].
Contra a primeira escolha resta a realidade de que não há partidos no país; pois, temos seitas políticas sem compromisso com programas e demandas sociais, como se as agremiações navegassem ao sabor das ondas do “toma lá, dá cá”: o famoso Caixa 2. Pode-se criticar o fato de que seja um cientista sem objeto de pesquisa. Contra a segunda aposta implica a dificuldade de se avaliar o que é tonalidade pessoal – referendando-se à posição ideológica (no bom sentido, como “visão de mundo”[9]) –, no miolo da análise de conjuntura (ocasional?), do que é um objetivo de factível hermenêutica político-jurídica: daquilo que se inclina à durabilidade de permanência.
Por tudo isto, pode-se dizer “A luta científica é uma luta armada”[10]. Mas, é uma luta que não prospera – na verdade, nem se inicia – sem leitura refinada e aprofundada; quer seja a “leitura do real”, quer seja a revisão bibliográfica sobre o tema já em fase de gestação. Esta será a melhor munição do cientista: estudar muito antes de avaliar o “entorno” do próprio objeto. Deve-se assumir notória responsabilidade pela produção do conhecimento – sabedores de que, em geral, o conhecimento é superior ao que se estuda e investiga. A cultura geral permite ver algumas faces ocultas[11].
Por fim, lembremos que a ciência mais cordial foi capaz de gerar consequências bárbaras[12]. Como diziam os antigos, na vida comum do homem médio[13], “não há almoço grátis”. Assim também concluo o texto, sabedor que nunca estará pronto e acabado, porque se fosse reler amanhã ou no mês que vem, fazendo uso do “método da gaveta”[14], é provável que mudasse muito a narrativa.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
[1]WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo : Cultrix, 1993.
[2]Na lição do inesquecível cronista Otto Lara Rezende. Aliás, cabem aqui duas lições: evite-se ao máximo o uso de adjetivos, bem como o gerundismo. A ciência requer substantivos e não apelidos.
[3]FERNANDES, Florestan. A formação política e o trabalho do professor. IN : O Desafio Educacional, Cortez Editora: São Paulo, 1989.
[4]EINSTEIM, Albert. O poder nu. São Paulo : Rotterdan Editores Ltda, 1994.
[5]DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 2ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 1999.
[6]MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe - Maquiavel: curso de introdução à ciência política. Brasília-DF : Editora da Universidade de Brasília, 1979.
[7]LEBRUN, Gerard. O que é poder? 6ª ed. São Paulo : Brasiliense, 1984.
[8]MARX, Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
[9]LÖWY, Michael. Ideologias e Ciência Social: elementos para uma análise marxista. São Paulo : Cortez, 1989.
[10]BOURDIEU, Pierre.Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo, Editora UNESP, 2004.
[11]Martinez, Vinício Carrilho. Serendipidade, bricolagem, consiliência: métodos de trabalho e de investigação. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 890, 10 dez. 2005. Disponível em:
[12]MÜLLER-HILL, B. Ciência Assassina: Como Cientistas Alemães Contribuíram Para a Eliminação de Judeus, Ciganos e Outras Minorias. Rio de Janeiro : Xenon, 1993.
[13]Pode não parecer, mas esta formulação é um conceito criado por este que escreve o texto, levando-se em conta uma longa tradição de pensadores.
[14]Deixar repousar, para que o tempo – senhor da razão – revelasse os equívocos mais evidentes.
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