Quarta-feira, 18 de agosto de 2010 - 13h11
Geraldo Moraes – Ex-Presidente do CBC
O grande cinema americano começou com uma câmara num trilho de trem. A revolução do carnaval da Bahia, com um trio elétrico.
Durante vários anos e alguns Congressos, o cinema brasileiro elaborou um conjunto de medidas que visavam o seu desenvolvimento e foram consolidadas nas nossas Resoluções. Recentemente, estimulados pela possibilidade da regulação do audiovisual, nos mobilizamos na apresentação de propostas concretas em torno de um anteprojeto que assimilava boa parte das nossas proposições.
A experiência da nossa participação nesse processo e o quadro político-institucional dos últimos meses encerram lições que precisam ser analisadas e servir de base para nossos próximos passos.
Antes de tudo, o embate entre o poder econômico e o setor cultural colocou o audiovisual na pauta da opinião pública, o que por si só justifica qualquer mobilização. Além disso, nossa crescente articulação, construída ao longo do tempo por tantas entidades e lideranças, nos posicionou como atores centrais de qualquer debate democrático que afete o setor.
Se o tamanho da reaçãoque provocamos demonstra quanto evoluímos nesse processo, o efeito das pressões revela quanto ainda precisamos evoluir. O adiamento da regulamentação mantém nossa dependência e expõe nossa vulnerabilidade enquanto setor produtivo.
A luta pelo audiovisual jamais será a mesma. Mas precisamos avançar nela.
II
Sabemos que o sistema de comercialização de filmes foi montado em função do produto norte-americano e que a televisão brasileira foi estruturada para ser, mais do que emissora, uma produtora de conteúdos.
Reflexo e beneficiária de sucessivas políticas econômicas e fiscais que privilegiam a concentração de renda, a exibição comercial abrange apenas 8% dos municípios brasileiros, concentra-se nos shoppings, no centro-sul, em algumas cidades maiores e pratica preços que reduzem o cinema a um entretenimento privativo das classes média e média alta. Nesse espaço restrito e seletivo os filmes brasileiros atingem uma taxa média de ocupação que raramente excede os 8%. E nos demais segmentos do mercado - televisões, locadoras, comércio de fitas e DVDs, novas mídias – a participação de nossa produção audiovisual independente é ainda mais restrita.
A efêmera elevação de nosso percentual para 22% dos ingressos vendidos em 2003, fruto da união entre as majors e a Globo Filmes, foi saudada pela grande mídia como a prova de que a solução para o cinema brasileiro estaria na concentração de recursos em filmes de grande apelo comercial. Para realizá-los, os pólos mais fortes do sistema - justamente os que mais pressão fizeram contra a regulamentação – utilizaram o horário nobre de televisão e as vantagens oferecidas pela legislação de incentivos fiscais.
A realidade mostra que a bilheteria desses filmes raramente cobre seus custos, pois a estrutura de comercialização e o sistema de divisão de renda só permitem lucros para filmes que não precisam abater seus custos no mercado interno. Filmes importados, portanto.
Se o sucesso dessas produções foi atribuído à eficiência do chamado cinema industrial ou de mercado, a posterior retração do público e a rápida exaustão do modelo foram divulgadas como uma crise do cinema brasileiro como um todo. Pouco foi dito sobre a maior parte da nossa produção, que evidentemente não entrou em crise porque continuou mantendo nossa média em 8%, mesmo sendo mal distribuída, mal programada e mal exibida – quando exibida.
Fala-se muito emampliar o mercado, duplica-lo. É uma necessidade, sem dúvida, mas precisa ser melhor entendida. Mantido o atual ritmo de crescimento do setor, a duplicação do número de salas resultaria em 40 novos multiplexes, cerca de 120 novas telas a cada ano. A duplicação levaria no mínimo 15 anos. Esse prazo poderia ser encurtado com uma boa injeção de recursos, certamente do governo. Mas se não forem alteradas a política de preços e a distribuição de rendas, nossos filmes apenas continuarão a receber o mesmo tratamento num mercado maior. Somos estrangeiros em duas mil salas, seremos em quatro mil.
Quem fizer as devidas contas verá que, se forem mantidas as práticas atuais, mesmo que venha a ter uma participação de 30% nesse mercado ampliado, o cinema brasileiro vai embolsar no máximo 70 milhões de reais, insuficientes para sustentar a indústria. Voltamos à mudança das regras, à regulamentação...
E à necessidade de construirmos alternativas.
III
De uma parte, é necessário manter a luta pela regulação, fortalecer a ANCINE, a SAv, o MinC e as instituições regionais. Ao mesmo tempo, é urgente analisar o impacto e a integração de novos formatos, mídias e produtos, como por exemplo o amplo universo dos games. Devemos persistir no aperfeiçoamento de editais, leis de incentivo, fundos e programas e na busca de melhores condições de exibição: espaços nas salas, cumprimento das cotas de tela, permanência em cartaz, novas janelas.
Enfim, continuar nossa mobilização em torno daquilo que vimos defendendo e atualizar nossa pauta.
Mas, se quisermos desenvolver o setor e depender menos de pressões e conjunturas, nenhuma medida terá conseqüências se não fizer parte de um projeto com metas a médio e longo prazos. E para isso, precisamos reforçar nossos instrumentos institucionais/empresariais. Definição e arrecadação de direitos autorais, fortalecimento de nossas empresas produtoras e distribuidoras, maior inclusão na luta pela diversidade cultural, são medidas que precisam de instrumentos adequados para a busca de maior autonomia e profissionalização.
Precisamos redefinir objetivos, analisar todas as possibilidades abertas pela convergência tecnológica e pelas novas mídias, que tornam urgentes a reavaliação dos modelos de produção, distribuição e exibição, e a elaboração de alternativas. Imaginar que mercado são somente as salas convencionais e sonhar que um dia poderemos ter um filme lançado com 300 cópias é produzir para ontem, especialmente depois que o recente “consenso de Hollywood” já definiu os prazos para a digitalização das salas de todo o planeta...
Investir no nosso crescimento enquanto setor produtivo implica em todas as janelas, sem exceção ou preconceito, e na inclusão de todos os segmentos e formatos. Ao mesmo tempo em que o destino do espaço audiovisual é traçado a milhares de milhas de distância, aqui, ao nosso lado, bairros e cidades que sempre foram o nosso grande público e continuam sem exibição sistemática estão sendo remotivados para ver nossos filmes graças a alternativas e projetos cada vez mais numerosos. Veremos um belo espaço pela frente se trabalharmos na nossa presença sistemática nas tevês públicas, no fortalecimento das médias e pequenas distribuidoras, no potencial de micro-cines, salas digitais, cineclubes, pontos de cultura, etc..
O que nos mantém é uma produção cultural que se desdobra numa economia; o que nos detém é uma economia que se configura como um esquema de poder.
Precisamos valorizar o fato de que o blockbuster é apenas a ponta do iceberg, o ponto mais alto de um volume sustentado pela produção independente daqui e de fora, que mantém o público, garante a programação das salas durante o ano e paga as contas de cada mês. Sem a regra não há exceção e nesse jogo a regra somos nós.
Mas é preciso também reconhecer que os sucessos da fórmula Globo + majors, além de necessários porque atraem público e formam opiniões, não se devem apenas ao poder econômico nem surgiram por acaso. Além de uma estrutura que os favorece e recursos para lançamento, exibidores e Globo tiveram tempo e competência para transformar o multiplex num hábito de consumo cultural e a dramaturgia televisiva numa necessidade social.
Essas duas constatações deixam claro que sustentabilidade implica em inserção social. Produzimos mais do que o mercado convencional absorve e precisamos refazer o contato com a maioria da sociedade, que foi privada de ver seus filmes preferidos - os filmes brasileiros. Quando a tevê virou eletrodoméstico e fecharam os cinemas de bairro e do interior, nosso público foi para casa ver novela.
IV
Precisamos, enfim, ampliar e diversificar oportunidades, aproveitar melhor os espaços. Em várias partes do mundo, os centros produtores emergentes, mesmo os mais pobres, despertam hoje para essa necessidade e a Nigéria, por exemplo, já desenvolve uma experiência exemplar nesse sentido. No caso brasileiro, chamo atenção especial para uma quantidade de projetos e iniciativas que estão retomando esse contato, tem grande potencial e precisam ser melhor analisados. Antes, quero contar dois casos – cases como dizem os economistas – que podem servir de exemplo.
Há cinco anos realizei um filme que custou dois milhões meio, gastou 300 mil na comercialização e foi lançado com 28 cópias. Saiu de cartaz em poucas semanas, teve menos de 50 mil espectadores e a produtora está devendo para a distribuidora. Ao mesmo tempo, exibido por 18 meses no BR em Movimento e outros projetos, ele fez 150 mil espectadores e a produtora não deve nada a não ser um enorme agradecimento.
Segundo case: Há pouco mais de dez anos, músicos e duplas sertanejas cantavam por aí, nas suas festas e rincões. Com a multiplicação dos rodeios, passaram a se apresentar para públicos maiores e algumas logo se tornaram populares. Gravaram primeiro algumas fitas e logo CDs vendidos a 5 reais depois dos shows. Procuraram as lojas mas foram rejeitados, como a maioria dos nossos filmes, porque os produtos não estavam de acordo com as exigências do mercado. Então eles montaram um sistema de distribuição e venda nos postos de gasolina. O negócio virou indústria, as pontas do iceberg estão por aí nos faustões da vida, mas a maioria não quer saber de lojas, mídia e capitais. Os rodeios são os festivais deles. Onde está o nosso posto de gasolina?
V
Fora dos shoppings, muito além dos 8% que já temos, 92% dos brasileiros têm raro, eventual ou nenhum contato com nossa produção audiovisual independente, uma produção que fala deles. Esse público, que sempre foi o mais fiel aos nossos filmes, nos aponta um caminho quando lota os festivais, garante o Ibope na telinha, freqüenta os projetos-escola, assiste a nossos filmes com prazer e emoção nas chamadas contrapartidas sociais.
No mundo todo, ofato sócio-cultural mais significativo desses tempos de monopólios e conglomerados está sendo o renascer das diversidades. Aqui no Brasil isso está acontecendo já há alguns anos com as manifestações regionais, locais, comunitárias.
A importância social e cultural desse renascimento é enorme, mas como estamos sendo tão pragmáticos, vale acentuar que essas manifestações, especialmente na música, envolvem hoje várias indústrias, mobilizam todo um comércio, geram empregos, incentivam o turismo e interferem no PIB de municípios e estados. E tudo isso começou na nostalgia de um velho zabumbeiro, numa reunião de jovens, num espaço comunitário. O carnaval da Bahia é hoje produto de exportação e tudo começou no dia em que três músicos populares decidiram botar eletricidade num trio, só para se divertir melhor. A identidade cultural gera inclusão social e renda.
VI
Ao mesmo tempo em que lutávamos pela regulamentação, o setor continuou trabalhando, captando recursos, buscando apoios, valendo-se da política de diversificação dos editais e da sensibilidade dos patrocinadores. Resultado: nunca se filmou/gravou tanto neste país como agora. Nunca tivemos em nossa produção igual diversidade de estilos, formatos, tamanhos, temáticas, origens regionais. Nunca tivemos tantos projetos-escola, tantos cinemas na praça e nas universidades, BRs em movimento, docs tevês. cineclubes e festivais se multiplicaram, formaram público.
Desconhecemos os números totais desse movimento, mas alguns deles nos dão uma idéia do que representam e do potencial que encerram:
1.
O Circuito FestCine Belém do Cinema Brasileiro leva nossos filmes para locais onde não há exibição comercial, através de 4 projetos: “O Cinema vai às Ilhas”, em 14 ilhas do entorno de Belém, “O Cinema vai os Bairros”, em 12 bairros da periferia da capital, “O Cinema viaja pelo Pará”, em 12 municípios do Estado , “Mostra Social de Cinema”, em 36 instituições sociais (asilos, presídios, hospitais e creches) e “O Cinema vai as Praias”, em 5 praias. Este ano são 20 longas e 20 curtas, exibidos em 99 sessões - 58 delas ao ar livre - para um público de aproximadamente 148.500 espectadores.
2.
O conjunto dos nossos festivais, seja em mostras competitivas ou projetos diversos, faz 20 mil projeções e reúne dois milhões e meio a três milhões de espectadores por ano.
3.
Em um ano de existência, o “Curta Petrobras no Cinema” atingiu ummilhão e cem mil espectadores em 36 salas de cinema de 12 cidades. O BR em Movimento também já superou a casa do milhão de pessoas.
VII
Esses projetos fazem parte de uma rede de alternativas de exibição cujas dimensões só agora começamos a pesquisar, mas cuja importância é fácil de entender. Eles são feitos por muitos de nós, produtores, animadores, ABDs, cineclubes e parceiros como o SESC, num segmento que reúne, em todo o país, mais de 2.500 locais de exibição regular ou não. Essas experiências e alternativas estão recriando, de baixo para cima, o espaço do audiovisual no país, mostrando o que pode ser o ponto de partida para o redesenho do nosso mapa audiovisual.
Chamo atenção para mais um exemplo. Da mesma forma como aconteceu no audiovisual, também o comércio fonográfico foi elitizado e vende CDs e DVDs a 30, 40 e mais reais nos shoppings. O que está fora desse espaço costuma ser enquadrado como pirataria, mas essa não é toda a verdade. Grande parte, talvez a maioria do comércio que rola fora dos templos de consumo é feito por pequenas empresas e autônomos que vendem o que está fora do gosto padronizado. Elas não tiram consumidor de ninguém porque vendem CDs a 5 reais para quem não tem dinheiro para freqüentar as lojas e não encontra nelas o que gosta de ouvir. Foi dessa forma que o forró nordestino, os violeiros e a maioria dos artistas regionais delimitaram seu espaço, mantém uma indústria e permanecem junto a seu povo.
Quem mais combate a pirataria hoje é a dupla Christian e Ralf: ela está usando uma mídia mais barata – um CD semi-metálico que grava até 70 minutos. Assim, o mercado informal prefere vender o CD deles porque é legal e dá mais lucro.
O que mais cresce no país são as pequenas e médias empresas e as alternativas de economia informal. Como nós, enfrentam a concentração de renda com soluções criativas.
Somos especialistas em lançar filmes com poucas cópias, fazer menos de 30 mil espectadores e dever para a distribuidora. Ou em fazer curtas para festivais e pouco mais. Vale a pena fazer isso, é gratificante ganhar prêmios, conseguir uma vaga no mercado, um dia ver o filme na tevê ou numa locadora. Mas também podemos tirar duas cópias e alguns DVDs e chegar a uns 150 mil espectadores sem ficar devendo a ninguém.
Podemos também sistematizar esse segmento, potencializar esse espaço, talvez até fazer filmes só para ele. Aos poucos, ele pode até virar mercado a dois/três reais a inteira, como já aconteceu.
É imprescindível lutar por novas políticas públicas, é urgente lutar por mais janelas, mas, e ao mesmo tempo, é vital buscar de forma sistemática os 92%. Nesse campo, nós temos 100% da torcida.
Ir atrás desse público não é apenas de uma questão econômica, mas um imperativo cultural. De cidadania. Não se trata simplesmente de buscar melhores rendimentos, mas de nossa própria inclusão social. Na perspectiva social e cultural, excluído é quem vive isolado no condomínio dos shoppings.
Mais do que um desafio, essa é a nossa pauta.
(*) texto encaminhado em 2005 para estimular os debates no VI Congresso Brasileiro de Cinema.
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